Alguns dias atrás, eu estava num consultório médico, fazendo um check-up e eu ouvi a seguinte conversa entre dois
jovens adultos na faixa dos 30 anos, que estavam sentados nas cadeiras ao lado:
- - Eu queria mesmo era que os militares voltassem
ao poder.
- - Mas isto não vai acontecer porque os generais
são escolhidos pelo próprio presidente.
De repente fui invadido por uma tristeza profunda. Eu só me
lembro disso. Eu fiz questão de aumentar o som da música que estava ouvindo
porque tal como aconteceu com o Miguilim, quando descobriu o caso que sua mãe
tinha com seu tio, eu “entendi tudo tão rápido que custei a entender”. E
mentalmente eu parafrasei as palavras de Jesus:
“Pai, perdoa-lhes pois eles não sabem o que dizem, eles não sabem o que
fazem. E por favor, não deixe minha pressão arterial aumentar! Se não o Dr. Cardiologista vai aumentar minha dose de losartana".
Pensei comigo: "de onde essas criaturas tiraram que é atribuição das Forças
Armadas governar um país?" E quase fiz essa pergunta em voz alta para que um dos dois me respondessem.
Mas eu não queria prejudicar meu exame do coração. Então fiquei quieto, conversando com meus próprios pensamentos e imaginando o que eu deveria falar para aqueles dois... "Senhores, quem deve governar qualquer país são os próprios
cidadãos CIVIS eleitos para esse fim. As Forças Armadas existem para proteger o
país em graves situações de ameaça à soberania e à integridade da Nação. Só
para ilustrar com muita simplicidade, quero utilizar um exemplo grosseiro. Em
todos os filmes americanos e de aventura que já vimos e nos quais os militares
estão doidinhos para começar uma guerra contra alienígenas ou não, o comando, a
decisão para se iniciar o ataque sempre vem de um CIVIL, sempre vem do
Presidente. É sempre ele quem ordena o ataque ou a suspensão de um ataque. Aqui no Brasil é parecido".
E eu acho que só de ficar pensando nisso minha pressão aumentou de verdade.
Entrei meio tenso no consultório do cardiologista. Ele perguntou se estava tudo bem. E eu disse que estava, afinal a Dilma tinha ganhado as eleições. E na hora eu percebi que o médico não gostou do meu comentário. E eu também percebi que eu não tinha nada que ter falado aquilo. Eu só falei porque eu estava incomodado com aqueles dois que estavam sentados na sala de espera. Na verdade, minha resposta foi uma espécie de desabafo.
Enquanto o doutor media minha pressão eu fiquei pensando naquelas manifestações de ultra-direita em SP. E como vivo no interior do Estado de São Paulo, eu só
fiquei sabendo das manifestações que ocorreram na capital acompanhando as
notícias pela internet. Todavia, bem ali
ao lado havia dois sujeitos que poderiam muito bem estar frequentando
alguma das manifestações da reacionárias pedindo pelo impeachment da
Presidente Dilma. E tal como eu disse, eu
consegui entender exatamente o que se passava na cabeça dos dois interlocutores
que defendiam a volta de algo que eles jamais conheceram. Mas falar sobre isto
para tentar mudar sua forma de pensar seria absolutamente inócuo.
Em poucos segundos muitas coisas se passaram pela minha
cabeça: lembrei-me da primeira vez que fui apresentado aos conceitos de
banalidade do mal e vazio de pensamento, quando ainda fazia o mestrado na UFMG
e uma das colegas fez a apresentação da sua pesquisa sobre esses dois temas em Hannah Arendt, lembrei-me do livro “Eichmann
em Jerusalém” da Hannah Arendt que eu comecei a ler alguns meses atrás e ainda não
terminei, lembrei-me dos seus conceitos principais sobre a banalidade do mal e
sobre a incapacidade de pensar.
Lembrei-me do recente filme que tratava exatamente sobre a redação e a repercussão deste livro.
Lembrei-me de todos os 4 filmes que tenho sobre a prisão de Eichman e sobre o seu julgamento: The Man Who Captured Eichmann (do livro Eichmann in my Hands, transmitido no Brasil com o título Eichmann em minhas mãos), Caçada ao Carrasco Nazista, Operação Eichmann e A Solução Final (2012).
Mas pensei sobretudo e quase que imediatamente nos meus filhos. Do fundo, do meu coração eu não gostaria que
meus filhos repetissem aquelas palavras sobre o retorno dos militares, não gostaria que eles tivessem saudade do que não viram e do que não conhecem. Não gostaria que de suas bocas, pudessem sair tamanhas blasfêmias, tamanhas futilidades.
Mas como fazer para que meus filhos compreendam o que foi
aquele momento histórico da ditadura militar vivido aqui no Brasil? Afinal pelo
que acabei de ouvir da boca de dois jovens adultos, com formação universitária,
a escola não foi suficiente para incutir na mente desses jovens adultos o quão
terrível é viver sob um regime ditatorial e totalitário.
