domingo, 18 de novembro de 2012

O crime organizado como contradição político-social – Causa e efeito da desagregação das instituições democráticas.

Monografia vencedora (3º lugar) do  IV Concurso Nacional de Monografias Jurídicas  do tribunal Regional Federal da 1ª região. Texto publicado na Revista do TRF 1ª Região, nº 1, ano 13, janeiro de 2001, pp.72-108.





Introdução

Características do crime organizado e perspectiva culturalista


M
uitos dos estudiosos do assunto, ora em questão, confrontam-se diretamente com  um problema comum: a vaga e precária definição de crime organizado, elaborada pelo  legislador. Por causa disto, todos os doutrinadores têm buscado  preencher esta lacuna tentando definir com precisão e rigor o que significa crime organizado.
Em vista da perspectiva teórica assumida nesta pesquisa, o autor não trará para si este esforço ingente, já realizado por tantos outros investigadores, de tentar elaborar uma conceituação perfeita do problema ora trabalhado. Afinal, muitos trabalhos de grande seriedade e rigor intelectual foram redigidos nesta direção e ainda que haja diferenças entre as várias definições possíveis, este texto tomará de outros pesquisadores seus resultados e enumerará, logo abaixo, algumas características comuns às definições elaboradas pela  maioria dos estudiosos do assunto. Portanto, segundo muitos dos  autores consultados as principais características da criminalidade organizada são as seguintes: 1.hierarquia estrutural;  2.planejamento empresarial; 3.uso de meios tecnológicos sofisticados; 4.conexão estrutural ou funcional com o poder público ou com agentes do poder público; 5.ampla oferta de prestações sociais; 6.divisão territorial das atividades ilícitas;  7.alto poder de intimidação; 8.alta capacitação efetiva para a fraude difusa;  9.conexão local, regional, nacional ou internacional com outra organização criminosa; 10.uso de meios tecnológicos avançados;  11.recrutamento de pessoas; 12. oferta de prestações sociais (COrg. pp. 92-101).
“Além dos já tradicionais traços característicos, talvez seja a ‘internacionalização’ (globalização) a marca mais saliente do crime organizado nas duas últimas décadas. Já não é correto apontar a conexão norte-americana-italiana (Máfia siciliana e Cosa Nostra) como uma singular manifestação dessa modalidade criminosa. Inúmeras são as organizações criminais já mundialmente conhecidas. Podemos citar, dentre tantas outras ainda não tão destacadas, a camorra napolitana, a n’drangheta calabresa, a sacra  corona pugliesa,  a boryokudan  e a yakuza japonesas, as tríades chinesas, os jovens turcos de Cingapura, os novos bandos no Leste europeu, os cartéis da droga, os contrabandistas de armas etc.”[1].
Ainda que estas sejam as características mais importantes deste fenômeno[2] é possível analisar o problema sugerido pelo CNPCP, a partir de uma ótica pouco comum, menos pragmática e não por isso menos valiosa, mas pelo contrário, bastante profunda e perspicaz, a saber a perspectiva de cunho filosófico-culturalista. Portanto, o autor buscará indicar um outro aspecto, bastante sutil, mas não pouco notório, que se faz presente sobretudo no Brasil e  que lhe pareceu ter escapado à reflexão dos pesquisadores que trabalham em torno deste tema: a “institucionalização” do crime. Tal afirmação não só parece contraditória. Ela é contraditória. Na verdade,  ela indica a presença de um elemento profundamente contraditório no interior da cultura ocidental e mais especificamente no âmago da cultura nacional. E a apresentação deste paradoxo, ou desta contradição será o núcleo da reflexão elaborada por esta monografia. Todavia, vale notar, que este trabalho não quer, de forma alguma, superar a erudição de tantos preclaros doutores e pesquisadores do mundo jurídico que vêm dedicando seus mais ingentes esforços intelectuais na pesquisa e na investigação de um tema classificado como assunto de primeira grandeza e prioridade máxima da agenda internacional, a saber, o crime organizado. Este autor também não buscará realizar uma reflexão própria e exclusivamente jurídica de tal fenômeno, em primeiro lugar porque as dimensões da problemática em questão transbordam os lindes da abordagem jurídico-penal, como se verá logo adiante,  e em segundo lugar porque lhe falta competência conceitual e intelectual para realizar tal aproximação.
Antes, o escopo deste texto, será justamente tentar compreender o crime organizado como um problema, não apenas de ordem jurídica, mas, mais propriamente, como um problema cultural, que tem em seu seio uma contradição originária que se alimenta, ou ainda se retro-alimenta de alguns outros fatores presentes na sociedade hodierna tais como o acelerado processo de erosão do ethos tradicional das nações, o processo de deterioração cultural, o profundo reducionismo antropológico, a patológica idiotização da população jovem, bem como o terrível fenômeno da banalização da morte e da reificação daquilo que Aristóteles designava como sendo o mundo das coisas humanas (Qa' anqrw'pina -  tà anthropina).
Portanto, será fácil detectar que a opção epistemológica deste trabalho está marcada por uma matriz especulativa de natureza estritamente filosófico-culturalista. Em vista disto vale notar que esta  reflexão não aprofundará aspectos de caráter única e exclusivamente jurídicos, menos ainda de caráter crinimológico-penalista. Mas construirá uma reflexão predominantemente culturalista que compreenda o fenômeno do crime organizado a partir de um tipo de visão mais abrangente, mas não menos profunda e menos séria, que denuncie  a magnitude,  a envergadura, a largura e a altura deste problema tão grave e complexo que, ao mesmo tempo apresenta-se como um problema eminentemente jurídico, mas que também se apresenta como um epifenômeno cuja grandeza corresponde à área do Planeta Terra e cuja profundidade também não é menor que o raio do mesmo globo azul. E que no Brasil, além de encontrar a sua forma específica de ser, consegue instituir-se e com todos os seus tentáculos, atingir, marcar, e determinar e vitimar a vida de quase todos os cidadãos brasileiros. Pois, há um certo tipo de crime organizado, destituído daquela virulência característica do tipo de criminalidade organizada veiculado pelos mass media e pelos filmes norte-americanas de gângsteres. E a presença deste tipo de problema, no interior de uma sociedade, tal como a brasileira, já marcada por uma série de mazelas históricas, faz com que o aprofundamento dos problemas nacionais se cristalizem e se tornem fendas através das quais outros interesses escusos, às vezes internacionais, entrem,  se façam presentes no cenário nacional, e aproveitem mais e mais das condições precárias das instituições democráticas brasileiras, reduzindo a noção de cidadania a um luxo do qual apenas os chefes da criminalidade organizada podem fruir. Pois ser cidadão vai deixando de ser um valor para ser um bem de consumo acessível e restrito a poucos.
Portanto, com o intuito de percorrer este itinerário, os passos a serem dados serão os seguintes: no primeiro capítulo serão apresentadas e desenvolvidas as características principais  da criminalidade organizada, tal como ela é compreendida pelos maiores estudiosos do assunto, bem como as novas possibilidades de objetos de “valor criminal” a serem criados em função dos avanços da biotecnologia e da tele-informática; e ainda serão indicadas   as características de uma “certa versão brasileira do crime organizado” que infelizmente atinge a quase totalidade dos cidadãos brasileiros; no segundo, capítulo serão indicados os elementos geradores da constelação simbólico-conceitual do mundo ocidental, a partir dos quais se fará a reflexão central contida no capítulo seguinte. Partindo dos conceitos do momento anterior, no terceiro e último capítulo o autor fará uma leitura culturalista do fenômeno ora estudado, para radicalizar sua reflexão num espaço conceitual que transcende o perímetro da legiferação penal, apontando as conseqüências erosivas da criminalidade organizada no seio das sociedades  instituições democráticas. Finalmente, ao terceiro capítulo seguem-se as conclusões do autor a respeito do itinerário percorrido por esta monografia.



Capítulo Primeiro


O crime organizado como um fenômeno não-geometral,
mas uma trama e sua versão brasileira


