sábado, 18 de outubro de 2014

O JUIZ E A LOIRA DO BANHEIRO



O JUIZ E A LOIRA DO BANHEIRO.

Semana passada encontrei um amigo, juiz, classe média, anti-petista roxo. Colega meu de muitos anos. E como não podia deixar de ser começamos a conversar sobre a eleição. Conversamos muito sobre os candidatos, ele com seus argumentos e eu com os meus. E foi uma  conversa excelente e de alto nível. Até o momento em que ele cometeu um deslize e repetiu um truísmo, um refrão que não poderia ter saído da sua boca. Ele começou a falar sem nenhum conhecimento de causa a respeito do programa bolsa família. Que ele acha um absurdo que essas pessoas recebam R$ 70,00 por mês! Isso é uma esmola que compra votos, blá, blá, blá...

Eu tentei explicar, sem aprofundar muito,  que o bolsa família não é nada disso. O voto não estava sendo trocado por um botijão de gás ou por uma dentadura! Esses R$ 70,00 são contínuos. O programa bolsa-família é uma etapa na construção de uma rede de proteção das pessoas em estado de profunda vulnerabilidade. O recebimento das parcelas está vinculado a uma análise da situação da família. A criança tem que estar na escola. Quem recebe é a mulher. Com essa mixaria as crianças ficam menos doentes e depois o estado economiza em saúde. Com essa ninharia as pessoas deixaram de morrer de fome, há menos pessoas com raquitismo e anemia crônica. As crianças são alfabetizadas. Essas crianças serão pessoas adultas que poderão pelo menos ler e escrever e por consequência terão empregos mais decentes. Nem interessa o que os próprios beneficiários pensam, afinal, pode até ser que alguns digam que não precisam trabalhar porque recebem este benefício. Mas o que eles dizem, sob este aspecto não é relevante, desde que as crianças estejam na escola, desde que eles adoeçam menos, desde que o alfabetismo diminua...

E como este meu colega é um sujeito muito ponderado, muito centrado, ele acolheu meus argumentos. Mas continuou inamovível. Então eu apelei. Só que antes de dizer o que fiz quero afirmar em primeiro lugar que eu já fui servidor público. Tenho muito respeito por essa categoria, porque ao contrário da caricatura de que servidor público não faz nada, eu sei por experiência própria que essas pessoas trabalham muito. Mas não é esse o assunto. Eu só quis apresentar meus sinceros respeitos em primeiro lugar porque já fui servidor público por duas vezes. Trabalhei no Departamento de Fundos de Gestão e Investimentos do Ministério da Integração Nacional em Brasília, como concursado. Também trabalhei na Justiça Federal de São Paulo, também como concursado. E ainda pretendo retornar à Administração Pública como servidor concursado, num quadro equivalente ao desse meu amigo.


Depois dessa digressão voltemos à discussão com meu colega juiz. Eu fiquei perplexo pelo fato de que argumentos racionais não o convenceram de que o bolsa família era um programa legítimo, afinal a sua opinião estava ancorada numa paixão anti-petista radical promovida e alimentada pela sua leitura semanal, pelas suas posições “vejistas” e suas citações de Reinaldo Azevedo, Constantino e Cia.

E por mais que eu falasse dos benefícios que esses R$ 70,00 podem fazer em benefício de uma família inteira, ele ainda veio me falar de uma certa família que recebia mais de R$1500,00 de bolsa família. Eu ainda argumentei: “Excelência, esta família que recebe R$ 1500,00 por mês, se é que ela existe, ela deve ter pelo menos uns 19 membros, todos muito pobres e vivendo com essa fortuna de R$ 1500,00 uma vida como nunca viveram.

