Monografia vencedora (1º lugar) do Concurso Nacional de Monografias Jurídicas da Campanha pela "Ética naAdvocacia", anais da XVII Conferência Nacional dosAdvogados do Brasil - Agosto/Setembro de 1999.
Editora: safE
ISBN: 858827860X
Ano: 2000
Nº de páginas: 87
Encadernação: Brochura
ISBN: 858827860X
Ano: 2000
Nº de páginas: 87
Encadernação: Brochura
1. O nascimento da Ética e a universalidade nomotética
A sapiência consiste em uma
única coisa:
entender a razão que
governa
todo o mundo em toda parte.
Heráclito de
Éfeso
(apogeu 504-501 a.C. - 69ª Olimpíada).
A
Ética e sua importância para uma determinada
civilização ou sociedade sempre vêm à tona em momentos de crise de
valores, de desorientação e de perplexidade dos homens que se encontram no meio
do turbilhão provocado pela crise mesma. E foi neste contexto que ela nasceu:
no seio de uma crise. A Ética, enquanto ciência do ethos,
surge na Grécia Antiga, justamente num momento de crise extrema, como se verá
mais adiante. A Ética, enquanto ciência do ethos
surgiu na Grécia Antiga com Sócrates, Platão e Aristóteles, num entrecruzamento
histórico muito bem definido e muito bem localizado no tempo e no espaço: num
momento de crise da sociedade grega quando, ao mesmo tempo, ocorre o nascimento
da filosofia através da passagem do discurso mítico para o discurso do lógos (lovgo").
Por
um lado, o encontro dos gregos com
outras civilizações, outros costumes, outras religiões implicou o relativismo
de todo o horizonte simbólico grego, e conseqüentemente uma crítica dos seus
próprios valores. O contato com povos diferentes provocou uma reflexão (retorno) sobre a própria
situação e originou uma crise de valores que encontrou na expressão de
Protágoras a síntese mais clara e radical daquela crise
de valores: "o homem é medida de todas as coisas, das que são para que sejam e das que não são
para que não sejam", o que em última análise significa que tudo é
verdadeiro. A proposição de que tudo é verdadeiro, própria do âmbito gnoseológico,
encontra no espaço do agir humano, no âmbito praxeológico, sua melhor tradução
na posição de Ivan, o Karamazóv
intelectual do romance de Dostoiévsk: Tudo é permitido.
Por
outro lado neste mesmo momento histórico eclode um movimento de reflexão que
irá fazer a passagem do discurso mítico sobre a realidade para o discurso
racional, lógico, ou mais propriamente filosófico da explicação do real,
através de proposições que, em 1º lugar, prescindem do recurso a imagens e
fabulações próprias do discurso mítico, em 2º lugar que buscam a origem de
todas as coisas e, em 3º lugar, que pressupõem a unidade de tudo o que existe.
Daí a profundidade e originalidade da primeira proposição filosófica posta por
Tales de Mileto: Tudo é água.
Com
a entrada de Sócrates no cenário filosófico o pensamento grego sofre uma
inflexão antropológica provocando o encontro do novo tipo de discurso com o
novo problema do abandono dos valores tradicionais da sociedade de então. Com
outras palavras, diante do espanto provocado pela corrosão e deterioração dos
valores que organizavam e dirigiam a vida dos gregos, estes possuem, agora, o
instrumento da razão para estudar o problema da virtude e da justiça na cidade,
ocorrendo pois o nascimento da Ética, como
o discurso racional que se debruça sobre o comportamento humano para
estudá-lo e mostrar ao homem quais são as virtudes que devem organizar e reger
a sua vida em direção ao Bem Absoluto.
O intelectualismo socrático
|
O
marco decisivo do surgimento da Ética é a emergência do intelectualismo
socrático. Para Sócrates o mais fundamental era que os homens soubessem o que eram as virtudes (a justiça,
a coragem, a prudência). Pois conhecendo-as, o homem se tornaria virtuoso.
O
intelectualismo de Sócrates orienta a sua ação na cidade, e no
seu encontro com os jovens, ele busca ensiná-los a conhecer as virtudes para
que sejam bons cidadãos e para que a cidade seja um lugar onde reine a justiça
e a eqüidade.
