quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Campanha de Vacinação em três doses: LEITURA, FILMES E MUITA CONVERSA.


Alguns dias atrás, eu estava num consultório médico, fazendo um check-up e eu ouvi a seguinte conversa entre dois jovens adultos na faixa dos 30 anos, que estavam sentados nas cadeiras ao lado:

-         -  Eu queria mesmo era que os militares voltassem ao poder.
-         -  Mas isto não vai acontecer porque os generais são escolhidos pelo próprio presidente. 

De repente fui invadido por uma tristeza profunda. Eu só me lembro disso. Eu fiz questão de aumentar o som da música que estava ouvindo porque tal como aconteceu com o Miguilim, quando descobriu o caso que sua mãe tinha com seu tio, eu “entendi tudo tão rápido que custei a entender”. E mentalmente eu parafrasei as palavras de Jesus:  “Pai, perdoa-lhes pois eles não sabem o que dizem, eles não sabem o que fazem. E por favor, não deixe minha pressão arterial aumentar! Se não o Dr. Cardiologista vai aumentar minha dose de losartana". 

Pensei comigo: "de onde essas criaturas tiraram que é atribuição das Forças Armadas governar um país?" E quase fiz essa pergunta em voz alta para que um dos dois me respondessem.

Mas eu não queria prejudicar meu exame do coração. Então fiquei quieto, conversando com meus próprios pensamentos e imaginando o que eu deveria falar para aqueles dois... "Senhores, quem deve governar qualquer país são os próprios cidadãos CIVIS eleitos para esse fim. As Forças Armadas existem para proteger o país em graves situações de ameaça à soberania e à integridade da Nação. Só para ilustrar com muita simplicidade, quero utilizar um exemplo grosseiro. Em todos os filmes americanos e de aventura que já vimos e nos quais os militares estão doidinhos para começar uma guerra contra alienígenas ou não, o comando, a decisão para se iniciar o ataque sempre vem de um CIVIL, sempre vem do Presidente. É sempre ele quem ordena o ataque ou a suspensão de um ataque. Aqui no Brasil é parecido". 

E eu acho que só de ficar pensando nisso minha pressão aumentou de verdade.
Entrei meio tenso no consultório do cardiologista. Ele perguntou se estava tudo bem. E eu disse que estava, afinal a Dilma tinha ganhado as eleições. E na hora eu percebi que o médico não gostou do meu comentário. E eu também percebi que eu não tinha nada que ter falado aquilo. Eu só falei porque eu estava incomodado com aqueles dois que estavam sentados na sala de espera. Na verdade, minha resposta foi uma espécie de desabafo.

Enquanto o doutor media minha  pressão eu fiquei pensando naquelas manifestações de ultra-direita em SP. E como vivo no interior do Estado de São Paulo, eu só fiquei sabendo das manifestações que ocorreram na capital acompanhando as notícias pela internet. Todavia, bem ali  ao lado havia dois sujeitos que poderiam muito bem estar frequentando alguma das manifestações da reacionárias  pedindo pelo impeachment da Presidente Dilma.  E tal como eu disse, eu consegui entender exatamente o que se passava na cabeça dos dois interlocutores que defendiam a volta de algo que eles jamais conheceram. Mas falar sobre isto para tentar mudar sua forma de pensar seria absolutamente inócuo.

Em poucos segundos muitas coisas se passaram pela minha cabeça: lembrei-me da primeira vez que fui apresentado aos conceitos de banalidade do mal e vazio de pensamento, quando ainda fazia o mestrado na UFMG e uma das colegas fez a apresentação da sua pesquisa sobre esses dois temas em Hannah Arendt, lembrei-me do livro “Eichmann em Jerusalém” da Hannah Arendt que eu comecei a ler alguns meses atrás e ainda não terminei, lembrei-me dos seus conceitos principais sobre a banalidade do mal e sobre a incapacidade de pensar. 

Lembrei-me do  recente filme que tratava exatamente sobre a redação e a repercussão deste livro. 

Lembrei-me de todos os 4 filmes que tenho sobre a prisão de Eichman e sobre o seu julgamento: The Man Who Captured Eichmann (do livro Eichmann in my Hands, transmitido no Brasil com o título Eichmann em minhas mãos), Caçada ao Carrasco Nazista, Operação Eichmann e A Solução Final (2012).




Mas pensei sobretudo e quase que imediatamente nos meus filhos.  Do fundo, do meu coração eu não gostaria que meus filhos repetissem aquelas palavras sobre o retorno dos militares, não gostaria que eles tivessem saudade do que não viram e do que não conhecem. Não gostaria que de suas bocas, pudessem sair tamanhas blasfêmias, tamanhas futilidades.

Mas como fazer para que meus filhos compreendam o que foi aquele momento histórico da ditadura militar vivido aqui no Brasil? Afinal pelo que acabei de ouvir da boca de dois jovens adultos, com formação universitária, a escola não foi suficiente para incutir na mente desses jovens adultos o quão terrível é viver sob um regime ditatorial e totalitário.