Seções deste capítulo: 0.Introdução; 1.Os problemas planetários; 2.A ruptura  entre Ética e Direito; 3.Reducionismo Antropológico; 4.A idiotização: doença planetária; 5.A banalização da morte; 6.O aparato tecnológico; 7.As novas possibilidades de negócio; 8.A versão light-tupiniquim da criminalidade organizada e instituída no Brasil e o cidadão paranóico.
0.INTRODUÇÃO – O  crime organizado não existe só no Brasil. Nem só na Itália. Nem só nos EUA. Também não é um fenômeno brasileiro. Bem como não é um “privilégio” dos italianos ou dos americanos. O fenômeno da universalização do crime organizado é notório. Não se trata pois de uma hipótese que deva ser comprovada a partir de pesquisas ou investigações sociais mais profundas. Qual a família brasileira que  não teme ou até mesmo já não teve o caso de um drogatício na família? Isto apenas para indicar uma das formas da criminalidade organizada que é a do narcotráfico. Qual o computador doméstico (personal computer padrão IBM) que não possui um software pirata ou um hardware que não tenha chegado ao Brasil de forma irregular? E para complexificar tal situação é sabido que este problema do crime organizado entretece-se com mais tantos outros problemas, que deixam, neste entretecimento, o estudioso perplexo, pois as relações deste tipo de criminalidade com outros fatores críticos apenas aguça e complexifica o problema bem como aumenta o grau de intelecção  necessário para entendê-lo em todos os  seus termos possíveis. Portanto, tal como já foi indicado, uma das faces mais claras da criminalidade organizada é a sua universalidade. O problema ora em questão tem as dimensões do planeta e as características de um mega-negócio de caráter multinacional. A economia planetária internacionalizou-se e provocou o fenômeno da globalização, que por sua vez se constitui como sendo um termo oriundo do vocabulário econômico, e portanto, um fenômeno de matriz econômico-financeira. No entanto, a universalização e a internacionalização dos capitais provocou e exigiu a multinacionalização da tecnologia e, conseqüentemente, de seus avanços, bem como de suas mazelas[3]. E toda a atividade criminal organizada existe única e exclusivamente em função dos lucros que podem ser auferidos por ela.  E a vultosidade das somas envolvidas no crime organizado só pode fluir e movimentar-se por todo o planeta através das tecnologias informático-comunicacionais que sustentam o mercado financeiro mundial. Portanto, a facilidade para se movimentar grandes somas de dinheiro, e a liberdade do fluxo de capitais são, hoje, condições de possibilidade para a manutenção do pilar fundamental do crime organizado: o escoamento fácil e iníquo do dinheiro através das tecnologias de comunicação associadas, por sua vez,  ao desenvolvimento tecno-informático.
1.OS PROBLEMAS PLANETÁRIOS - Portanto, a magnitude das dimensões do problema faz com que tal questão seja agravada por uma série de outros problemas também planetários e universalizados. Também não há dúvida que na grande maioria dos casos a organização do crime implica um tipo de procedimento bastante violento, pois os interesses em questão são de ordem econômica e “política” tais como o domínio de ação sobre uma determinada área do globo, ou sobre determinada área de uma certa cidade. Tais questões não têm porque serem resolvidas “democraticamente”.  Em visto disto a violência se apresenta como um dos sinais mais marcantes deste tipo de organização criminosa. Mas o problema se agrava em decorrência da universalização da violência.
Mais. A disputa por uma certa área de influência e ação coloca em batalha uma legião de pessoas, em sua maioria pobres, pois, não obstante os altos índices de produção de bens e riqueza, o planeta nunca esteve tão povoado por pessoas numa situação econômica tão precária. A população mundial assistiu ao nascimento do sextobilionésimo ser humano no limiar do século XXI; marca absolutamente espantosa se se considerar que há apenas 100 anos a população mundial estava na marca do primeiro bilhão. Mais aterradora é a perspectiva de se alcançar a primeira dezena da casa dos bilhões ainda no ano de 2020. Há e haverá muita gente sobre o planeta.A pobreza também universalizou-se e se constituiu como um problema planetário que se vê agravado sobretudo pelo fenômeno da explosão demográfica ocorrida nos países do hemisfério sul, no qual estão a maioria dos países empobrecidos. Junto com a pobreza se encontra o conjugamento da díade esgotamento dos recursos naturais/deterioração do meio ambiente. Como conseqüência da explosão demográfica  o homem vê diante de si a  tarefa e o desafio ingentes de descobrir em primeiro lugar, como alimentar tanta gente, e em segundo lugar, o que fazer com tanto detrito, e com tanto lixo produzido diuturnamente por toda a população humana[4]. E mais. O homem poluiu a água, envenenou o ar, e estragou o véu que o protege dos raios ultravioletas. Está destruindo os pulmões do mundo ao contaminar os mares e os oceanos e enfumaçando a atmosfera ao exterminar com gigantescas áreas de vegetação natural. Enfim, muito em breve o ecossistema humano pode entrar em colapso e não se sabe qual  será o grau das condições de reversibilidade deste quadro. O Planeta está doente. E a  precária saúde do planeta, bem como o risco dos recursos planetários atingirem a exaustão são reflexos do excesso populacional. Mas além disto vê-se que há um contingente demográfico gigantesco vivendo numa situação abaixo da linha de pobreza e de miséria absolutas. Ao mesmo tempo em que as três pessoas mais ricas do planeta possuem a riqueza equivalente a toda a riqueza de 48 países em desenvolvimento. A péssima distribuição de renda e a miséria são uma das piores visões deste caleidoscópio humano, marcado por tantas irracionalidades.
A substituição generalizada da mão-de-obra escrava surge primeiramente como uma exigência da difusão da cultura cristã, e na época do neocolonialismo (século XIX), como exigência da Revolução Industrial e coação da Inglaterra. Para substituir o trabalho humano inventam-se máquinas, que podem ser, a cada dia que passa, um pouco mais incrementadas, pois a tecnologia possibilitou ao homem hodierno avanços técnicos que pareciam frutos apenas de histórias de ficção científica. Portanto, em função dos avanços tecnológicos, em função do peso dos encargos trabalhistas e da necessidade de se produzir com mais eficiência, com mais velocidade, etc... o trabalho humano vem sendo substituído, celeremente, por máquinas, computadores e robôs que  têm transformado a chamada civilização do trabalho na civilização dos serviços e do desemprego[5].
Uma pequena síntese deste quadro tremendo: muita gente, pobre, sem ocupação e sem emprego, vivendo num planeta sujo e sem recursos. A mesma tecnologia que lançou o primata hominóide na lua, que criou vacinas, medicamentos, tecnologia de comunicação e de tratamento médico é a responsável primeira pelo aumento do índice de natalidade pela redução do índice de mortalidade infantil, pelo aumento da expectativa média de vida, bem como pelo decréscimo do índice de mortalidade e pelo conseqüente envelhecimento generalizado das sociedades contemporâneas. Há cálculos e estimativas indicando que o homem, hoje com 30 anos, poderá alcançar a passagem do século XXI para XXII. Quem tem 10 anos poderá viver cerca de 150 anos. Quem nascer daqui a 20 anos, poderá viver, na pior das hipóteses  até o ano 2200. É fabuloso, portanto, que se possa viver mais, justamente, porque o homem possui técnicas que prolonguem sua vida  por décadas a mais. No entanto, o  quadro complica-se a cada novo avanço: tanta gente pobre, mal alimentada, desocupada, vivendo tanto tempo, num planeta sem recursos. A exígua população jovem, ocupada e produtiva não estará disposta a cuidar de seus velhos, ainda que a velhice seja postergada para uns 20 ou 30 anos a mais (80 – 100 anos).  E uma população envelhecida implica uma baixa taxa de fecundação, de recuperação e de versatilidade, o que implicará, por sua vez, maiores dificuldades para ultrapassar os problemas oriundos do envelhecimento populacional.
Hoje, já há um relativo consenso a respeito da impertinência da relação causa/efeito entre pobreza e violência e da pertinência quase que absoluta na relação desemprego e violência. A violência é diretamente proporcional aos índices de desemprego e não de pobreza. Há países pobres com grande parte da população empregada ainda que mal remunerada, e em tais países, com índices maiores de gente empregada, a violência é menor.
Finalmente, ao tratar da questão governabilidade já se consegue retornar ao objeto mesmo deste trabalho de pesquisa: o crime organizado. Pois, diante destes quadros tão complexos e de problemas tão agudos a pergunta que surge é a seguinte: como governar os países assolados por tais problemas?
Como governar tanta gente pobre, subnutrida, sem perspectivas, desocupada, vitimadas pela penúria numa sociedade extremamente abundante que por sua vez é retro-alimentada por sonhos de consumo inatingíveis pela grande maioria dos habitantes do planeta? E mais! Os países cujos governantes não estão mancomunados com o crime organizado e mais especificamente com o narcotráfico, correspondem a um número menor do que a quantidade de dedos de uma mão!
As grandes, as médias e as pequenas nações, todas elas, sem grandes exceções, vêem-se dirigidas por governantes anuentes ao narcotráfico e às diversas formas de organização criminosa, bem como aos mais variados estilos de espoliação institucionalizados que chegam a ocorrer à luz mais brilhante do dia, protegidos que estão pelo descaso público e pelo estupor do cidadão desiludido e desprotegido que sabe e conhece o custo[6], o desgaste emocional e financeiro implicados num embate jurídico com poderosas e gigantescas instituições, sejam elas públicas ou privadas, resguardadas no interior das, muitas vezes, intransponíveis muralhas da burocracia construídas com gigantescas pilhas de papel.
Tratando-se pois do problema da governabilidade nacional e internacional, o pesquisador vê-se diante de um quadro marcado por contradições profundas, afinal, os grandes governantes consolidam inescrupulosamente suas carreiras e suas fortunas em negócios ilícitos de magnitudes gigantescas.
Como se pode admitir que governantes envolvidos com o mundo da criminalidade organizada e institucionalizada sejam justamente as mesmas pessoas que possam estar à frente de grandes países, grandes exércitos e até mesmo de certas potências nucleares?
“A criminalidade organizada (...) contribui amplamente para as chamadas cifras obscuras da criminalidade e se beneficia não menos amplamente da impunidade. Seu poder de infiltração é imenso, especialmente onde a corrupção acha-se disseminada entre políticos e policiais. Tanto a corrupção criminal como o crime organizado têm seu sustento em atividades mais ou menos difundidas, que variam nos diversos países, e no descrédito cada dia maior dos sistemas de justiça, conseqüência esta última de leis antiquadas (ou mal elaboradas) e de estruturas profissionais persecutórias inadequadas. Genericamente enfocadas, são “associações delinqüenciais complexas, com programa permanente e infiltrações no Estado-legal. Contam com agentes armados e algumas com código de honra. Atuam com o objetivo de o estado-delinqüencial absorver o estado-constitucional. Mencionadas associações caracterizam-se pela intimidação, interna e difusa, pelo indissolúvel vínculo hierárquico e pelo silêncio solidário” [7].
Tal fato aponta, em seguida, para a problemática da segurança nacional e internacional. Tendo pois, à frente da maioria absoluta das nações, dirigentes inidôneos e ao mesmo tempo protagonistas da macro-delinqüência, como se pode pensar e refletir sobre questões de segurança nacional e internacional, se as pessoas que ocupam certos cargos institucionais  de representação nacional e internacional são a nata da criminalidade que campeia pelo mundo afora?
2. A RUPTURA ENTRE ÉTICA E DIREITO - Além destes aspectos indicados pelos grandes analistas internacionais há outros problemas de caráter cultural que aprofundam a gravidade do problema ora em questão.
A hipertrofia do conhecimento lógico-matemático foi a responsável pela expulsão da Ética do espaço da racionalidade humana. O saber ético foi expulso para o espaço do irracional, pois a conduta humana, enquanto objeto de conhecimento não consegue ser aprisionada pela camisa-de-força dos limites postos pelas exigências epistemológicas e dos cânones do conhecimento hipotético-dedutivo. A Ética não conseguiu submeter-se às exigências epistemológicas da racionalidade instrumental, e o Direito alcançou uma aproximação maior deste novo tipo de razão, alcançando pois o estatuto de um constructo destituído das prerrogativas do divino, do sagrado, e até mesmo do moral e do ético, para aproximar-se o máximo possível da objetividade e da precisão do cálculo matemático, orientando-se sobretudo pela nova racionalidade geométrica da lei, de matriz kantiana, mas sobretudo kelseniana.