Platão,
discípulo de Sócrates, propõe seu ideal
do Justo na sua República (Politeiva). Mas é com
Aristóteles, aluno de Platão, e no seu texto Ética a Nicômaco, que a Ética encontra a sua forma mais orgânica e
sistemática e surge e se estabelece como ciência
do ethos.
Preliminares semânticos da
palavra Ética
|
Para
os gregos a physis (fuvsi")[1] e
o ethos (h\qo")[2] são
duas formas primeiras de manifestação do ser ou da sua presença, sendo o último
a transcrição da 1ª na peculiaridade da práxis
(Pra'xi")[3] ou
da ação humana e das estruturas
histórico-sociais dela resultantes[4].
Cabe à Ética clássica demonstrar a ordem da práxis, articulada em hábitos ou
virtudes segundo o finalismo imanente do lógos
(lovgo")[5] ou
da razão.
O
termo ETHOS[6]
é o resultado da transliteração de dois
vocábulos gregos: h\qo" (ethos com a vogal grega êta) e e[qo" (ethos com a vogal grega epsilon).
O
primeiro ethos - h\qo" (ethos com a vogal grega êta) - significa morada, costume, entendido como o espaço
construído pelo homem e portanto, espaço humano, esquema praxeológico durável,
estilo de vida e ação[7]. O
segundo ethos - e[qo" (ethos com a vogal grega epsilon) - significa comportamento resultante da repetição (pollach/')[8] dos mesmos atos que ratifica o h\qo".
Como
resultado desta síntese de significados o
e[qo" passa a designar o processo genético do hábito ou da
disposição habitual para agir de certa maneira, que atinge seu termo no hábito
como possessão estável, ou como héxis
(e{xi")[9]
que aponta para o senhorio de si mesmo, o seu bem, a sua autarquéia (aujtavrceia)[10].
Entre o processo de formação do hábito e o seu termo como disposição permanente
o ethos se desdobra como lugar privilegiado de realização do homem.
"O ethos
como costume, ou na sua realidade histórico-social, é princípio e norma dos
atos que irão plasmar o ethos como
hábito"[11].
Desta
forma, têm-se a circularidade entre 3
momentos:
costume h\qo" ->
ação Pra'xi" -> hábito e{xi".
Eqüi-correspondência originária
entre ethos e lei
|
O
costume sofrerá a passagem à condição de lei,
alcançando pois, a emergência definitiva da forma de universalidade. E a
lei constitui-se verdadeiramente como
a casa ou a morada da liberdade. Com o
surgimento da lei nasce a idéia do
ordenamento ou constituição do estado segundo leis que nascem do ethos da comunidade e, portanto, o fechamento de um círculo
que pode ser designado como o círculo semântico do ethos.
A relação intrínseca entre Ética
e Direito
|
"A passagem do costume à lei assinala
justamente a emergência definitiva da forma de universalidade e, portanto, da
necessidade imanente, que será a forma por excelência do ethos, capaz de abrigar a práxis
humana como ação efetivamente livre. O ethos
como lei é, verdadeiramente, a casa
ou a morada da liberdade"[12].
Neste
contexto, há, portanto, uma relação intrínseca entre Ética e Direito, entre o
costume e a lei (ethos - h\qo" e nómos - novmo"),
mas cuja origem assenta-se sobre a relação primeira entre natureza e costume,
entre physis e ethos.
O
mais fundamental neste texto é mostrar a origem histórico-conceitual da ruptura
entre Ética e Direito. Ou seja, num determinado momento da história do Ocidente (séc. XVI-XVII), ocorreu um fato
(Revolução Científica) que provocou o
surgimento de um novo tipo de conhecimento (racionalidade moderna
empírico-formal) que colocou novos parâmetros ou pressupostos intelectuais e
cognitivos, lógico-epistemológicos, que criaram por sua vez, uma nova visão de
mundo, um novo universo simbólico para
o homem ocidental, com uma nova
concepção de natureza, uma nova idéia de razão e um novo modelo antropológico
Portanto aqui será o lugar de se aprofundar e
conhecer esta situação histórica na qual realiza-se esta passagem de um horizonte
de compreensão da realidade, para um novo horizonte, a partir da perspectiva do
que será agora designado como universalidades
nomotética e hipotético-dedutiva.