Pois bem, o que fazer com meus filhos?

De repente o Dr diz: Seu Rubens, está tudo em ordem. A pressão está normal, os exames estão em ordem. Mas o sr ainda precisa perder uns quilinhos... aquela velha história... blá, blá, blá. E os seus filhos como estão? Estão bem? E o garoto nadou aquela prova de 24 km? 

Aí  perguntei para ele: "Como o senhor sabe que ele nadou a prova 14 bis?"

- Ora, o Sr. trouxe o menino aqui alguns meses antes da prova, não se lembra?

- É mesmo Dr. Eu tinha me esquecido. A prova foi sábado passado. O garoto terminou bem, acabou em quinto lugar na categoria dele.

- O Sr. tem que seguir o exemplo do seu filho. Fazer tanto exercício quanto ele faz. Aí essa protuberância do senhor desaparece. Mas o senhor parece meio distraído. O senhor está bem mesmo? O senhor parece meio tenso.

- Está tudo bem. É que antes de entrar no consultório eu ouvi seus próximos pacientes conversando sobre o desejo do retorno dos militares ao governo do Brasil. Fiquei meio indignado com isso e comecei  a divagar e a pensar o que fazer para que meus filhos não pensem dessa mesma forma. 

- O que vc vai fazer para os seus filhos não ficarem assim eu não sei sr. Rubens. Mas eu vou te falar uma coisa: o desafio é grande, sobretudo para quem mora em São Paulo. Afinal, eu não sei como é que a população de São Paulo, o Estado mais rico do país, o estado com maior índice de escolaridade, consegue reeleger um governador que deixou toda a região da capital sem água. Poxa vida, o governador foi meu colega, estudamos medicina juntos, só que ele se especializou em anestesiologia e eu em cardiologia.  E os paulistas e paulistanos, ao mesmo tempo que reelegem este mesmo governador pela quarta vez,  reelege o Tiririca pela segunda vez e fica gritando pelas ruas que quer mudança.

- De fato doutor, o paulista quer mudança, mas faz o PSDB ir para o seu sétimo mandato consecutivo. Aqui em Taubaté é o oitavo mandato consecutivo. O Tiririca vai para o segundo mandato consecutivo. E depois vem falar que quer mudança.

- O paulistano é engraçado... fica falando mal do Nordestino, mas escolheu um cearense para representá-lo na Câmara dos Deputados, em Brasília, não é mesmo? Em 2010 o Tiririca foi o deputado mais votado do Brasil. E neste ano ele teve mais de  um milhão de votos. Os paulistas votam num candidato que, por profissão é um palhaço, e depois ficam fazendo essas palhaçadas na Av. Paulista, seguindo um cantor que já cumpriu pena, foi do Comando Vermelho, drogatício, que disse que iria para Miami e não foi e cujos pais se suicidaram por causa da sua conduta.

- Pois é. Os paulistas não levam a eleição a sério, fazem a palhaçada de eleger um palhaço, e depois querem discutir os resultados da eleição!! De fato os paulistas são muito engraçados.

- Reclamam dos Nordestinos, mas elegem um palhaço cearense com mais de um milhão de votos, fazendo com que a sua legenda carregue vários outros candidatos sem representatividade alguma. Mas vc disse que não sabia o que fazer com seus filhos, pois eu acho que eu sei. Basta vaciná-los.

- Qual a vacina doutor? Existe vacina para isso?

- Existe sim, seu Rubens. Na verdade são duas: LEITURA E MUITA CONVERSA.

....


Esta foi  a parte central da minha conversa com o meu médico cardiologista. E esta conversa apenas ratificou aquilo que eu estava pensando sobre a incapacidade de pensar da ultra-direita reacionária paulista e paulistana. E também me ajudou a perceber que meus filhos já tinham tomado várias doses das vacinas por ele indicadas. Mas eu queria ser mais exato e preciso na minha conduta e de repente percebi que  devo fazer o que sempre fiz: conversar sobre o assunto e assistir a  filmes que tratem deste ou daquele assunto, junto com eles e explicar-lhes os filmes, o seu contexto, os fatos históricos etc. 

Felizmente meus filhos conseguiram adquirir dois bons hábitos: ler livros ou revistas e assistir filmes. 

A leitura é um ato sempre solitário. Mas eu consigo explorar a leitura deles perguntando o que leram, o que acharam, em que ponto eles estão desse ou daquele livro, se já acabaram de ler o livro iniciado, quanto falta para acabar, ou ainda porque interromperam a leitura desse ou daquele livro.  Na “mesa” da sala (feita com 2 paletes e rodinhas de silicone) ficam vários livros expostos, enfiados nas frestas dos paletes justamente para que fiquem ao seu alcance. 



