O JUIZ E A LOIRA DO BANHEIRO.
Semana passada encontrei um amigo, juiz, classe média,
anti-petista roxo. Colega meu de muitos anos. E como não podia deixar de ser
começamos a conversar sobre a eleição. Conversamos muito sobre os candidatos,
ele com seus argumentos e eu com os meus. E foi uma conversa excelente e de alto nível. Até o
momento em que ele cometeu um deslize e repetiu um truísmo, um refrão que não
poderia ter saído da sua boca. Ele começou a falar sem nenhum conhecimento de
causa a respeito do programa bolsa família. Que ele acha um absurdo que essas
pessoas recebam R$ 70,00 por mês! Isso é uma esmola que compra votos, blá, blá,
blá...
Eu tentei explicar, sem aprofundar muito, que o bolsa família não é nada disso. O voto
não estava sendo trocado por um botijão de gás ou por uma dentadura! Esses R$
70,00 são contínuos. O programa bolsa-família é uma etapa na construção de uma
rede de proteção das pessoas em estado de profunda vulnerabilidade. O
recebimento das parcelas está vinculado a uma análise da situação da família. A
criança tem que estar na escola. Quem recebe é a mulher. Com essa mixaria as
crianças ficam menos doentes e depois o estado economiza em saúde. Com essa
ninharia as pessoas deixaram de morrer de fome, há menos pessoas com raquitismo
e anemia crônica. As crianças são alfabetizadas. Essas crianças serão pessoas
adultas que poderão pelo menos ler e escrever e por consequência terão empregos
mais decentes. Nem interessa o que os próprios beneficiários pensam, afinal,
pode até ser que alguns digam que não precisam trabalhar porque recebem este
benefício. Mas o que eles dizem, sob este aspecto não é relevante, desde que as
crianças estejam na escola, desde que eles adoeçam menos, desde que o
alfabetismo diminua...
E como este meu colega é um sujeito muito ponderado, muito
centrado, ele acolheu meus argumentos. Mas continuou inamovível. Então eu
apelei. Só que antes de dizer o que fiz quero afirmar em primeiro lugar que eu
já fui servidor público. Tenho muito respeito por essa categoria, porque ao
contrário da caricatura de que servidor público não faz nada, eu sei por
experiência própria que essas pessoas trabalham muito. Mas não é esse o
assunto. Eu só quis apresentar meus sinceros respeitos em primeiro lugar porque
já fui servidor público por duas vezes. Trabalhei no Departamento de Fundos de
Gestão e Investimentos do Ministério da Integração Nacional em Brasília, como
concursado. Também trabalhei na Justiça Federal de São Paulo, também como
concursado. E ainda pretendo retornar à Administração Pública como servidor
concursado, num quadro equivalente ao desse meu amigo.
Depois dessa digressão voltemos à discussão com meu colega
juiz. Eu fiquei perplexo pelo fato de que argumentos racionais não o
convenceram de que o bolsa família era um programa legítimo, afinal a sua
opinião estava ancorada numa paixão anti-petista radical promovida e alimentada
pela sua leitura semanal, pelas suas posições “vejistas” e suas citações de
Reinaldo Azevedo, Constantino e Cia.
E por mais que eu falasse dos benefícios que esses R$ 70,00
podem fazer em benefício de uma família inteira, ele ainda veio me falar de uma
certa família que recebia mais de R$1500,00 de bolsa família. Eu ainda
argumentei: “Excelência, esta família que recebe R$ 1500,00 por mês, se é que
ela existe, ela deve ter pelo menos uns 19 membros, todos muito pobres e
vivendo com essa fortuna de R$ 1500,00 uma vida como nunca viveram.