Pois bem, o que fazer com meus filhos?
De repente o Dr diz: Seu Rubens, está tudo em ordem. A pressão está normal, os exames estão em ordem. Mas o sr ainda precisa perder uns quilinhos... aquela velha história... blá, blá, blá. E os seus filhos como estão? Estão bem? E o garoto nadou aquela prova de 24 km?
Aí perguntei para ele: "Como o senhor sabe que ele nadou a prova 14 bis?"
- Ora, o Sr. trouxe o menino aqui alguns meses antes da prova, não se lembra?
- É mesmo Dr. Eu tinha me esquecido. A prova foi sábado passado. O garoto terminou bem, acabou em quinto lugar na categoria dele.
- O Sr. tem que seguir o exemplo do seu filho. Fazer tanto exercício quanto ele faz. Aí essa protuberância do senhor desaparece. Mas o senhor parece meio distraído. O senhor está bem mesmo? O senhor parece meio tenso.
- Está tudo bem. É que antes de entrar no consultório eu ouvi seus próximos pacientes conversando sobre o desejo do retorno dos militares ao governo do Brasil. Fiquei meio indignado com isso e comecei a divagar e a pensar o que fazer para que meus filhos não pensem dessa mesma forma.
- O que vc vai fazer para os seus filhos não ficarem assim eu não sei sr. Rubens. Mas eu vou te falar uma coisa: o desafio é grande, sobretudo para quem mora em São Paulo. Afinal, eu não sei como é que a população de São Paulo, o Estado mais rico do país, o estado com maior índice de escolaridade, consegue reeleger um governador que deixou toda a região da capital sem água. Poxa vida, o governador foi meu colega, estudamos medicina juntos, só que ele se especializou em anestesiologia e eu em cardiologia. E os paulistas e paulistanos, ao mesmo tempo que reelegem este mesmo governador pela quarta vez, reelege o Tiririca pela segunda vez e fica gritando pelas ruas que quer mudança.
- De fato doutor, o paulista quer mudança, mas faz o PSDB ir para o seu sétimo mandato consecutivo. Aqui em Taubaté é o oitavo mandato consecutivo. O Tiririca vai para o segundo mandato consecutivo. E depois vem falar que quer mudança.
- O paulistano é engraçado... fica falando mal do Nordestino, mas escolheu um cearense para representá-lo na Câmara dos Deputados, em Brasília, não é mesmo? Em 2010 o Tiririca foi o deputado mais votado do Brasil. E neste ano ele teve mais de um milhão de votos. Os paulistas votam num candidato que, por profissão é um palhaço, e depois ficam fazendo essas palhaçadas na Av. Paulista, seguindo um cantor que já cumpriu pena, foi do Comando Vermelho, drogatício, que disse que iria para Miami e não foi e cujos pais se suicidaram por causa da sua conduta.
- Pois é. Os paulistas não levam a eleição a sério, fazem a palhaçada de eleger um palhaço, e depois querem discutir os resultados da eleição!! De fato os paulistas são muito engraçados.
- Reclamam dos Nordestinos, mas elegem um palhaço cearense com mais de um milhão de votos, fazendo com que a sua legenda carregue vários outros candidatos sem representatividade alguma. Mas vc disse que não sabia o que fazer com seus filhos, pois eu acho que eu sei. Basta vaciná-los.
- Qual a vacina doutor? Existe vacina para isso?
- Existe sim, seu Rubens. Na verdade são duas: LEITURA E MUITA CONVERSA.
....
Esta foi a parte central da minha conversa com o meu médico cardiologista. E esta conversa apenas ratificou aquilo que eu estava pensando sobre a incapacidade de pensar da ultra-direita reacionária paulista e paulistana. E também me ajudou a perceber que meus filhos já tinham tomado várias doses das vacinas por ele indicadas. Mas eu queria ser mais exato e preciso na minha conduta e de repente percebi que devo fazer o que
sempre fiz: conversar sobre o assunto e assistir a filmes que tratem deste ou daquele assunto,
junto com eles e explicar-lhes os filmes, o seu contexto, os fatos históricos
etc.
Felizmente meus filhos conseguiram adquirir dois bons
hábitos: ler livros ou revistas e assistir filmes.
A leitura é um ato sempre
solitário. Mas eu consigo explorar a leitura deles perguntando o que leram, o
que acharam, em que ponto eles estão desse ou daquele livro, se já acabaram de
ler o livro iniciado, quanto falta para acabar, ou ainda porque interromperam a
leitura desse ou daquele livro. Na “mesa”
da sala (feita com 2 paletes e rodinhas de silicone) ficam vários livros
expostos, enfiados nas frestas dos paletes justamente para que fiquem ao seu
alcance.