Universalidade
Nomotética
|
Nas
primeiras aulas de qualquer curso de graduação em Filosofia, uma das primeiras lições é aquela sobre a
ordem e o kósmos. Ao estudante novel,
diz-se que os gregos foram os primeiros a fazer Filosofia, tal como se entende
no Ocidente, porque detectaram certa ordem no universo e tentaram expressar tal
descoberta através de um discurso que prescindiu do recurso ao mito e à
religião. A contemplação (qeoriva) da ordem (kovsmo") provocava o
espanto e a admiração (qavlma). E desta
contemplação, surgia o impulso da elaboração de um discurso que buscava
explicar de forma racional toda a realidade através da pesquisa dos princípios
que regem toda esta realidade, como, por exemplo, a água em Tales.
Há,
pois, uma ordem que rege e organiza não só a vida dos animais e dos vegetais
bem como o movimento dos astros. E, para os gregos, esta mesma ordem também orienta a vida da
cidade e, portanto, a vida dos homens.
A
universalidade nomotética fundamenta-se, portanto, sobre a convicção da
existência de uma
“ordem
do mundo que se supõe manifesta e na qual o nómos
ou a lei da cidade é o modo de vida do homem que reflete a ordem cósmica
contemplada pela razão”[13].
Ou
ainda, em outras palavras,
“é a
idéia de correspondência entre a ordem cósmica e a ordem da cidade sob a soberania de
uma mesma lei universal que inspira as primeiras tentativas de definição de uma
esfera do Direito e da justiça à qual o homem deve elevar-se para libertar-se
do mundo da violência e do caos”[14].
“A significação fundamental do nómos
refere-se exatamente à ordem divina transcendente ou à ordem do kósmos divino, à qual deverá
conformar-se a lei humana”[15].
E
como há um pressuposto ontológico que refere a ordem da cidade à ordem da
natureza, é possível, para os gregos, “legitimar o poder da justiça na perspectiva de uma
teleologia do Bem e fazer assim da vontade política uma
vontade instauradora de leis justas - uma nomotética regida pela razão do melhor”[16].
Política Clássica, Ética e
Direito
|
A
Política clássica orienta-se a partir dos critérios do bem melhor e mais perfeito, ou seja, como uma
hierarquia de fins. Daí a “eminente dignidade
ética do político”[17].
A unidade entre Ética e Direito, ou
entre Ética e Política, funda-se no caráter normativo da natureza, da physis . A idéia de lei, nómos (novmo") que
se encontra intimamente ligada à noção de natureza “vai orientar o
desenvolvimento da razão segundo duas linhas específicas de racionalidade que
conservarão entre si uma constante homologia: a racionalidade do pensamento
científico e a racionalidade do pensamento social e político”[18], jurídico.
Assim,
o mundo e o homem são compreendidos a partir de um único lógos universal fazendo com
que o kósmos tenha assegurada a sua
unidade. Em outras palavras, a presença normativa da physis (fuvsi") no ethos (h\qo"),
permite constituir um “horizonte de universalidade nomotética dentro do qual a
vida política se afirma como realização suprema do ethos, como comunidade (koinoniva) perfeita, dotada
de prioridade ontológica (embora não histórica) sobre todas as outras formas de
socialidade humana”[19].
O
resultado desta estreitíssima relação entre natureza
e lei (physis e nómos) é o fato de que o
caráter prescritivo da lei é atribuído a uma ordem universal. Ou seja, as leis
que regem a cidade estão inscritas na natureza. Ou ainda, elas são leis da
natureza. É sob o horizonte desta universalidade que se encontram as teorias do Direito natural clássico. Assim
sendo, a universalidade do Direito tem a forma da universalidade nomotética[20].
No âmbito da Ontologia Clássica, o fato mais significativo e digno de
interesse é a intrínseca relação entre Ética, Direito e Política. O exemplo
clássico deste tipo de compreensão do Direito encontra-se em Ulpiano, citado no Digesto (Digesta - Pandhvkqai) de
Justiniano:
"O Direito natural é o que a natureza
ensina a todos os seres animados; com efeito, este Direito não é próprio do
gênero humano, mas ele é comum a todos os seres animados que nascem sobre a
terra, que estão no mar e também aos pássaros"[21].
A
primeira oposição a esta estrita correspondência entre physis e nómos
foi realizada pelos Sofistas. Mas a crítica sofística
logo foi superada por Platão e
Aristóteles. Apesar das diferenças entre as posições éticas e políticas de
Platão e Aristóteles, ambos se situam no horizonte da universalidade
nomotética, pois “permanece o fundamento comum que é a presença normativa da
Idéia como universalidade nomotética
que eleva o ser empírico do indivíduo e da cidade da sua particularidade
contingente à universalidade racional e, por isso mesmo, necessária da vida política”[22].