E aí veio meu argumento apelativo: “Mas me diga uma coisa. Com
todo o respeito. Por que essa família com quase 20 membros não pode receber R$
1500 para comer? Por que uma outra
família não pode receber R$ 70,00 para matar a fome, e os magistrados podem
receber R$ 4300 de auxílio-moradia?” E continuei... “Vou ser muito sincero. Eu
também gostaria de receber este mesmo valor de auxílio-moradia. Eu só não
entendo porque o senhor pode receber e aquele miserável que não tem
literalmente onde cair morto, não pode receber um sessenta avos do seu auxílio
moradia”. Fiz a conta de cabeça, dividi 4200 por 70 e vi que dava 60. Então
continuei... “agora é que eu não entendo mesmo. O que o senhor recebe daria
para sustentar 60 famílias em um mês. Se cada família tiver pelo menos 4
pessoas, são 240 pessoas”.
“Então eu estou sem entender duas coisas. A primeira é a
seguinte : 1. Por que o senhor pode receber essa bolsa-moradia, sendo que além
dessa bolsa-moradia o senhor ainda tem o seu salário de pelo menos R$ 15 ou R$
20 mil reais? Por que o miserável não pode receber R$ 70,00 para comer, sendo
que além dos R$ 70,00 ou R$ 1500 (que serão gastos prática e exclusivamente com
alimentação e cuidados básicos) essa população não recebe mais nada? 2. Por que
o miserável que se sente abençoado com esta bagatela não pode votar no mesmo
governo que lhe concedeu este direito, benefício ou garantia sem ser acusado de
estar vendendo seu voto por R$ 70,00? E por que o senhor que está recebendo
este aumento fantástico de R$ 4300,00 desse governo, vai votar no candidato da
oposição cujo partido só prejudicou os servidores federais? Eu mesmo, quando
era servidor da Justiça Federal recebia uma indenização que salvo engano, já
não me lembro muito bem... era em torno de R$ 500 ou R$ 600, cuja rubrica era
auxílio alimentação. Isto para além do meu salário. Tratava-se de um valor
pequeno que na verdade é quase dez vezes mais do que o valor mínimo da
bolsa-família. Por que eu posso receber
isso e o beneficiário do bolsa-família não pode?
E como esse amigo, tal como eu disse, é um cara muito
sensato, ele me disse humildemente: “Rubão, eu não sei te responder. É meio
covardia discutir com vc. Parece que vc sempre tem argumento para tudo”.
E eu continuei: “Amigo, excelência... não se trata de ter
argumento para tudo. Trata-se apenas de mostrar que 90% da classe média que vai
votar no Aécio, está sendo manipulada emocionalmente. Um dia desses alguém me
disse que ficou sabendo por um amigo de um amigo que há um complô comunista que
vai dividir todas as casas da classe média. E que vai colocar uma família em
cada quarto da sua casa. E eu me perguntei como é que alguém ainda pode
acreditar nisso? Vc acredita nisso, excelência?”
E ele me respondeu: “Rubens, eu já ouvi essa história. Mas
vc acha que isso é mentira mesmo? Vc não acha isso possível? Eu tenho medo
disso”.
“Excelência, quando alguém te diz uma coisa absurda, fica
difícil responder racionalmente, argumentativamente. Esta história é absurda.
Esta história tem a mesma base que aquela história da LOIRA DO BANHEIRO. Como é
que eu vou provar que a história da LOIRA DO BANHEIRO é mentira? Afinal sempre
tem um amigo de um amigo de um primo que jura pela alma da mãe dele, que ele
viu a LOIRA DO BANHEIRO.
Na verdade, a história é completamente oposta. O senhor, salvo engano, construiu duas
casinhas geminadas para vender não foi? Vendeu-as rapidamente, não vendeu? Pois
é. O problema não é a sua casa ser dividida para que quatro famílias morem
nela. Isso não vai acontecer. O problema é a sua casa não ser vendida, por
falta de financiamento. Terá gente querendo comprar, mas não terá o auxílio do
governo para ajudar essas pessoas a comprar. Aí sim, sabe o que vai acontecer??
A sua casa que não foi vendida, pode virar uma casa fantasma, abandonada.