Tendo sido expulsa para o espaço mínimo do foro íntimo dos sujeitos, a Ética deixou no âmbito social um vácuo que não conseguiu ser preenchido pelo tipo de constructo jurídico estabelecido e erigido nos dois últimos séculos. Portanto, a primeira civilização universal, estabeleceu-se paradoxalmente como sendo a primeira civilização sem Ética. E tal fato, permitiu e  facilitou não só o crescimento da criminalidade organizada e localizada em certos países, mas possibilitou uma difusão e um agigantamento planetário deste fenômeno. Afinal a fragilização da consciência ética dos povos e sua conseqüente substituição por um Direito extremamente precário e volátil, deixou um grande espaço da conduta humana descoberto de valores e referenciais axiológicos que pudessem nortear o agir humano no interior de um tipo de socialização que se complexifica em progressão geométrica.
3. REDUCIONISMO ANTROPOLÓGICO - Estes três próximos tópicos (reducionismos antropológicos, a idiotização como sociopatia e a banalização do mal e da morte) são questões muito próximas umas das outras e alicerces do processo de deterioração e de pulverização da consciência ética do homem ocidental. A partir de uma perspectiva estritamente antropológica pode-se dizer que o homem é um ser-com-os-outros-no-mundo. O ser humano relaciona-se com os outros seres humanos no interior do mundo. Neste mundo existem objetos com os quais o homem estabelece um tipo de relação não-recíproca (relação de objetividade). E neste mundo existem sujeitos com os quais os seres humanos estabelecem relações recíprocas (relação de intersubjetividade). Entretanto há uma hipertrofia do primeiro tipo de relação antropológica. Os critérios próprios da relação de objetividade (da relação do homem com as coisas), estenderam-se para o campo da relação de intersubjetividade (da relação do homem com os próprios homens) fazendo com que o próprio ser humano seja reduzido à condição de uma coisa. A expressão reducionismo antropológico refere-se ao fato de que os critérios de valoração da relação do homem com os objetos (sejam estes critérios, a utilidade, a eficácia,  a produtividade e a lucratividade), estenderam-se para o espaço intersubjetivo. Por causa disto o homem deixa de ser reconhecido como pessoa, para ser reificado, ou ainda coisificado. A coisificação, ou a  reificação humana, somada à banalização do mal, da morte e à falta de consciência ética, permite que embriões humanos remanescentes dos processos de reprodução assistida sejam vendidos para laboratórios, que a partir da interferência nas chamadas células-troncos, poderão criar bancos de órgãos, e fazer da produção de órgãos um dos negócios mais lucrativos do planeta.  E muito provavelmente mais um objeto para ser comercializado através das multinacionais da criminalidade organizada.
“O que as organizações criminosas oferecem? O crime organizado oferece, em geral, o que é proibido ou o que é moralmente rejeitado (por uma parcela da sociedade) ou o que é escasso no mercado. Hoje é muito raro que alguma organização criminosa esteja preocupada em comercializar paralelamente bebida alcoólica. Mas no tempo da Lei Seca, nos Estados Unidos (de 1920 a 1933), em razão da irracional proibição do comércio de bebida alcoólica, o crime organizado conseguiu um dos maiores lucros de toda sua história. O exemplo da Lei Seca serve bem para ilustrar o quanto a proibição legal muitas vezes, se torna uma grande aliada do crime organizado. Isso acontece, particularmente, quando o que está proibido é praticado ou consumido por grande parte da população ou tolerado (é o caso da bebida alcoólica, do jogo, da pornografia, do uso de droga, do fumo, do sexo etc.)”[8].
No entanto, será que se pode dizer ou mesmo compreender que o tráfico de mulheres, crianças, meninas e adolescentes de ambos os sexos são “coisas” escassas no mercado? Será que é irracional proibir o snuf? Será que o abuso infantil e a pedofilia são práticas sexuais praticadas ou toleradas por grande parte da população? A reprodução em grande escala de órgãos não dependerá de um comércio ilegal de embriões, ou até mesmo de uma produção de embriões em mulheres pagas, ou até mesmo escravizadas para ovular artificialmente, a partir de medicamentos ministrados pelos gerentes deste futuro negócio?
4. IDIOTIZAÇÃO: DOENÇA PLANETÁRIA - É fácil notar que as dimensões do problema transcende a área do espaço jurídico-penal e atinge um grau de dificuldade, complexidade, seriedade e perplexidade que só pode ser abordado com o auxílio de outras disciplinas que possibilitem uma visão sinóptica, mais nítida e mais profunda do objeto aqui estudado.
A falta de parâmetros éticos e a educação mediática, a força “pedagógica” dos meios de comunicação destituíram a criança, o jovem e os futuros adultos, que a criança e o jovem serão, de uma estrutura subjetiva do agir ético, vem  a ser de estruturas e categorias éticas constitutivas da consciência moral. As pessoas nascidas nos últimos 30 anos padecem de uma síndrome de idiotização muito profunda, já catalogada pela Organização Mundial de Saúde como um tipo de sociopatia universal. As duas últimas gerações de seres humanos foram gestadas e educadas no interior de um universo simbólico paupérrimo e fragmentado, sem unidade e sem suporte ético. É causa de profunda perplexidade a percepção da profunda incapacidade reflexiva presente na maioria dos jovens que freqüentam, por exemplo, a universidade brasileira. Não lêem, não sabem escrever, não sabem se exprimir. Em última análise, pode-se dizer que não são livres. Do ponto  de vista jurídico lhes está assegurado o direito de se exprimirem sem censura. Entretanto, os anos de ditadura, as disciplinas  “Educação Moral e Cívica”  e “Organização Social e Política do Brasil” – OSPB, a  televisão, o sucateamento da escola pública, e agora o sucateamento do ensino público universitário fizeram das duas últimas gerações de brasileiros prisioneiros  e censores de si mesmos. Ditadores de si mesmos. Não há quem proíba nossos jovens de falar e de se exprimir. Mas ele prefere ler Caras, ver televisão e os programa dos senhores Carlos Massa (Ratinho), Fausto Silva e Gugu Liberato.  Veja-se por exemplo o quadro das chamadas  vídeo-cassetadas. A graça encontrada ao ver um bebê ralando o rosto no asfalto denuncia o caráter embrutecedor do programa. Como achar graça e riso ao assistir uma criança machucando-se em cadeia nacional se já não estivermos beirando as raias da idiotia ou do mais completo e absoluto grau de retardamento mental?!?
5.A BANALIZAÇÃO DA MORTE - Além de se detectar que a média da população vive num estado de hipnose diuturna que a conduz ao nível da idiotia, percebe-se ao mesmo tempo um profundo embrutecimento antropológico e uma des-sensibilização do ser humano para com o seu semelhante. Este embrutecimento,  esta idiotização, esta des-sensibilização profunda extirparam do universo simbólico social as noções de solidariedade, gratuidade, bondade, caridade, etc... e retirou do mal e da morte seu aspecto de negatividade profunda. O axioma clássico do agir humano Bonum faciendum, malunque vitandum[9] perdeu seu vigor.  Portanto,  a realização do mal e a causação da morte perderam a negatividade, a reprochabilidade e a repreensibilidade inerentes ao mal realizado e à morte provocada. Todos os povos primitivos trazem comandamentos referentes à proibição do homicídio. O homem ocidental também está submetido a ordenamentos que tratam do problema da provocação da morte. Entretanto, hoje é muito mais fácil matar alguém.  E, quando há culpa pelo ato cometido, porque muitas vezes não há, ela é menor. Mas a culpa e a consciência moral não dão conta da intenção do homicida. O problema é que o Direito também não dá. E esta incapacidade do Direito chama-se impunidade.
Portanto, é muito fácil para um jovem pobre e para um jovem de classe média que sonham com um carro, um tênis, uma roupa, uma namorada, abrigar-se sob os auspícios da criminalidade organizada: no future, no hope, but a lot of money[10]. Ele não possui a idéia do mal. A morte é banalizada e espetacularizada na TV. Matar alguém por dinheiro “não é algo muito maior do que dar-lhe um beliscão”.
6.O APARATO TECNOLÓGICO - A organização criminosa não improvisa. Bem como não utiliza-se de sucata ou  ferro-velho para defender-se do confronto com a polícia ou com quem quer que se coloque como elemento impeditivo de sua ação. A criminalidade organizada conta com a presença de um alto grau de tecnificação e preparação para a realização de sua atividade[11]. A criminalidade organizada tem acesso a instrumentos informáticos e de telecomunicação que muitos países não possuem. Estes aparelhos parabólicos de escuta telefônica a distância, circuitos internos e externos de televisão, aparatos de comunicação telefônica e radiofônica intercontinentais, câmeras fotográficas auxiliadas por raios laser , teleobjetivas, gravadores capazes de captar sons a grande distância, atravessando inclusive paredes, comunicação por microondas ou satélites são exemplos de um grau de sofisticação tecnológica inalcançável para muitos órgãos oficiais encarregados da persecução penal (COrg. p.96).
"Cuida-se de criminalidade praticada por meio de instrumentos de alta tecnologia (microfones parabólicos de escuta à distância, TV privada, foto-copiadoras em cores de alta resolução, laboratórios portáteis sofisticados, recipientes para transporte de órgãos humanos etc.) ou por meio dos mais avançados sistemas de computação, que exigem conhecimentos só alcançáveis por poucos experts no mundo. Bem salientou Cervini[12] que ‘a alta tecnologia permitiu o desenvolvimento de sofisticados aparatos, cuja aplicação para fins delitivos causa um grande dano material e social, que normalmente fica impune. Remarque-se o fato de que a existência da maioria de novos aprestos técnicos, com que conta o delito organizado, não é conhecido pelo grande público e, o que é mais inquietante, também as autoridades de numerosos países do Terceiro Mundo ignoram como operam e o perigo que representam para suas sociedades...”(COrg. p.86). 
O autor deste texto não é um tecnoclasta. Ele não pretende de forma alguma que o aparato tecnológico universal seja desativado (desligado das tomadas) e que toda a humanidade comece a partir de então  a abraçar árvores. Não.  O que há de interessante neste tópico é o simples fato de que toda a tecnologia que serve de suporte para a vida humana, também serve de suporte para o exercício da criminalidade organizada. E em países como o Brasil não há pessoal capacitado para reagir a grupos organizados mais bem aparelhados do que as próprias instituições responsáveis pela segurança pública.
É muito mais fácil correr atrás de ladrão na rua do que no interior de uma infovia. O Dr. Mauro Marcelo está fazendo muito sucesso. Mas o Brasil só tem ele. Fazer dele um vip ou um personagem de Caras criará no brasileiro a idéia de que surgiu um novo herói, que protegerá a todos que quiserem fazer compras via internet. Mas isto é um simulacro, uma fantasia. E a inflação desta quimera só aprofunda a rachadura e o déficit que o país apresenta nesta área[13].
E, no interior deste quadro deprimente da educação brasileira, não se tem como reagir à capacitação tecnológica das organizações criminosas que chegam a utilizar satélites e os equipamentos tecnológicos de primeiríssima linha, para alcançarem os seus fins criminosos[14].
7. AS NOVAS POSSIBILIDADES DE NEGÓCIO - Drogas, remédios, equipamentos eletrônicos, perfumes, animais silvestres, mulheres, crianças (para serem adotadas, para serem sodomizadas, para serem mortas), órgãos humanos, equipamentos bélicos, armas nucleares, roupas e tecidos de griffe são todos “objetos” “tradicionais” comercializados pelas organizações criminosas. Mas um novo “produto” estará entrando  na rede do comércio ilícito: os resultados das pesquisas da biotecnologia, cuja força irá compor o paradigma e a matrix  operacional deste século que se inicia[15].