Com muito poucas palavras, os gregos acreditavam que seria possível deduzir do
conhecimento das leis da natureza as leis que regem a sociedade.
Anaximandro
de Mileto, com sua filosofia da
natureza (ainda pré-socrática e portanto, pré-platônica e
pré-aristotélica) transcreve a
representação da dike (divkh) da vida social
originária da pólis (povli") no reino da natureza
explicando a "conexão causal da geração e corrupção das coisas como
contenda jurídica, em que, por sentença do tempo, elas terão de expiar e pagar
indenizações conforme as injustiças que cometeram"[23].
"Está aqui a origem da idéia filosófica
do cosmos, dado que este termo expressa, originariamente, a reta ordem do
Estado e de toda a comunidade. A audaciosa projeção do cosmos estatal no
Universo, a exigência de que seja o princípio da isonomia e não o da pleonexia
que vigore na natureza do ser tanto como na vida humana, testemunha que,
naquela época, a nova experiência política da lei e do Direito estava no centro
de todo o pensamento, constituía o fundamento da existência e era a fonte
genuína de toda a crença relativa ao sentido do mundo"[24].
Relação ontológica entre Ética e
Direito
|
A
invenção da Ética e da Política[25]
como faces eqüi-correspondentes do mesmo núcleo semântico, foi uma experiência
originariamente grega. Isto significa que entre ambas, o tipo de relação que se
estabelece é uma relação de natureza ontológica. E o mesmo se pode dizer do
Direito. Ou seja, a relação Ética/Direito também possui uma natureza
ontológica. A conexão entre ambos não é
funcional ou mecânica, mas profundamente
orgânica.
No
entanto, a ruptura moderna entre Ética e
Direito decorrente, por um lado, da passagem de uma universalidade nomotética
para uma universalidade hipotético-dedutiva e, por outro lado, decorrente da absolutização da práxis[26]
são dois dados importantes a serem levados em consideração na reflexão a
respeito da fundamentação ontológica da relação entre Ética e Direito,
pois a relação de natureza ontológica
entre Ética e Direito, a partir do advento da modernidade pós-cristã foi
cindida com o uso instrumental da razão.
Nascimento da Política do DIREITO
|
Ética e Política
|
A
análise do paradigma grego mostra que o momento de nascimento da Política e do
Direito ocorre por ocasião da
constituição democrática das cidades gregas quando “os legisladores fazem apelo
aos conceitos e aos procedimentos da razão para estabelecer as regras e os
critérios do consenso cívico”[27].
Neste sentido, Direito e Política andam juntos com a Ética e têm como objetivo
primacial a busca do “consenso racional em torno do mais justo”, porque o mais
justo é o melhor para a cidade. O horizonte do jurídico para os gregos
caracteriza-se pela “correspondência entre a ordem cósmica e a ordem da cidade
sob a soberania de uma mesma lei universal
que inspira as primeiras tentativas de definição de uma esfera do
Direito e da justiça à qual o homem deve elevar-se para libertar-se do mundo da
violência e do caos”[28].
A ação política tanto é compreendida como arte e sabedoria[29] que
se orienta pelos critérios do bem melhor e mais perfeito, quanto se apresenta
como uma hierarquia de fins. E os legisladores gregos, dos quais Péricles e
Sólon foram os mais eminentes, são considerados educadores do seu povo, e por
isso são colocados freqüentemente ao lado do poeta, e as determinações da lei
são colocadas junto das máximas da sabedoria poética. Na esteira deste
contexto, Heráclito de Éfeso irá afirmar que "o povo deve lutar pela sua
lei como pelas muralhas da cidade". Para os gregos, a Política refere-se
ao campo da práxis e não ao da poíesis. Por causa disso, no horizonte
clássico grego, a Política e o Direito
não poderiam ser compreendidos
como uma técnica. A ação humana
possui uma referência constitutiva a uma tradição[30] e,
enquanto práxis, ela é “julgada pelos
critérios da auto-realização do homem ou do seu ser-em-razão-de-si-mesmo”, o
que implica “uma correspondência entre a unidade epistemológica da ciência
prática e a unidade antropológica do ser moral e político do homem,
manifestado no finalismo constitutivo da
sua práxis”[31].