Aliás, um ótimo lugar para a LOIRA DO BANHEIRO MORAR!!” Portanto, acho melhor o
senhor ter mais medo da LOIRA DO BANHEIRO do que da invasão promovida por um
maquiavélico complô comunista”.
Aqui no interior de SP, onde moro, eu conheço muita gente
que trabalha na construção civil. Muita gente mesmo. Muitos construtores,
muitos pedreiros, carpinteiros, pintores. Os meus amigos construtores (e
concorrentes) nunca construíram tanto e nunca venderam tantos imóveis como
venderam nesses últimos 12 anos. Nessa última década o financiamento para a
casa própria ficou aberto de forma ininterrupta. A gente não encontra pedreiro,
pintor, carpinteiro... estão todos trabalhando, registrados, com carro, moto,
internet...
Durante os oito do FHC o financiamento abria, depois
fechava. Ficávamos anos sem conseguir vender um imóvel, porque o financiamento
estava fechado. Aí o financiamento abria de novo. E de repente fechava. Mão-de-obra sobrando. Muita gente desqualificada
e desempregada.
Se o PSDB ganhar novamente a presidência da República, uma
das primeiras decisões do governo será o fechamento do financiamento da casa
própria. Pois isso terá um efeito em cascata que vai atingir todo o Brasil. O
setor da construção civil vai estagnar. Toda a sua cadeia produtiva ficará
interrompida. O desemprego crescerá. E quem estava economizando para dar a
entrada na sua casa própria vai gastar com eletrodomésticos ou vai pagar para deixar
seu dinheiro guardando no banco enquanto seu mesmo dinheiro será emprestado a
10% ao mês.
Portanto, eu tenho mais medo da LOIRA DO BANHEIRO do que
dessa tolice de complô comunista que vai
dividir a minha casa para os pobres morarem. Aliás quem de fato fez isso,
combatendo o comunismo, e defendendo o
capitalismo foi o Sr. Adolf Hitler, que
expulsou os judeus de suas casas, e nas melhores casas colocou os oficiais da
polícia alemã para nelas residirem (... uma singela ilustração disso está no filme
A Lista de Schindler...)
É claro que a essa altura da conversa, o papo já estava mais
descontraído e ainda tínhamos umas cervejas geladas para tomar. Depois ficamos
contando piadas, e falando mal da vida alheia. Havia muita coisa que podia ser
discutida em outros patamares de
argumentação... mas a conversa acabou aí.
Foi nesta conversa que consegui a confirmação de que a
classe média de fato é a classe mais desinformada. Mas o pior é que ela se
julga informada, sobretudo porque lê “Veja”
e assiste ao Jornal Nacional. Acredita no Azevedo e no Constantino. E depois
fica repetindo truísmos que foram plantados na sua massa cinzenta e regados e
adubados com o discurso do medo, o discurso de que vão tomar tudo que vc tem. Se
vc andar na rua de noite, o homem do saco vai te pegar. Se vc votar na Dilma
vão pegar tudo que vc tem.
Amigos, vivemos num estado de direito. Por maiores que sejam
as mazelas e a corrupção sistêmica que vemos, ainda estamos num estado de
direito. Direito este que foi respeitado ao longo dos últimos doze anos. A
maior fissura sofrida por este estado nas últimas décadas foi o confisco feito
pelo Fernando Collor de Melo. Um candidato muito parecido com o Aécio.
Depois das garrafas vazias para encerrar aquela nossa conversa,
eu fiz uma pergunta que era exatamente a pergunta que eu gostaria de fazer para
todos os que, como eu, são classe média: “Fulano, a sua vida melhorou nesses
últimos doze anos? Se melhorou é porque está melhor do que estava antes. Então
por que vc vai votar naqueles que podem fazer com que a sua situação retorne ao
que era antes?” Essa pergunta é muito objetiva! E a resposta também
No fim da noite, eu e meu amigo juiz nos despedimos e eu lhe
disse para ter muito cuidado com a LOIRA DO BANHEIRO!!
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