Na mesma mesa ficam a Carta Capital e o Le Diplomatique Brasil. E adoro ouvir minha menina de 11 anos perguntando: “Pai já chegou a Carta Capital?” Ou mesmo quando procuro uma das revistas e encontro qualquer uma delas jogada em cima da cama do garoto de 14 anos. Ao alcance das crianças estão essas duas revistas e tantos outros livros como  a coleção inteira em inglês e português do Calvin e Haroldo e vários outros quadrinhos, os livros bilíngues (em inglês e grego) de todos os matemáticos gregos da antiguidade (isto porque o garoto também gosta de matemática).  Além é claro dos outros 3 mil livros espalhados pela casa. O que enfeita minha casa são os livros.


E justamente porque eu também assisto muitos filmes, eles acabaram adquirindo o mesmo hábito. 

Cada um deles assiste suas séries preferidas, contam-me o que aconteceu, ou às vezes assistimos juntos alguns episódios das séries que o outro assiste.  Ela assiste ONCE UPON A TIME. Ele assiste PERSON OF INTEREST, entre outras. Eu e o Lucas assistimos juntos HOUSE OF CARDS. Eu estou assistindo novamente BOSTON LEGAL. E às vezes conversamos sobre o que estamos assistindo, um conta para o outro e assim revivo com meus filhos o tempo em que eu dava aula e ensinava tantos outros jovens.

Televisão? A última vez que ligamos o televisor  para ver qualquer coisa oferecida pela TV aberta ou pela TV por assinatura foi na Copa. Estou até pensando em cancelar a SKY, pois estou pagando sem usar. Mas filmes e seriados nós assistimos bem mais.

Portanto decidi que vou escolher alguns filmes que tratam sobre a época da ditadura militar, para assistir junto com eles e para que assim  eles consigam saber o que aconteceu. Para que eles não saiam por aí repetindo essas bobagens que Lobão, Roger, Constantino, Azevedo, as sumidades do Manhatan Connexion e outros nulidades intelectuais estão berrando por aí.

O que também me deixa impressionado e chocado é ver um cara como o Lobão bancando uma espécie de líder político, herói da cidadania e da ética. Eu nem quero citar aqui o que pode ser encontrado em toda a internet sobre a vida familiar desse sujeito, seu tempo na prisão, as consequências de sua conduta para a vida do seu pai e de sua mãe (ambos suicidas)  porque seria deprimente e pura perda de tempo. Mas para quem não sabe nada, qualquer busca superficial já vai falar muito sobre o oportunismo desse tipo de “líder” que está colocando gasolina nessa fogueira. Aliás, tenho quase certeza que esse cara vai ser candidato a deputado federal nas próximas eleições de 2018. Em São Paulo ele será eleito.

De qualquer forma, decididamente eu não creio que seja possível convencer essas pessoas, de forma argumentativa, que essa conduta anti-democrática é perigosa e em tudo muito parecida com a atitude daquelas pessoas que seguiram o Sr. Adolf Hitler e perpetraram todas aquelas atrocidades que infelizmente aconteceram há um tempo não muito distante de nós, o que para mim, torna, sim, possível uma repetição de tudo aquilo, pois afinal, de lá para cá  se passaram apenas algumas décadas. E do ponto de vista da história e da evolução das civilizações, seis ou sete décadas  podem não significar quase nada além de um simples átimo, além de um brevíssimo intervalo de tempo.

Afinal como explicar alguma coisa para quem padece da “incapacidade de pensar” apresentada pela Hannah Arendt? Como fomentar a empatia e defender os direitos humanos para quem a prática da agressão e do mal é algo banal? NÃO SEI! JURO QUE NÃO SEI. Dando cursos de empatia, de direitos humanos, de filosofia, de rudimentos de direito e política? Não sei.

Mesmo porque, por mais que eu explique aqui o que é incapacidade de pensar, mesmo que eu explique o conceito de banalidade do mal expostos no livro EICHMANN EM JERUSALÉM da Hannah Arendt, tais explicações só vão atingir aqueles que já estão sensibilizados e atemorizados com essa reação de ultra-direita, com matizes nazi-fascistas.

Escrevo porque a esperança é a última que morre.

Mas escrevo, também porque ao menos meus filhos saberão do que estão falando, não obstante sejam as únicas “ovelhas vermelhas” das suas salas na escola, afinal  Taubaté é um celeiro eleitoral do PSDB, sobretudo  porque é  próxima à cidade de Pindamonhangaba (terra natal do Alckmin).


É isso mesmo. Vou começar com meus filhos. Na verdade, isso já está começado. Só quero me assegurar de vaciná-los contra as categorias arendtianas da incapacidade de pensar e da banalidade do mal. Vou seguir a orientação do médico e acrescentar um reforço. Vou vaciná-los com  3 doses: leitura, FILMES e muita conversa.


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