Tal afirmação explicita a relação
intrínseca que, para os gregos, deve existir entre Ética e Direito.
Com
isso, a ciência política busca “definir
a forma de racionalidade que vincula o livre agir do cidadão à necessidade,
intrínseca à própria liberdade, e portanto, eminentemente ética, de
conformar-se com a universalidade da justiça”[32].
Assim, pois, “a racionalidade política se apresenta como ordenadora de uma
prática em vista de um fim que é a
justiça na cidade”[33].
A
compreensão grega do Direito e do Político encontra-se sob a égide da universalidade nomotética “regida pela
razão do melhor”, que busca legitimar “o
poder pela justiça na perspectiva de uma teleologia do Bem e fazer assim, da
vontade política, uma vontade instauradora de leis justas”[34].
Neste
sentido, o Direito veicula, pela natureza, uma exigência de ordem. Ela é a alma, o princípio e o fim
do Direito. Todavia, trata-se de uma ordem natural, inscrita na natureza. O
Direito é o reflexo ou a réplica da ordem cósmica, caso em que ele participa,
como dizia Aristóteles, da necessidade natural na qual ele encontraria
ontologicamente a sua verdade[35]
A transcrição
cristã
|
Esta
mesma homologia entre ordem de natureza e ordem do estado jurídico continuará vigorando após o advento do
cristianismo no mundo cristão, mas, a ordem do cosmos será substituída pela
Providência Divina, a partir da qual emanam
todos os valores e normas que devem reger o mundo dos homens.
"... todos os seres, enquanto regidos
pela Divina providência, participam de algum modo da lei eterna pelo fato de que,
recebendo em si a impressão dessa lei, possuem inclinações que os impelem aos
atos e aos fins que lhes são próprios. É a lei natural considerada
genericamente, a qual rege a matéria inorgânica, as plantas, os animais. Mas a
submissão da criatura racional à Providência Divina se faz de modo
superexcelente (excellentiori quodam modo),
pois o homem é o co-partícipe da Providência e capaz, ele próprio, de prover ao que lhe convém e aos outros
(...). Assim, a participação à lei eterna, na criatura racional, funda-se em
que tal criatura possui 'natural
inclinação para o fim e para o ato devidos', isto é, para o modo de
agir e para as finalidade que se radicam na sua própria natureza"[36].
Para
Tomás de Aquino o Direito resulta do sistema descendente de leis:
lex
aeterna -> lex naturalis - lex humana.
Neste
sistema de leis do Aquinate, uma lei é fonte da outra, que a inspira e guia. A
ordem instaurada pelo Direito, é a ordem querida por Deus, de modo que o
ordenamento jurídico só é ordem pela
sua subordinação à vontade do Criador[37].
Portanto,
o momento da passagem da universalidade nomotética para a universalidade
hipotético-dedutiva não será nem por ocasião do movimento sofístico, nem pela
gradual hegemonia que o cristianismo irá alcançando com o correr dos séculos
que avançam pelo medievo, afinal no interior do cristianismo o Direito também é
compreendido como o reflexo de uma ordem superior, divina e transcendente,
posta neste caso, em última instância, pelo próprio Deus. Com isto o Direito
continua revestido de um caráter, não mais cósmico como era o caso dos gregos,
mas sagrado, em decorrência da cristianização do mundo ocidental.
Passagem da universalidade
nomotética à universalidade hipotético-dedutiva
|
O
instante da ruptura encontrará seu marco decisivo apenas no momento histórico
de mudança do paradigma da Razão que a
Revolução Científica da Ciência Moderna provocou. Ou melhor, os
pressupostos filosóficos subjacentes a
tal passagem que implicou a ruptura entre Ética e Direito, são retirados
do novo paradigma científico que orientou toda a Revolução Científica.
2. A Revolução Científica, a ruptura e a universalidade hipotético-dedutiva
A realização
da matematização da física também vai
sendo preparada por uma outra mudança de
mentalidade no campo do conhecimento e da aplicação deste mesmo conhecimento.
Desde a
Antiguidade é notório o desprezo pela técnica, pelo trabalho manual e artesanal. Um exemplo
bastante eloquente é o de Arquimedes. Ele não deixou escrita nenhuma obra a respeito da
construção de suas máquinas de guerra, pois a ciência de inventar e
construir máquinas era algo de natureza muito vil,
baixa e mercenária.