Num seminário sobre o Projeto Genôma do Câncer ocorrido há algumas semanas atrás, o aluno que está produzindo este texto teve a oportunidade de perguntar para o Prof. Andrew Simpson, o inglês responsável pelo Projeto Genôma brasileiro se as informações veiculadas pelos hebdomadários a respeito da patente de genes eram verossímeis. Sua resposta foi categoricamente positiva. Sim. Há patentes de genes. No Brasil ainda não é possível fazê-lo. Mas em outros países europeus bem como nos EUA isto já é realizado. Portanto, muito em breve os códigos genômicos, sejam eles do ser humano, de vegetais ou mesmo de espécies animais, geneticamente produzidas ou não, terão uma grande procura em função de seu altíssimo valor econômico. Também será “objeto” de comércio os embriões remanescentes de processos de reprodução assistida. Pois, em função do valor  de suas células-troncos e da possibilidade de produção de órgãos para serem vendidos estes embriões serão  produzidos clandestinamente bem como vendidos no mercado-negro da biotecnologia[16]. Se as preocupações com os resultados dos transgênicos já são grandes, como não serão as dimensões dos riscos que a humanidade estará correndo com seres produzidos geneticamente em laboratórios clandestinos e talvez misturando-se e reproduzindo-se com outros seres normais?[17]
8. A versão light-tupiniquim da criminalidade organizada e instituída no Brasil e o cidadão paranóico - Os templos da sociedade contemporânea não são, desde há muito tempo, as belíssimas e gigantescas catedrais. Os novos santuários chamam-se shoppings centers,  ou muito bem traduzido, centros de compras, ou ainda os grandes prédios dos grandes bancos, dos grandes provedores (veja-se por exemplo o tamanho descomunal do prédio que está centro construído para ser a sede do IG em São Paulo) ou ainda dos grandes centros empresariais. Hiper-mercados, bancos, operadoras de telefonia, de serviços de teledifusão via cabo, de internet via-cabo, são instituições ou corporações ou estabelecimentos gigantescos, com uma estrutura organizacional descomunal. Isto e mais uma série de outros fatores fazem da sociedade hodierna uma sociedade de consumo. Portanto, a vida humana está marcada sobretudo pela organização do tempo humano em torno daquilo que habilita e capacita o indivíduo a tornar-se, mais do que um cidadão, um consumidor.
Estas características da sociedade moderna estão, como não poderiam deixar de estar, presentes no Brasil. Isto faz com que a sociedade brasileira tenha como  um dos seus elementos constitutivos e organizadores simbólicos a vida em torno do consumo, o que vem a implicar comércio  e produção. E justamente por causa deste fator o cidadão brasileiro torna-se uma das vítimas mais indefesas diante das tenalhas da criminalidade organizada tupiniquim que protege-se sob a égide das grandes corporações diante das quais o poder de reação do indivíduo é absolutamente inócuo.
E para explicar o que o autor está querendo indicar com esta sua versão brasileira da criminalidade organizada ele irá contar alguns casos bem como também irá comentá-los:
Caso 1 – O cidadão entra num estabelecimento de uma das maiores redes de hiper-mercados do Brasil. Coloca em seu carrinho produtos. Chega até o caixa e começa a retirá-los um por um. O funcionário do caixa toma os produtos e dirige-os até o aparelho leitor do código de barras. Por pura coincidência, no momento em que o comprador passa um outro produto do carrinho para a esteira rolante do caixa, ele consegue detectar que o preço indicado na tela do monitor não corresponde ao preço do cartaz de um determinado produto, a saber,uma garrafa pet de refrigerante com 2000 ml de bebida. No cartaz, o preço indicado era de R$1,40 e no sistema acusou R$1,70. A diferença é simplesmente irrisória: R$0,30. O consumidor, aluno de Direito, consciente de seus direitos  e da pertinência de sua indignação reclama e exige o estorno desta vultosa quantia. Por incrível que pareça o funcionário do caixa ficou indignado com a posição do consumidor. Sem contar com o descontentamento daqueles compradores que se encontram, na fila, esperando a sua vez. Vale a pena “criar caso” por apenas R$0,30? Esperar o gerente ser encontrado, comunicado, e autorizar  e realizar o estorno? O comprador era um  “chato”  mesmo e decide esperar e fazer valer o seu direito. Depois de tudo resolvido, no dia seguinte, ele retorna ao supermercado para ver o que acontece se ele comprar novamente o mesmo produto. Sua desconfiança é certeira. Ele teve o mesmo problema.
O procedimento realizado por este grande estabelecimento não é fruto de um engano. O gerente já foi avisado, já teve reclamações, e deliberadamente não  trocou o preço da mercadoria no sistema bem como manteve o preço mais baixo no cartaz. Uma cadeia de supermercados atende a dezenas de milhares de consumidores diariamente, mensalmente. Refrigerante é algo barato e comprado por muitos. E R$0,30 multiplicado por um número grande irá significar uma boa quantidade retirada da população consumidora de forma absolutamente inidônea. Vale notar que tanto este fato como o próximo talvez possam se enquadrar como crimes contra a economia popular. No entanto, tal evento é deliberado, decidido e realizado com a intenção pontual e precisa de auferir lucros. Ainda pois, que haja uma tipificação muito  precisa para este tipo de procedimento não há dúvida que ele possui algumas características fundamentais da atividade criminal organizada. Ou seja, ainda que tal procedimento possa ser tipificado como crime contra a economia popular é possível, por analogia perceber que há uma certa proporcionalidade entre este  tipo de procedimento  e a realidade conhecida como criminalidade organizada. Mesmo porque tal proceder é consciente e intencional.
Vale notar que numa das melhores coletâneas nacionais sobre crime organizado havia artigos sobre crimes contra a ordem econômica em geral[18]. E a inclusão de artigos sobre crimes contra a ordem econômica num livro sobre criminalidade organizada indica a legitimidade da proporcionalidade e da semelhança entre estas duas realidades aqui indicadas pelo autor deste texto..
Caso 2 – O cidadão fez uma assinatura de TV paga através de contato telefônico. Adquiriu a antena e, segundo os vendedores, no pacote adquirido, viria um certo número de canais, já de antemão apresentados ao adquirente. Foi-lhe dito que ele poderia fazer a instalação do produto. Quando o equipamento chega na casa do comprador ele descobre que ele não pode instalar pois ele não tem bússola, e não tem como encontrar a visada do satélite. E se fizesse a instalação ele perderia a garantia do produto. Portanto era necessário que  ele pagasse a visita de um instalador habilitado e credenciado pela empresa. E mais. Além de ter adquirido o produto ele precisaria pagar uma taxa de habilitação. E quando o produto começa a funcionar ele percebe que alguns dos canais supostamente adquiridos não fazem parte nem daquele pacote e nem de qualquer outro. Pois alguns dos canais indicados não são transmitidos para aquela região.
Ao fazer a compra o consumidor contactou um telefonista cujo nome ele nem sabe se é “nome de fantasia” ou não. Qual é a possibilidade do consumidor ligar para um número 0800 e encontrar o mesmo atendente? Este é o início de uma sucessão de ligações, discussões e aborrecimentos dos quais o único prejudicado é o consumidor. Ainda que ele consiga ficar sem pagar as taxas não indicadas, ele telefonou muitas vezes, gastou sem tempo, ficou aborrecido e certamente não terá conseguido ver um dos canais esperados. E todo este procedimento foi realizado no seu tempo “livre”, enquanto os atendentes, supervisores e gerentes  atendiam ao reclamante enquanto trabalhavam.
Neste momento tem ocorrido um fato muito semelhante com a disponibilização do serviço Speedy pela operadora Telefónica que continua disponibilizando seu serviço, vendendo-o e recebendo dinheiro dos consumidores,  sem que o serviço esteja em condições de usabilidade razoáveis. A questão é a seguinte: o lucro é maior do que o custo das reclamações. De fato, reclamar adianta muito pouco num país tomado pela impunidade e pela hegemonia de grandes grupos para os quais a cidadania e o respeito aos cidadãos é “perfumaria”, é algo de desprezível, quando o que conta é arrancar o dinheiro dos consumidores em troca de qualquer serviço possível, ainda que sua precariedade seja intolerável. Como dizia Thomas Hobbes...homo homini lupus[19].
A máxima “O crime não compensa” não vale em muitos lugares do globo, sobretudo no Brasil, pois num país onde  1 criminoso em 1000 é punido, o crime é um grande negócio. Vale o risco!! Diante da força esmagadora das grandes corporações e mesmo do Estado, o indivíduo sente-se impotente, desprotegido e indefeso. Diante da fome, da miséria  e da voracidade destas grandes instituições o brasileiro sente que seu poder de defesa é ínfimo e caro.
Caso 3 – O cidadão teve seu carro, atingido na traseira por uma viatura da Polícia Militar. E para complicar a situação os policiais (2 jovens de 20 e poucos anos) dirigiam a viatura fora da área de patrulhamento e a batida ocorreu numa rodovia que passa por dentro de uma cidade o que implicava chamar a polícia rodoviária estadual para fazer a ocorrência. O cidadão que teve seu carro danificado não foi ressarcido do seu prejuízo. E nem irá recorrer à Justiça, pois os policiais são responsáveis pela área onde ele mora e ele tem medo da polícia. No Boletim de Ocorrência consta o endereço do civil. No entanto, o endereço do policial que dirigia a viatura é o endereço do quartel. Com isto o cidadão se sente exposto e temeroso de qualquer tipo de represália direta ou indireta.
Caso 4 – Todos os dias, uma grande parcela da população recebe cartas, cartões, propagandas, cartões de crédito, promoções. Através dos gastos de um usuário, as companhias elétricas sabem exatamente quase todos os bens eletro-eletrônicos que o cidadão possui e com isto consegue esboçar o perfil do usuário. E pode disponibilizar tais dados para administradoras de cartões de créditos. Há bancos que recolhem os dados de todos os cheques depositados nas contas de seus correntistas: Nome, CPF, RG, telefone (atrás do cheque) e às vezes até mesmo o endereço (também indicado atrás do cheque), tempo de vínculo com a instituição que emitiu o cheque depositado, o tipo do cheque (ouro, especial, universitário...) e conforme a agência é possível até mesmo descobrir a cidade, o bairro e a partir de tudo isto construir o perfil e o padrão de vida do depositante, que será atingido e perturbado pelos serviços de telemarketing do banco no qual ele ainda não possui conta, para  que possa vir a tornar-se um novo correntista.
O cidadão tem sua vida exposta e sua privacidade diminuída, a proteção que a polícia lhe dá é precária, e às vezes ela chega a ser uma ameaça ao próprio cidadão. As grandes instituições que dão infra-estrutura ao país agem de forma inescrupulosa com o intuito de arrancar do usuário o último centavo possível. O cidadão é ludibriado no hipermercado, pelas companhias de luz, água  e telefone, pela polícia, pelas instituições financeiras que chegam a cobrar 120% de juros ao ano, quando o previsto na constituição é 12% a.a. e isto é permitido e o Presidente da República ainda assina uma medida provisória que ratifica os interesses dos banqueiros legitimando “pelas tangentes” a cobrança abusiva  e extorsiva destas instituições que além de cobrarem tais taxas, o fazem cobrando juros sobre juros. O cidadão consciente da dimensão de toda esta realidade ainda não pode estressar-se ou ficar doente, porque senão ele terá que fazer uso do seu plano de saúde e infelizmente, neste instante se inicia uma outra guerra de gigante contra formiguinhas. Afinal, saber de tudo isto pode fazer com que ele sinta-se paranóico, no sentido mais estrito e preciso do termo. Todavia, o que ocorre com grande parte dos cidadãos brasileiros é o que está acima indicado. E isto faz do cidadão, que trabalha e paga seus impostos (muitas vezes sem receber devidamente aquilo que também lhe é de direito por ser trabalhador e contribuinte honesto) um prisioneiro de uma criminalidade ao mesmo tempo difusa e muito bem estruturada, protegida de toda e qualquer possibilidade de repressão, pois o risco do cometimento do crime vale a pena, para estes que usurpam do cidadão comum centavo por centavo.
A criminalidade organizada é um não-geometral A inter-relação de todos estes problemas supra indicados não permite que o fenômeno do crime organizado seja compreendido como um geometral, no qual simplesmente se possa identificar uma interseção ordenada de planos. Não. A compreensão deste fenômeno talvez seja facilitada pela categoria, elaborada por Paul Veyne, de tramas. Tal categoria dá mais profundidade ao problema e denuncia sua complexidade, bem como fornece uma noção da dimensão e da profundidade do problema.