Na mesma mesa ficam a Carta Capital e o Le Diplomatique Brasil. E
adoro ouvir minha menina de 11 anos perguntando: “Pai já chegou a Carta
Capital?” Ou mesmo quando procuro uma das revistas e encontro qualquer uma delas
jogada em cima da cama do garoto de 14 anos. Ao alcance das crianças estão
essas duas revistas e tantos outros livros como
a coleção inteira em inglês e português do Calvin e Haroldo e vários
outros quadrinhos, os livros bilíngues (em inglês e grego) de todos os
matemáticos gregos da antiguidade (isto porque o garoto também gosta de
matemática). Além é claro dos outros 3 mil
livros espalhados pela casa. O que enfeita minha casa são os livros.
E justamente porque eu também assisto muitos filmes, eles
acabaram adquirindo o mesmo hábito.
Cada um deles assiste suas séries
preferidas, contam-me o que aconteceu, ou às vezes assistimos juntos alguns
episódios das séries que o outro assiste. Ela assiste ONCE UPON A TIME. Ele assiste PERSON OF INTEREST, entre outras. Eu
e o Lucas assistimos juntos HOUSE OF CARDS. Eu estou assistindo novamente BOSTON LEGAL. E às vezes conversamos
sobre o que estamos assistindo, um conta para o outro e assim revivo com meus
filhos o tempo em que eu dava aula e ensinava tantos outros jovens.
Televisão? A última vez que ligamos o televisor para ver qualquer coisa oferecida pela TV
aberta ou pela TV por assinatura foi na Copa. Estou até pensando em cancelar a
SKY, pois estou pagando sem usar. Mas filmes e seriados nós assistimos bem
mais.
Portanto decidi que vou escolher alguns filmes que tratam sobre
a época da ditadura militar, para assistir junto com eles e para que assim eles consigam saber o que aconteceu. Para que
eles não saiam por aí repetindo essas bobagens que Lobão, Roger, Constantino,
Azevedo, as sumidades do Manhatan Connexion e outros nulidades intelectuais
estão berrando por aí.
O que também me deixa impressionado e chocado é ver um cara
como o Lobão bancando uma espécie de líder político, herói da cidadania e da
ética. Eu nem quero citar aqui o que pode ser encontrado em toda a internet
sobre a vida familiar desse sujeito, seu tempo na prisão, as consequências de
sua conduta para a vida do seu pai e de sua mãe (ambos suicidas) porque seria deprimente e pura perda de tempo.
Mas para quem não sabe nada, qualquer busca superficial já vai falar muito
sobre o oportunismo desse tipo de “líder” que está colocando gasolina nessa
fogueira. Aliás, tenho quase certeza que esse cara vai ser candidato a deputado federal nas próximas eleições de 2018. Em São Paulo ele será eleito.
De qualquer forma, decididamente eu não creio que seja possível convencer essas
pessoas, de forma argumentativa, que essa conduta anti-democrática é perigosa e
em tudo muito parecida com a atitude daquelas pessoas que seguiram o Sr. Adolf
Hitler e perpetraram todas aquelas atrocidades que infelizmente aconteceram há
um tempo não muito distante de nós, o que para mim, torna, sim, possível uma
repetição de tudo aquilo, pois afinal, de lá para cá se passaram apenas algumas décadas. E do ponto
de vista da história e da evolução das civilizações, seis ou sete décadas podem não significar quase nada além de um
simples átimo, além de um brevíssimo intervalo de tempo.
Afinal como explicar alguma coisa para quem padece da “incapacidade
de pensar” apresentada pela Hannah Arendt? Como fomentar a empatia e defender
os direitos humanos para quem a prática da agressão e do mal é algo banal? NÃO
SEI! JURO QUE NÃO SEI. Dando cursos de empatia, de direitos humanos, de filosofia, de rudimentos de direito e política? Não sei.
Mesmo porque, por mais que eu explique aqui o que é
incapacidade de pensar, mesmo que eu explique o conceito de banalidade do mal
expostos no livro EICHMANN EM JERUSALÉM da Hannah Arendt, tais explicações só
vão atingir aqueles que já estão sensibilizados e atemorizados com essa reação
de ultra-direita, com matizes nazi-fascistas.
Escrevo porque a esperança é a última que morre.
Mas escrevo, também porque ao menos meus filhos saberão do
que estão falando, não obstante sejam as únicas “ovelhas vermelhas” das suas salas
na escola, afinal Taubaté é um celeiro
eleitoral do PSDB, sobretudo porque
é próxima à cidade de Pindamonhangaba
(terra natal do Alckmin).
É isso mesmo. Vou começar com meus filhos. Na verdade, isso
já está começado. Só quero me assegurar de vaciná-los contra as categorias
arendtianas da incapacidade de pensar e da banalidade do mal. Vou seguir a orientação do médico e acrescentar um reforço. Vou vaciná-los com 3 doses: leitura, FILMES e muita conversa.