E aí veio meu argumento apelativo: “Mas me diga uma coisa. Com todo o respeito. Por que essa família com quase 20 membros não pode receber R$ 1500 para comer?  Por que uma outra família não pode receber R$ 70,00 para matar a fome, e os magistrados podem receber R$ 4300 de auxílio-moradia?” E continuei... “Vou ser muito sincero. Eu também gostaria de receber este mesmo valor de auxílio-moradia. Eu só não entendo porque o senhor pode receber e aquele miserável que não tem literalmente onde cair morto, não pode receber um sessenta avos do seu auxílio moradia”. Fiz a conta de cabeça, dividi 4200 por 70 e vi que dava 60. Então continuei... “agora é que eu não entendo mesmo. O que o senhor recebe daria para sustentar 60 famílias em um mês. Se cada família tiver pelo menos 4 pessoas, são 240 pessoas”.

“Então eu estou sem entender duas coisas. A primeira é a seguinte : 1. Por que o senhor pode receber essa bolsa-moradia, sendo que além dessa bolsa-moradia o senhor ainda tem o seu salário de pelo menos R$ 15 ou R$ 20 mil reais? Por que o miserável não pode receber R$ 70,00 para comer, sendo que além dos R$ 70,00 ou R$ 1500 (que serão gastos prática e exclusivamente com alimentação e cuidados básicos) essa população não recebe mais nada? 2. Por que o miserável que se sente abençoado com esta bagatela não pode votar no mesmo governo que lhe concedeu este direito, benefício ou garantia sem ser acusado de estar vendendo seu voto por R$ 70,00? E por que o senhor que está recebendo este aumento fantástico de R$ 4300,00 desse governo, vai votar no candidato da oposição cujo partido só prejudicou os servidores federais? Eu mesmo, quando era servidor da Justiça Federal recebia uma indenização que salvo engano, já não me lembro muito bem... era em torno de R$ 500 ou R$ 600, cuja rubrica era auxílio alimentação. Isto para além do meu salário. Tratava-se de um valor pequeno que na verdade é quase dez vezes mais do que o valor mínimo da bolsa-família. Por que eu  posso receber isso e o beneficiário do bolsa-família não pode? 

E como esse amigo, tal como eu disse, é um cara muito sensato, ele me disse humildemente: “Rubão, eu não sei te responder. É meio covardia discutir com vc. Parece que vc sempre tem argumento para tudo”.

E eu continuei: “Amigo, excelência... não se trata de ter argumento para tudo. Trata-se apenas de mostrar que 90% da classe média que vai votar no Aécio, está sendo manipulada emocionalmente. Um dia desses alguém me disse que ficou sabendo por um amigo de um amigo que há um complô comunista que vai dividir todas as casas da classe média. E que vai colocar uma família em cada quarto da sua casa. E eu me perguntei como é que alguém ainda pode acreditar nisso? Vc acredita nisso, excelência?”

E ele me respondeu: “Rubens, eu já ouvi essa história. Mas vc acha que isso é mentira mesmo? Vc não acha isso possível? Eu tenho medo disso”.

“Excelência, quando alguém te diz uma coisa absurda, fica difícil responder racionalmente, argumentativamente. Esta história é absurda. Esta história tem a mesma base que aquela história da LOIRA DO BANHEIRO. Como é que eu vou provar que a história da LOIRA DO BANHEIRO é mentira? Afinal sempre tem um amigo de um amigo de um primo que jura pela alma da mãe dele, que ele viu a LOIRA DO BANHEIRO. 

Na verdade, a história é completamente  oposta. O senhor, salvo engano, construiu duas casinhas geminadas para vender não foi? Vendeu-as rapidamente, não vendeu? Pois é. O problema não é a sua casa ser dividida para que quatro famílias morem nela. Isso não vai acontecer. O problema é a sua casa não ser vendida, por falta de financiamento. Terá gente querendo comprar, mas não terá o auxílio do governo para ajudar essas pessoas a comprar. Aí sim, sabe o que vai acontecer?? A sua casa que não foi vendida, pode virar uma casa fantasma, abandonada. Aliás, um ótimo lugar para a LOIRA DO BANHEIRO MORAR!!” Portanto, acho melhor o senhor ter mais medo da LOIRA DO BANHEIRO do que da invasão promovida por um maquiavélico complô comunista”.