Capítulo Segundo


A Matriz histórico-genética da cultura ocidental: a noção de ORDEM e sua ruptura com o advento da Modernidade


Toda a cultura ocidental tem como sua matriz a tradição greco-romana. Da Grécia o Ocidente herdou a Filosofia e de Roma, o Ocidente herdou o Direito.
E o surgimento da reflexão sobre o Direito é concomitante ao nascimento mesmo da Filosofia, que nasce a partir do deslumbramento que o homem grego experiencia diante da regularidade da natureza, vem a ser, diante da regularidade da physis (fuvsi"- physis)[20]. A contemplação (qeoriva- teoria) da ordem (kovsmo"- cósmos) provocou o espanto e a admiração (qavlma - talma) nos gregos dos séculos VII e VI aC. E desta contemplação, surgiu o impulso para se elaborar um discurso que buscasse explicar radical e racionalmente toda a realidade através da pesquisa e da investigação dos princípios que regem toda esta realidade, como, por exemplo, a Água em Tales, o Ar em Anaxímenes, a Terra em Empédocles e o Fogo em Heráclito de Éfeso[21].
 Todas as civilizações perceberam a constância da natureza. Todos os povos mediterrâneos do século VI aC já têm conhecimentos e habilidades técnicas suficientes para dominarem a agricultura e a domesticação de vários tipos de animais. Muitos destes povos têm conhecimentos técnicos de natureza matemática e geométrica, além de possuírem técnicas para a mensuração  das suas terras e das suas propriedades. Também possuem conhecimentos astronômicos, que lhes permitem fazer previsões astrológicas que possam dar-lhes segurança nas guerras, nas batalhas e nas viagens (astrologia judiciária). Os mesmos povos também possuem, sem exceção, algum tipo de ordenamento jurídico, ainda que tal ordenamento possa estar profundamente ligado com a religião de suas comunidades e que portanto, constituam-se como ordenamentos e/ou comandamentos  jurídico-religiosos. Os povos todos desta época possuem mitologias,  artes culinárias, religiões, música, ritos, técnicas de caça, técnicas agrícolas e de mensuração.
Mas, apenas na Grécia ocorre o surgimento de um tipo de conhecimento chamado FILOSOFIA, surgido da mesma experiência de percepção da regularidade universal, mas com uma finalidade diferente. O homem grego, que começa a se perguntar sobre o ser das coisas, não está preocupado com a época certa e mais apropriada para se plantar esta ou aquela cultura vegetal, nem com a descoberta da melhor época para pescar de acordo com as fases da Lua ou conforme as estações do ano, etc...  O homem grego está pensando no seguinte: “Por que existe uma regularidade tal, no universo, que faz com que todas as coisas sejam subordinadas a esta ordem, ou a esta regularidade?” “Por que de uma determinada árvore sempre nasce o mesmo tipo de fruto?” ou ainda, “Por que em todos os triângulos existentes a soma dos seus ângulos internos resulta em 180º?” “Por que a Lua repete um ciclo a cada um mês?”, “Por que  uma reta que passe pelo centro de uma circunferência, fornece o diâmetro da mesma figura?” Porque a diagonal do quadrado é sempre o lado multiplicado pela raiz de dois (aÖ2)
Enfim, a pergunta decisiva para o homem da Hélade é a seguinte: qual a natureza da regularidade?
Ao perceber que o conjunto de todas as coisas que existem está organizado e está ordenado, o homem grego dará a este mesmo conjunto o nome de Cosmo. Cosmo, em grego, é sinônimo de ordem (Kovsmo" - cósmos). Ou seja,  este grande conjunto de tudo que existe é designado pelo grego com o nome mesmo de ORDEM. Portanto, o grego não só detectou a presença desta ordem no Cosmo[22]. Ele também fez desta ordem o objeto por excelência de sua reflexão.
Desta reflexão surge a chamada Filosofia (Filosofvia- philosophía), que tematiza a existência de uma ordem maiúscula que designa a Ordem, por excelência, de todas as coisas que existem. O grego tematiza e explicita racionalmente a existência de um macrocosmo e portanto de uma regularidade maior, eterna e divina, ingênita e incorruptível. Mas também existe uma ordem minúscula, uma regularidade menor e mais precária, se comparada com a ordem do universo, mas não por isso, menos importante para o ser humano: a ordem divina do macrocosmo existe no mundo humano, na sociedade, na cidade como reflexo, como Dikaión (Dikaiovn), vem a ser, como Direito.  Um dos exemplos mais conhecidos e clássicos deste tipo de compreensão do Direito encontra-se em Ulpiano, recolhido e citado pelo Digesto (Digesta - Pandhvkqai: Pandéktai ) de Justiniano:
"O Direito natural é o que a natureza ensina a todos os seres animados; com efeito, este Direito não é próprio do gênero humano, mas ele é comum a todos os seres animados que nascem sobre a terra, que estão no mar e também aos pássaros"[23].
Há, pois, uma ordem que rege e organiza o movimento dos astros celestes, mas também gere e dirige a vida dos vegetais e dos animais. E, para os gregos,  esta mesma ordem também orienta a vida da cidade e, portanto, a vida dos homens.
A exposição de todo este tema pode parecer num primeiro momento algo um tanto abstrato e distante, todavia, a apresentação sistemática deste modelo, tem como escopo indicar e explicitar qual é a matriz reguladora do ordenamento jurídico, social e político que organiza o ideário simbólico do homem ocidental enquanto homo politicus (zw'on politikon - zóon politikón).  Todas as noções políticas e jusfilosóficas fundantes da sociedade ocidental têm, não apenas os seus rudimentos, mas o delineamento completo, perfeito e mais bem acabado, na reflexão primigênia de homens que viveram há cerca de 2400/2500 anos atrás, a saber, Platão e Aristóteles, e que colocaram no centro de suas reflexões as noções de ordem, mediania, harmonia  e Justiça.
Como já foi dito,  este capítulo  visa unicamente aparelhar o leitor com o arcabouço conceitual originário da reflexão sobre a cultura ocidental para que esta mesma reflexão  sirva de fundamento não só para as teses de fundo deste artigo, mas também para iluminar[24] com mais profundidade  a questão do crime organizado cujas condições de possibilidade para a sua existência são mais de fundo culturalista do que jurídico-penal, afinal é uma reflexão desta natureza que poderá denunciar e indicar que a passagem daquele paradigma clássico acima apresentado, para o paradigma inaugurado com a Idade Moderna provocou a emergência de uma lógica hegemônica da satisfação das necessidades, do jogo de forças e do consumo, que por sua vez, gerou um espaço simbólico “sem referenciais axiológicos definidos”(EF III p.114). A saída do universo conceitual da classicidade pôs o homem no seio da chamada cultura pós-moderna, que por sua vez busca desconstruir os discursos que sejam portadores de sentido e eleva o niilismo ético à forma do “espírito do tempo”. Em vista disto  e de forma inexorável houve o surgimento de uma “ética hedonista na qual fins e meios se confundem, pois o prazer buscado como ‘meio’ para um prazer maior, é, também ele, um fim”( EF III p.115).
“Afinal, essa é a ética que corresponde melhor à gigantesca acumulação de objetos postos à disposição do homem da cultura moderna pela tecnociência, e que parece pôr igualmente a seu alcance a fruição de todos os prazeres”( EF III p.115).
Os poderosos vetores organizacionais da civilização ocidental são  de ordem material(EF III p.117). As forças materiais produzem meios e multiplicam objetos. No entanto estes vetores e estas forças não são “portadores de fins e valores, a não ser o fim de uma produção sem fim e o valor inscrito na destinação dos objetos produzidos”(EF III p.117).
"A dialética do produzir-usar é, na verdade, aquela que rege a corrente de fundo da cultura moderna. Assim a crise do nosso tempo apresenta essa feição paradoxal de ser uma crise em meio à abundância, ou ainda, de ser uma crise que tem talvez sua raiz mais profunda no aumento prodigioso da capacidade humana de produzir e no definhar, até o quase desaparecimento, da capacidade de contemplar. A absolutização da práxis, essa no seu conceito moderno, absorvendo a antiga distinção entre o fazer e o agir, é, sem dúvida, o núcleo dinâmico da cultura da modernidade. Ela encontrou sua expressão teórica nas filosofias do sujeito e sua legitimação ideológica na ética do individualismo, fazendo da história a obra por excelência do seu ilimitado poder de produzir e, ao mesmo tempo, a matriz de todos os seus valores e o campo sem fronteiras da sua ânsia de fruir.
“O advento da pós-modernidade dá-se exatamente no hiato imenso aberto entre práxis como chave de inteligibilidade de uma história que, neste século, ofereceu o espetáculo do desencadear-se das mais devastadoras formas de irracionalismo. Nosso século termina, pois, fazendo a experiência – uma experiência crítica no sentido literal do termo – de que nem a práxis histórica ou política, nem o retorno à Natureza, nem evidentemente, a anomia generalizada apresentam-se como aptas para resolver o problema dos fins da cultura: esse problema que afinal, envolve todos os outros problemas humanos, sendo uma interrogação em torno do próprio sentido da presença do homem na natureza"( EF III p. 118).
A partir desta exposição estritamente filosófica e com a posse dos elementos histórico-conceituais encontrados no seio mais íntimo e profundo da crise civilizatória que o planeta vive, é possível perceber o nascedouro da contradição supra anunciada: nesta sociedade que gerou-se e organizou-se a partir da idéia de Razão que consegue e pode detectar a ordem do universo, quando não, construí-la, EXISTE um paradoxo extremo e radical – a possibilidade do assimétrico, do desordenador, do desorganizador articular-se e alcançar níveis tais de complexificação e organização que muitas vezes não consegue ser atingido por certos Estados Nacionais.
A civilização ocidental, nascida da idéia greco-romana de Justiça e de Ordem conseguiu internacionalizar, ou ainda “multinacionalizar” o crime, o injusto, o excesso, a violência e permitir a penetração deste irracionalismo multicultural e planetário no interior mesmo dos grupos humanos cuja função, tarefa e missão é gerenciar, gerir, dirigir e organizar as nações, pois tal como já foi dito, é ínfima a quantidade de países nos quais os seus governantes não são anuentes aos mais variados tipos de crime organizado, quando não, participantes e sócios dos mega-negócios realizados pela chamada macro-delinqüência.


Capítulo Terceiro e Conclusão


A contradição:  o elemento desordenador ordenou-se!!

Seções deste capítulo: 1.A contradição; 2. O crime organizado e as  instituições democráticas. 3. A precariedade e a espetacularização da prática nacional e formas de ação

A CONTRADIÇÃO. – Para chegar ao termo deste trabalho é importante salientar que o primeiro passo deste trabalho consistiu em apresentar as características do crime organizado e sua inter-relação com outros problemas  de dimensões planetárias. O segundo passo consistiu em delinear o caráter originário e universalizante da primeira reflexão jurídica, mais propriamente, filosófica do Ocidente, que tinha seu centro de gravidade sobre a categoria de ORDEM. E tais passos foram dados com o escopo alcançar estofo e energia suficiente para dar um passo ulterior no qual se tentou  explicitar a profunda contradição de uma civilização nascida da contemplação da ordem e marcada pela repugnância do disforme, do assimétrico, do excesso, do irracionalismo e da violência, que permite a “organização do elemento gerador da desorganização”. A pergunta causadora da maior perplexidade possível é a seguinte: “Como o elemento desordenador da sociedade conseguiu ordenar-se?” A sociedade política nasce da exigência e do clamor pela isonomia e pela Diké (Dikhv - Justiça). Como pôde ocorrer a emergência organizada e ordenada, em dimensões planetárias, do adiké (adikhv - crime), do desordenado, do injusto, do criminoso?
Este capítulo apresentará o caráter  contraditório da presença generalizada do crime organizado no seio de uma civilização que nasceu, por um lado da contemplação da ordem e, por outro lado,  da repugnância de elementos assimétricos que indicassem qualquer dissonância na harmonia da ordenação geral do conjunto de todas as coisas.
É pois, naquele  mundo da Antiguidade Clássica, marcado indelevelmente pela possibilidade, ainda que remota, da generalização da desordem, que o homem luta e esforça-se para alcançar um certo grau de segurança para si e para a sua comunidade através da criação e da elaboração de dispositivos ordenadores ou ainda pré-ordenadores da vida social. E cuja função reveste-se das atribuições divinas, pois, a ordem e a organização não podem ser frutos do acaso. Para os antigos é certo, absolutamente certo, que a prerrogativa ordenadora dos ordenamentos jurídico tem seu sentido fundamentado e inscrito na própria natureza, no próprio cosmo, o qual por sua vez, sempre existiu, existe e existirá como ordem perfeita, eterna, ingênita e incorruptível.
É muito provável que os mitos e as histórias que tentam explicar a presença dos males e das mazelas humanas, tenham nascido exatamente da percepção de que o homem pode conhecer a ordem, e também o Bem. Entretanto, o homem faz e realiza o mal. Em vista disto, o ser humano sente-se portador de um déficit originário e radical que obstaculiza seu caminho em direção ao bem, e que o faz sentir-se menor  e  culpado,  o que em linguagem religiosa é traduzido pelo termo pecado original. No texto bíblico, mais precisamente na segunda descrição sobre a criação do homem, tem-se a narrativa de um ato de desobediência que consistiu basicamente na transgressão de um interdito cujo fim era impedir que o homem conhecesse o bem e o mal, ou ainda, que ele possuísse essa capacidade de distinguir o bem do mal.O homem percebe sua inserção num mundo regido por uma ordem maiúscula. E também percebe que a manutenção de sua vida, sua segurança, estabilidade em sua vida, só é possível, por causa desta primeira ordem de envergadura e amplitude cósmico-universais. Mas sua vida, também depende de um ordenamento menor, reflexo daquela ordem maior, e que seja o responsável para a manutenção da vida social, pois no espaço da vida humana é possível detectar uma certa ordem. Todavia tal regularidade é marcada por possíveis rupturas decorrentes de uma fissura, de uma cisão de uma fenda antropológica à qual o ser humano designou como sendo uma prerrogativa exclusiva do homem racional: a liberdade. O ser humano possui consciência das coisas. Ele é capaz de detectar a existência da alteridade. Ele percebe a intercorrência de um mundo autônomo, como um outro mundo, externo à sua interioridade. Mas o homem não é só esta sua consciência. Ele também é detentor de algo extremamente original no mundo do seres vivos. Ele é autoconsciente. A prerrogativa da consciência-de-si é uma prerrogativa humana.
E esta consciência-de-si dá ao homem a capacidade de perceber-se capaz de se autodeterminar, e ao perceber sua capacidade de autodeterminação, ele também percebe que pode errar. E ao detectar sua capacidade de errar, o homem  cria em seu íntimo a certeza de que tal fato decorre de um grave erro original, cometido por algum ancestral rústico, cuja estultícia teria sido a origem de todos os sofrimentos humanos. Esta experiência humana encontra-se registrada no seio das grandes civilizações e sua origem perde-se no tempo, juntamente com o surgimento das religiões. É então, em função de sua inteligência que o ser humano pré-determina regras que hão de se chamarem jurídicas, com o fim de manutenir a segurança, a paz e a estabilidade do meio em que vive.
Num momento muito preciso da evolução da civilização ocidental, a saber, no momento mesmo de sua própria origem, o ser humano compreende como sendo um ser pertencente à sua sociedade.  Percebeu também que sua humanidade vai ser medida pelo seu grau de inserção na mesma comunidade. E que a manutenção da comunidade é condição de possibilidade para a manutenção e a segurança mesmas da própria vida individual. Permitir pois, a desagregação da comunidade  é suicídio.
E esta percepção da Antiguidade Clássica é muito fecunda para o homem contemporâneo que se encontra à deriva de forças contraditórias e autodestrutivas que  paradoxalmente vêm se organizando e se complexificando, ameaçando portanto a vida de uma civilização que às portas do terceiro milênio vê-se perplexa diante de contradições geradas no interior de seu próprio seio.  Urge portanto, o esforço universal e hercúleo de manutenir a mesma ordem que gerou a civilização ocidental
Todavia, após toda esta análise de um paradigma ideal que serviu de parâmetro para analisar o caráter contraditório da presença de um elemento que alcançou uma certa grandeza, no interior de um corpo social que emergiu a partir da repulsa e da negação deste mesmo elemento, detecta-se a ocorrência, num certo momento histórico da inauguração de um novo modo de compreender a vida, a natureza, a razão e o próprio homem.
2. O crime organizado e as  instituições democráticas - A Razão hipotético-dedutiva, inaugurada com a modernidade, possibilitou à humanidade um avanço fantástico na área do conhecimento e no campo das possibilidades de intervenção na natureza. Todavia, a hipertrofia da razão instrumental gerou contradições gigantescas que ameaçam a própria civilização. E esta mesma razão não consegue resolver os problemas por ela criados. O homem criou uma pedra maior do que ele mesmo. Portanto, as saídas para o enfrentamento de todos os problemas que assolam o planeta devem ser estabelecidas como ações organizadas internacionalmente e que tenham como ideal regulador máximo a manutenção do equilíbrio social e do exercício da liberdade, vem a ser, a manutenção mesma da democracia, pois é bastante fácil perceber que a grandeza e a magnitude alcançadas pela criminalidade organizada, por um lado ameaça a solidez das instituições democráticas ocidentais, fragilizando-as, ao mesmo tempo em que é resultado de fissuras históricas no seio desta mesma civilização.
Os grandes analistas sugerem soluções de caráter totalitário, seja no âmbito jurídico-nacional, seja no âmbito jurídico internacional. Esta possibilidade, na verdade seria o fermento para novas formas de organizações criminosas. A saída democrática ainda parece ser a mais madura, ainda que mais demorada e difícil de ser conquistada e exercida.
“o crime organizado possui uma textura diversa: tem caráter transnacional na medida em que não respeita as fronteiras de cada país e apresenta características assemelhadas em várias nações; detém um imenso poder com base numa estratégia global e numa estrutura organizativa que lhe permite aproveitar as fraquezas estruturais do sistema penal; provoca danosidade social de alto vulto; tem grande força de expansão, compreendendo uma gama de condutas infracionais sem vítimas ou com vítimas difusas; dispõe de meios instrumentais de moderna tecnologia; apresenta um intrincado esquema de conexões com outros grupos delinqüenciais e uma rede subterrânea de ligações com quadros oficiais da vida social, econômica e política da comunidade; origina atos de extrema violência; exibe um poder de corrupção de difícil visibilidade; urde mil disfarces e simulações e, em resumo, é capaz de inerciar ou fragilizar os Poderes do próprio Estado”[25].
Considerando-se pois o poder do crime organizado e sua estruturação complexa urge que as tentativas de superação não sejam a da força x força, ou violência x violência. Pois estas possibilidades geram apenas espetáculos para serem assistidos na televisão e não gera um suporte simbólico capaz de extirpar o excesso e o crime do universo conceitual do homem hodierno
O que há de mais urgente é portanto, estabelecer bases sólidas e firmes do regime democrático fazendo com que o  Estado tenha sempre em vista a união das vontades particulares numa vontade universal.
"Se os indivíduos chegassem ao ponto de não ver no Estado a figura do bem universal, i.é, de retirar-lhe a sua confiança porque se põe a serviço dos interesses particulares, ele se destruiria a si mesmo. O fato de que o Estado não cesse de se referir ao bem comum, mesmo quando defende privilégios de classe, é um detrimento da vontade universal. E os homens não podem abandonar a idéia do bem sem se condenarem a si mesmos. Pois a eliminação do Estado significaria o retorno de cada vontade particular a seus próprios interesses, cujo resultado seria a anarquia e, em lugar de liberdade, imperaria o terror. Não há pois liberdade sem um Estado racional, i.é, que vise ao bem comum. [26]"
Corroborando pois, o que já foi dito logo acima, o crime organizado ameaça a solidez das sociedades democráticas a partir de dois aspectos bem distintos. Primeiro aspecto:  num primeiro momento, a sociedade democrática é ameaçada pela poderosa força persuasiva que as vantagens financeiras oriundas da criminalidade organizada possuem e pela sua capacidade de corromper os governantes, responsáveis pela tutela, pela organização e pela administração do Estado de Direito. Segundo aspecto: as tentativas de solução do problema através do estabelecimento de medidas penais excepcionais, ou ainda através do crescimento de medidas próprias de um Direito de exceção são sinais de um sistema democrático precário, quando não de um Estado de Direito totalitário e ditatorial, que na busca de garantir a estabilidade do sistema, está na  verdade impedindo o amadurecimento das instituições democráticas, que são tremendamente precárias se se pensar nas situações de países do terceiro mundo, tais como o Brasil.
3. A PRECARIEDADE E A ESPETACULARIZAÇÃO DA PRÁTICA NACIONAL E FORMAS DE AÇÃO. As ações assistidas no Brasil e que buscam desmantelar a criminalidade organizada tornam-se verdadeiros shows,  profundamente marcados pela espetacularização que os meios de comunicação social conseguem gerar em torno  ao acontecido, sem conseguir no entanto, mostrar a raiz do seu problema e suas causas e origens mais profundas. Todas as CPIs brasileiras, o Impeachement de Fernando Collor de Melo, as ameaças de Impeachment contra o Prefeito de São Paulo, as invasões do Exército Brasileiro nas favelas  do Rio de Janeiro são espetáculos no mais das vezes lúdicos, às vezes  radicais e eleitoreiros, mas sobretudo catárticos,  dirigidos, quando não produzidos pelos prestímanos “globais” que apenas iludem o cidadão médio e às vezes até mesmo o cidadão mais intelectualizado, que apesar de sua superioridade no confronto com o resto dos cidadãos, não consegue perceber a profundidade e a gravidade do problema do crime organizado e consegue deixar-se iludir pela persuasiva visão de que a solução para tais problemas está única e exclusivamente no uso da força. Quando na verdade, um esforço hercúleo que busque combater o problema do crime organizado deverá constituir-se sobretudo como uma tarefa multilateral e interdisciplinar marcada por um tipo de ação combinada e solidária de amplitude internacional e planetária.
Em segundo lugar é absolutamente necessária a formação de quadros de pessoal habilitado para pensar e refletir sobre as questões relativas ao problema aqui apresentado. É necessário que cientistas da comunicação, cientistas da computação, tecnólogos, juristas, criminalistas, diplomatas, especialistas em Sociologia, Filosofia, Direito Penal, Direito Ambiental, Direito Comercial,  em Direito Informático, Direito Autoral, Direito Internacional, Comércio Exterior etc, discutam as questões pertinentes e relativas à criminalidade organizada.
Esta medida  é duplamente importante, pois a partir dela serão abordadas tanto as questões relativas à PREVENÇÃO, como aquelas relativas à REPRESSÃO do CRIME ORGANIZADO. Trata-se pois de uma tarefa multidisciplinar e multifacetada para abordar um fenômeno intrinsecamente multifacetado e extremamente complexo de dimensões planetárias, pois tal fenômeno faz-se presente em todos os recônditos do planeta Terra.
Em terceiro lugar, é necessário que as instituições de fomento à pesquisa invistam em pessoal que possa investigar o problema a partir do maior número de perspectivas possíveis, seja do ponto de vista teórico, seja do ponto de vista tecnológico, criminológico, jurídico, democrático...
Em quarto lugar, é necessário considerar que a aplicação do Código Penal nunca dará conta de todos os casos possíveis presentes na realidade e a reflexão dos juristas, dos promotores, dos criminalistas por mais madura que seja, precisará de uma abordagem multidisciplinar.
Em quinto lugar, é necessário que estas reflexões de natureza jurídica sejam discutidas em conferências de alcance internacional e global, bem como no interior das questões pertinentes ao âmbito dos grandes blocos regionais de integração comercial, tais como o MERCOSUL  (no caso do Brasil) e nestas rodadas de negociações multilaterais, nas quais se encontram os membros do NAFTA, do Mercado Comum Europeu, da APEC, bem como deve estar na agenda das discussões dos grandes organismos internacionais, tais como a ONU, A OMC,  a UNESCO  etc. Afinal as práticas econômicas profundamente  avassaladoras e exploradoras do mercado financeiro, cujo fluxo de capitais, num vai e vem sem fim, visita alguns países,  estimulando por curtos espaços de tempo seus frágeis potenciais, para, em seguida, abandoná-los, deixando  atrás de  si um rastro de destruição econômica, desemprego, recessão e pobreza, só é possível, por um lado,  por causa da tecnologia supra apresentada que permite a realização de transações comerciais em tempo real e por outro lado pela falta de regulação da infovia, através da qual são facilitadas a entrada e a saída de  vultosas somas de valores que muitas vezes são procedentes do narcotráfico ou de qualquer outra forma de criminalidade organizada.
As possibilidades de ação acima sugeridas, caracterizam-se pelo exercício de um tipo de poder que é mais descendente do que ascendente. Ou seja, tais ações deverão ser realizadas pelos governantes e legisladores brasileiros, através de processos de discussão e legiferação que por mais profícuos que sejam, não serão nunca imediatos e rápidos.
Mas também é necessário que políticas públicas de natureza econômica e sócio-cultural apontem para uma melhoria da qualidade de vida do homem  e para a qualidade mesma do próprio homem. E para tanto só há um negócio  no qual se deva investir com a mais absoluta urgência, e com a mais infinita seriedade: a escola e a universidade brasileiras. Pois sem educação e  sem formação nunca haverá  novas gerações que possam desenvolver um arcabouço conceitual que possa servir de instância crítica ao irracionalismo ilustrado da pós-modernidade bem como ao totalitarismo tecnocrático desta civilização que se diz arauta da liberdade, mas que, no entanto, é verdadeiramente o algoz e o carrasco da Liberdade. Finalmente, com estas  pistas que sugerem  caminhos para uma abordagem  mais profunda  do problema,  talvez o olhar do homem deste novo milênio consiga dirigir-se para a experiência da classicidade antiga e encontrar um novo fôlego  para o futuro caminho da civilização da Razão e da Ordem.