Aqui no interior de SP, onde moro, eu conheço muita gente que trabalha na construção civil. Muita gente mesmo. Muitos construtores, muitos pedreiros, carpinteiros, pintores. Os meus amigos construtores (e concorrentes) nunca construíram tanto e nunca venderam tantos imóveis como venderam nesses últimos 12 anos. Nessa última década o financiamento para a casa própria ficou aberto de forma ininterrupta. A gente não encontra pedreiro, pintor, carpinteiro... estão todos trabalhando, registrados, com carro, moto, internet...


Durante os oito do FHC o financiamento abria, depois fechava. Ficávamos anos sem conseguir vender um imóvel, porque o financiamento estava fechado. Aí o financiamento abria de novo. E de repente fechava.  Mão-de-obra sobrando. Muita gente desqualificada e desempregada.
Se o PSDB ganhar novamente a presidência da República, uma das primeiras decisões do governo será o fechamento do financiamento da casa própria. Pois isso terá um efeito em cascata que vai atingir todo o Brasil. O setor da construção civil vai estagnar. Toda a sua cadeia produtiva ficará interrompida. O desemprego crescerá. E quem estava economizando para dar a entrada na sua casa própria vai gastar com eletrodomésticos ou vai pagar para deixar seu dinheiro guardando no banco enquanto seu mesmo dinheiro será emprestado a 10% ao mês.

Portanto, eu tenho mais medo da LOIRA DO BANHEIRO do que dessa tolice de complô  comunista que vai dividir a minha casa para os pobres morarem. Aliás quem de fato fez isso, combatendo o comunismo, e defendendo  o capitalismo foi o Sr. Adolf Hitler,  que expulsou os judeus de suas casas, e nas melhores casas colocou os oficiais da polícia alemã para nelas residirem (... uma singela ilustração disso está no filme A Lista de Schindler...)

É claro que a essa altura da conversa, o papo já estava mais descontraído e ainda tínhamos umas cervejas geladas para tomar. Depois ficamos contando piadas, e falando mal da vida alheia. Havia muita coisa que podia ser discutida em outros patamares de  argumentação... mas a conversa acabou aí.

Foi nesta conversa que consegui a confirmação de que a classe média de fato é a classe mais desinformada. Mas o pior é que ela se julga informada,  sobretudo porque lê “Veja” e assiste ao Jornal Nacional. Acredita no Azevedo e no Constantino. E depois fica repetindo truísmos que foram plantados na sua massa cinzenta e regados e adubados com o discurso do medo, o discurso de que vão tomar tudo que vc tem. Se vc andar na rua de noite, o homem do saco vai te pegar. Se vc votar na Dilma vão pegar tudo que vc tem.


Amigos, vivemos num estado de direito. Por maiores que sejam as mazelas e a corrupção sistêmica que vemos, ainda estamos num estado de direito. Direito este que foi respeitado ao longo dos últimos doze anos. A maior fissura sofrida por este estado nas últimas décadas foi o confisco feito pelo Fernando Collor de Melo. Um candidato muito parecido com o Aécio.


Depois das garrafas vazias para encerrar aquela nossa conversa, eu fiz uma pergunta que era exatamente a pergunta que eu gostaria de fazer para todos os que, como eu, são classe média: “Fulano, a sua vida melhorou nesses últimos doze anos? Se melhorou é porque está melhor do que estava antes. Então por que vc vai votar naqueles que podem fazer com que a sua situação retorne ao que era antes?” Essa pergunta é muito objetiva! E a resposta também
No fim da noite, eu e meu amigo juiz nos despedimos e eu lhe disse para ter muito cuidado com a LOIRA DO BANHEIRO!!

Nenhum comentário:

Postar um comentário

http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4792354A1