[1] V.  O Estado de S. Paulo de 04.12.94, p. A22. Sobre as tríades chinesas, c. J. van SRATEN, “ Les triades chinoises”, p. 133  et seq.
[2] . E quanto a isto o autor crê ser suficiente o trabalho até então elaborado pelos operadores da área.
[3]. A rapidez e a eficácia da tecnologia, da internet, da tele-informática sofisticaram também a atividade criminosa e facilitaram o exercício da delinqüência através de um meio ainda pouco dominado pelo governos, sobretudo porque o aparato tecno-eletrônico-informático responsável pelo chamado fenômeno da cerebrização do planeta, através  da interconexão de redes de  informação, serve de suporte, sobretudo, para a facilitação da atividade financeira mundial; e não há nada mais fácil de se movimentar neste planeta do que o dinheiro. Afinal toda a ciência e todo o desenvolvimento tecnológico estão hoje a serviço do mercado.  Em outros termos, estão aí para  potencializar  a produção de bens e serviços, bem como para  dar escoamento e fluidez ao sistema financeiro internacional.
[4] . Sem contar os novos problemas surgidos da impossibilidade de se liminar os novos tipos de lixo oriundos das novas criações e invenções humanas, cuja vida média poderá ultrapassar a vida das próximas 10 ou 20  gerações humanas (lixo atômico, pilhas ou baterias de níquel, garrafas “pet”, plásticos, etc..) Ainda no interior desta problemática é curioso notar o seguinte paradoxo: o ser humano criou nos dois últimos séculos o conceito de limpeza e higiene como exigências e prerrogativas básicas da vida racional e saudável, entretanto estragou o planeta, contaminou e sujou seu ninho, seu habitat. Não existe mais a noção de “quintal do vizinho”. Colocar os detritos humanos em qualquer lugar do planeta, significa varrer a sujeira para “baixo do tapete”. Segundo J. RIFKIN, no início da era industrial, a cada década uma espécie animal desaparecia da face da Terra. Hoje, o planeta perde três espécies por hora. (RIFKIN, J. O Século da Biotecnologia, SP: Makron Books, 1999, p. 8).A partir da problemática ambiental o homem enfrenta concomitantemente três grandes crises:“A diminuição das reservas energéticas não renováveis, um perigoso acúmulo de gases que aquecem o planeta e um declínio contínuo da diversidade biológica” (RIFKIN, J. O Século da Biotecnologia, SP: Makron Books, 1999, p. 8.).
[5]. Desempregado é o sujeito que já trabalhou e está procurando emprego. Quem nunca trabalhou e procura emprego não é desempregado. Quem desistiu de procurar emprego também não é desempregado. Muitas vezes, as notícias veiculadas a respeito da diminuição do índice de desemprego, não explicam que tal diminuição ocorreu não pela criação de novos postos de trabalho, mas pela desistência de um certo contingente humano de procurar emprego.

[6] . E  para complexificar mais ainda a situação do cidadão brasileiro,veja-se toda esta crise do judiciário que só faz com que o cidadão se sinta mais e mais desprotegido e desacreditado no poder judiciário e nos seus auxiliares. Veja-se por exemplo a eloqüente descrição do editorial de  8 de julho de 1999, do jornal "O Estado de São Paulo", por ocasião da crise no sistema telefônico, a respeito do estado de ânimo do brasileiro: "A crise no sistema telefônico aprofundou no  brasileiro comum um estado de espírito do qual há muito não consegue livrar-se - um misto de indignação, perplexidade  e desalento diante das renitentes atribulações que atormentam seu cotidiano, para as quais de modo algum contribuiu, cujas causas apenas pode imaginar e cuja superação pouco tem a ver com o que faça ou deixe de fazer. Esse estado de espírito se condensa na convicção de estar à mercê de forças a um só tempo poderosas, incompetentes e. sobretudo, empenhadas em despojá-lo de seus reais, sob a forma seja de impostos, seja de tarifas. Pode ser um exagero, mas não é uma fantasia" Editoral - Ligações não completadas, p. A3. O brasileiro encontra-se sob o peso de uma "crescente massa de poderes enfeixados pelas grandes burocracias ou tecnocracias públicas e privadas, não raro em detrimento do exercício dos Direitos civis daqueles que em última análise as sustentam". E caso se sintam prejudicados por qualquer irresponsabilidade pública,  que tenha provocado um colapso de um serviço essencial público, os cidadãos são exortados, "com burocrática indiferença" a recorrer aos tribunais, "como se alguém desconhecesse o que tal iniciativa significa em nosso país”. CEeA, p.65.
[7]. COrg, p.74. Ver também Walter MAIEROVITCH,  F. “A ética judicial no trato funcional com as associações criminosas que seguem o modelo mafioso”’ in RT 694/445.
[8]. COrg. p.78 : Sabe-se, nos Estados Unidos, que o crime organizado surgiu para satisfazer os desejos a que os valores tradicionais americanos criavam obstáculos, porque foram considerados imorais (jogo, vício, bebida). Depois vieram os processos de corrupção e, por último, a ‘empresarialização’ (o crime organizado ganhou colorido empresarial, desenvolvendo-se em empresas ‘legais ou semilegais’).
[9] . O bem deve ser feito e o mal deve ser evitado.
[10] . Sem futuro e sem esperança. Mas com muito dinheiro.
[11] . CERVINI, Raúl. “Análise criminológica do fenômeno do delito organizado”, em Ciência e política criminal em honra de Heleno Fragoso, org. por J. M. de Araújo Júnior, RJ: Forense, 1992, p. 505. Há alguns meses começou a ser veiculada a notícia de que os líderes de organizações de narcotraficantes  nacionais estariam incentivando  o alistamento militar de jovens das favelas do Rio de Janeiro para que o Estado treinasse os jovens membros das “empresas” do crime organizado.
[12] . CERVINI, Raúl. “Análise criminológica do fenômeno do delito organizado”, em Ciência e política criminal em honra de Heleno Fragoso, org. por J. M. de Araújo Júnior, RJ: Forense, 1992, p. 505.
[13] . Pode-se aprofundar tal questão denunciando o sucateamento do ensino universitário e dos cursos de mestrado e doutorado das universidades federais brasileiras. Um jovem que queira dedicar-se a um projeto de pesquisa do tipo Iniciação Científica, receberá da FAPESP, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, uma bolsa de R$ 330,00, por 12 meses. No entanto ele precisa  dedicar-se integralmente à sua pesquisa, “não deve receber vencimentos ou salários profissionais, bolsas ou auxílios de outras entidades, bem como remuneração decorrente do exercício autônomo de profissão liberal”. Será permitido  receber uma mesada dos avós??!! O CNPq (Conselho Nacional de Pesquisa) paga aos seus mestrandos algo em torno R$700,00 ou R$ 800,00. E a CAPES (Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior) aos seus doutorandos algo em torno de R$ 1400,00. O sujeito estuda uma vida inteira, para receber como fomento à pesquisa quantias irrisórias, sob as condições de não poder, sequer, receber uma mesada!! Como formar intelectuais? Como formar cabeças pensantes? O jovem que  deixa de assistir Faustão no domingo, para ficar estudando, assim que puder tomará o primeiro avião para o exterior. Vale a pena estudar no Brasil? Veja-se o problema das faculdades de Direito brasileiras. Elas não têm nem mestres, nem doutores, pois os bacharéis mais aplicados querem ser juízes, promotores e procuradores. Há alunos que conseguem entrar numa faculdade sem ter lido um livro nos últimos cinco anos. Há alunos que terão terminado o 5º ano de seu curso tendo lido no máximo 3 ou 4 livros.
[14] . Além de toda a capacitação e estruturação tecnológica das organizações criminosas, que faz com que elas sejam estruturas moderníssimas é interessante notar que o perfil do narcotraficante, por exemplo, não corresponde mais ao retrato daquele senhor gordo, de chapéu grande, terno branco, cinto largo, pulsos cheio de correntes de ouro e com a camisa aberta. O perfil do criminoso é muito próximo do famoso yuppie. Terno ou costume, celular, carro importado, laptop ou notebook a tira-colo. Trato fino. Óculos,  roupas e perfume: Armani, Calvin Klein, Dolce  & Gabana ou Azzaro.
[15] . Os “objetos” comercializados pelas organizações criminosas são das mais variadas espécies: drogas, remédios, equipamentos eletrônicos, perfumes, animais silvestres, mulheres, crianças (para serem adotadas, para serem sodomizadas, para serem mortas), órgãos humanos, equipamentos bélicos, armas nucleares, roupas e tecidos de griffe. Mas um novo “objeto” estará entrando  na rede do comércio ilícito: os resultados das pesquisas da biotecnologia, cuja força irá compor o paradigma e a matrix  operacional deste século que se inicia. O século biotecnológico (como é designado por RIFKIN) será estruturado a partir dos sete grandes componentes abaixo indicados: 1. a capacidade de isolar, identificar e recombinar genes que disponibilizará o reservatório de genes como o recurso primário bruto para a futura atividade econômica. As técnicas de recombinação de DNA e outras biotecnologias permitirão aos cientistas, aos laboratórios e às empresas biotecnológicas a localização, manipulação e exploração de recursos genéticos para fins econômicos específicos. Veja-se, por exemplo, o caso da empresa Human Genom Ciencies que obteve a patente de um gene que codifica a proteína da superfície do linfócito (glóbulo branco). Após alguns anos, descobriu-se que essa proteína é a porta de entrada do HIV na célula. Com esta patente, qualquer cientista ou empresa que desenvolva uma droga contra a Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (SIDA – AIDS) baseada em inibir a entrada do HIV por essa porta será obrigada a pagar royalties à Human Genom Ciencies.  Pronto! Já há algo novo para ser contrabandeado e inserido no mercado negro da criminalidade organizada; 2.  a concessão de patentes de genes, linhas de células, tecido geneticamente desenvolvido, órgãos e organismos, bem como os processos usados para alterá-los, irá fornecer ao mercado um incentivo comercial para explorar os novos recursos. Mais um novo produto. Tecidos humanos alterados geneticamente. Que tal um ouvido mais bem afinado ou uma pele menos enrugada para o rosto de uma senhora de 65 anos; 3. a globalização do comércio irá possibilitar recenseamento completo da biosfera da Terra com uma Segunda Gênese realizada em laboratórios, uma natureza bioindustrial artificialmente desenhada para substituir o próprio procedimento da natureza. “Uma indústria global de ciência da vida já está começando a dominar uma força sem precedente que atua sobre os vastos recursos biológicos do planeta. Áreas de ciências da vida que vão da agricultura à medicina estão sendo consolidadas sob a proteção de gigantescas empresas da ‘vida’ nos mercados biotecnológicos emergentes. (RIFKIN, J. O Século da Biotecnologia, SP: Makron Books, 1999, p.10); 4. o mapeamento de aproximadamente do genoma humano, as descobertas sobre seleção genética, incluindo os chips de DNA, as novas terapias somática de genes e a engenharia genética de ovos humanos, esperma e células embrionárias, está preparando o terreno para uma enorme alteração da espécie humana e o nascimento de uma civilização comercialmente eugênica. Com um pouco de saliva, sangue ou raspas de pele o autor deste livro poderá ter em poucos minutos todo seu mapeamento genético. Caso ele descubra em si mesmo alguma qualidade bastante valiosa,  ele poderá patentear esta sua informação genética e vendê-la na internet; 5. a grande quantidade de estudos sobre a base genética do comportamento humano e a nova sociobiologia que favorece a natureza em relação à alimentação estão provendo um contexto cultural favorável a uma ampla aceitação de novas biotecnologias; 6. o computador está fornecendo a comunicação e a organização para se administrar a informação genética que compõe a economia biotecnológica. Pesquisadores estão usando a informática para decifrar, trocar, catalogar e organizar a informação genética, criando um novo estoque de capital genético para ser usado na era bioindustrial. A informática e a genética estão se fundindo numa nova e poderosa realidade tecnológica; 7. uma nova narrativa cosmológica sobre a evolução está começando a desafiar o refúgio neodarwinista com uma visão da natureza compatível com as intenções operacionais das novas tecnologias e da nova economia global. As novas idéias sobre natureza fornecem uma estrutura autêntica para o século biotecnológico, ao sugerir que o novo modo pelo qual estamos reorganizando nossa economia e sociedade são amplificações dos próprios princípios e práticas da natureza, portanto, justificáveis. Isto significa dizer que não há nada de artificial. Tudo é natural. Pois a criação humana é obra da própria natureza. Por exemplo, o controle de natalidade através de pílulas e outros métodos anti-concepcionais chamados não-naturais ou artificiais, em verdade, seriam naturais, pois são criações da natureza humana. E a intervenção do homem no processo de seleção natural através da biotecnologia não é outra coisa senão a própria natureza inventando e encontrando novas formas para continuar este processo de seleção NATURAL. A pergunta do  autor poderá ser apreendida como algo absurdo, mas a tecnologia da clonagem irá valorizar muita coisa que poderá vir a ser comercializada pelas organizações criminosas: Quanto não valerá um fio de cabelo da Cláudia Schiffer, da Naomi Campbel, do Harrison Ford ou do Robert Redford, da Xuxa, do Pelé, ou do Senna? Um homem rico que queira dar ao seu filho  um clone da Cláudia Schiffer  como presente de aniversário, poderá comprar o mapeamento genético da modelo e solicitar uma reprodução em laboratório. Espermas de boa qualidade poderão ser produzidos e  reproduzidos e até mesmo melhorados em laboratórios e depois vendidos. A maior criação humana é a sua própria perplexidade diante daquilo que criou: ele mesmo. Aquela máxima da lógica medieval que se constitui como um paradoxo – Deus pode criar uma pedra tão grande que ele mesmo não possa carregá-la? - aplica-se perfeitamente ao ser humano.
[16] . Nestes processos de reprodução assistida ocorre a provocação da ovulação. Muitos óvulos são produzidos e retirados da mulher para serem fecundados in vitro. Após a fecundação apenas alguns dos zigotos são implantados no útero para que haja a nidação e o conseqüente e esperado desenvolvimento do embrião humano. O que fazer com os embriões mantidos em freezers? E se o prazo de validade (5 anos) estiver por expirar? Por que não vendê-los para se fazer, a partir de suas células-troncos outros muitos órgãos necessários para a manutenção da vida de pessoas que aguardam  uma eternidade nestas filas de bancos de órgãos e cuja possibilidade de alcançar tal possibilidade é tão remota? O autor não está se posicionando a respeito do problema. Ele só está querendo indicar que a possibilidade de produção de órgãos a partir das células-troncos irá criar uma demanda e esta demanda certamente será suprida por um tipo de mercado clandestino. Ora, se já há organizações que possuem submarinos para movimentar seu negócio, montar pequenos laboratórios ou clínicas de fecundação in vitro não será nada difícil.
[17] . Veja-se por exemplo o caso veiculado pela mídia nacional a respeito da cabra que tem um gene de aranha costurado em seu genôma. Esta cabra irá produzir no seu leite a proteína através da qual se poderá sintetizar a teia de aranha, cuja resistência é dezenas de vezes maior que a do aço. Imaginar que a transcrição genotípica de uma cabra como esta possa ser comercializada de forma ilícita e irresponsável, traz à imaginação humana, já bastante fértil, um sem número de possibilidades de desequilíbrio do ecossistema. Afinal o que poderá nascer de um eventual cruzamento no qual esta cabra possa gerar outros filhotes com suas características? Este leite poderá ser bebido? E a carne destes animais? Qual será a repercussão disto em seres humanos? O homem resolve alguns problemas e cria outros.
[18] . VVAA. PENTEADO, J.C. (org) O Crime Organizado (Itália e Brasil) – A modernização da Lei Penal. SP, Ed. Revista dos Tribunais. Ver ARAÚJO JR., João Marcello, Os crimes contra a ordem econômica no esboço da nova parte especial do Código Penal de 1994 (Características gerais), pp. 219 ss.
[19] . O homem é o lobo do homem.
[20]. fuvsi", ew" s.f. (fuvw) || natureza ou maneira de se de uma coisa ||  forma do corpo, natureza da alma || disposição natural, condição natural || força produtora || substância das coisas || ser animado. DGP - Neste texto serão encontradas algumas palavras em grego. As únicas que terão sua significação retirada do dicionário e aqui apresentada serão aquelas que aparecerem pela primeira vez. As repetições estarão transcritas no grego que utiliza o alfabeto latino, com a sua redação no alfabeto grego colocada entre parênteses.
[21] . REALE, G. História da Filosofia Antiga, vol. 1, SP: Loyola, 1994
[22] . Dizer que o grego percebeu a ordem no cosmo, significa dizer que ele descobriu a ordem na ordem, o que pareceria uma tautologia. Precisamente falando, o grego deu ao conjunto de todas as coisas que existem o nome  de ORDEM, pois, para ele este conjunto de todas as coisas era muito bem ajustado, muito preciso, em suma muito bem ordenado.
[23] . JAEGER, H. Les fondements du droit, in Encyclopédie Philosophique Universelle, L'Univers Philosophique, p.180. "Le droit naturel, c'est ce que la nature a appris à tous les êtres animés ; en effet, ce droit n'est pas propre au genre humain, mais il est commun à tous les être animés qui naissent sur terre, et dans la mer, et aussi aux oiseaux".
[24] . “...lo que brilha com luz propia nadie lo puede apagar. Su brilho puede alcanzar, la oscuridad de otras costas”. Pablo Milanes e Chico Buarque, “Canción por la unidad de latino america”.
[25] No Boletim IBCCrim n. 21, Extra, p. 5.
[26] . HERRERO, X. Socialidade Humana e Democracia, in SNF, n. 55. p.619-641.