Na passagem da
Idade Média para a Modernidade ainda se
vê, de um lado uma ciência teórica que
especula sobre a ordem da natureza (aristotelismo) e de outro lado uma ‘técnica’
(l’art em francês, a poivhsi"), ou ainda uma atividade
realizada em laboratórios (alquimistas)[38]. Os intelectuais
oficiais não têm laboratórios tal como os alquimistas, pois a tarefa destes é
fabricar e o trabalho daqueles é contemplar. Em síntese, a técnica é inferior à
ciência. A Idade Média guardou a distinção entre obras servis e obras liberais[39].
Esta mentalidade
começou a se alterar com a matematização da astronomia. No entanto, Bacon (1561-1626) afirmara
que a astronomia matemática era apenas um jogo ridículo sem relação alguma com
a verdadeira física, pois a astronomia
matematizada nos fornece apenas a “casca” das coisas. Todavia, para
Galileu e Descartes, o coração da ciência será
engendrado justamente por isto que Bacon chamara de “casca”[40]. Segundo
Descartes (1596-1650), a verdadeira explicação científica consiste em
circunscrever a natureza numa rede de
símbolos matemáticos que consiga explicar tudo. Ou seja, o real, o verdadeiro será aquilo
que for captado, apreendido pelas malhas da teoria construída. E assim a
ciência vai adquirindo uma feição humana, pois ela não tem mais nada de
metafísica, mas revela-se unicamente como uma obra humana. Simultaneamente a
tais mudanças, vai ocorrendo o abandono do método da autoridade
e surgindo uma nova definição de racional
e de natureza[41].
Um grande impulso
para o chamado “retorno a Arquimedes” é dado
pelos italianos, povo muito prático que nunca compreendeu o desprezo da
Antiguidade pelas “artes”. Leonardo da Vinci (1452-1519)
afirmará que conhecer é fabricar e
com isto o trabalho de um engenheiro acabará por tornar-se uma obra científica.
E finalmente Galileu Galilei
rejeitará a identificação do real objetivo com a percepção sensível, apontando
assim para o núcleo da física moderna: as qualidades são relativas aos sentidos e a matéria para o cientista é quantitativa.
Em decorrência
destes progressos bastante graduais, a distância entre ciência e técnica irá
diminuindo sensivelmente de modo que a relação hodierna entre ambas apresenta-se
ao homem contemporâneo como óbvia e necessária.
O desmoronamento
gradual do preconceito relativo à técnica é
concomitante ao processo de gênese da
física-matemática.
Segundo Lenoble[42] muitas
descobertas nascem do encontro de duas idéias já conhecidas. Desde muito tempo já havia a
tabela exata dos ângulos de incidência e dos ângulos de refração da luz. Ao
mesmo tempo em que já se conhecia algo de trigonometria. A lei da refração
da luz só foi descoberta (ou criada!) quando se teve a idéia de comparar
as tabelas com aquilo que se sabia de
trigonometria. E a história da física-matemática é semelhante
a este fato do encontro de duas idéias.
Conhecia-se até
então alguns fenômenos e um pouco de
cálculo. A idéia de se ler os fenômenos com a linguagem dos cálculos foi a
criadora da física-matemática. Tal idéia fervilha na cabeça de Galileu em 1590 e 30
anos mais tarde em Descartes[43].
Figura D
E assim a
física-matemática vai sendo
capaz de construir um mundo verdadeiramente real de dados quantitativos. É construído um mundo
inteligível diferente do mundo das idéias da Antiguidade
Clássica. Aos dados quantitativos aplica-se o instrumento matemático da medida. Criam-se tabelas,
escalas, unidades de medida, etc...[45].
Decorrentes
dessas transformações na mentalidade científica e na ciência, duas
novas noções emergem no interior
do universo científico: 1. uma nova noção de objetividade e 2. outra
noção de fenômeno.
A objetividade
Conforme a física
aristotélica as coisas são
como nós as percebemos. A física moderna irá rejeitar
a física qualitativa aristotélica e estabelecerá que somente a construção
racional possibilitará a objetividade verdadeira. A
objetividade científica, portanto, referir-se-á unicamente, aos estados da matéria, os quais são passíveis de
mensuração de peso, temperatura, densidade[46]. A ciência, agora, garante o conhecimento certo e objetivo dos
fenômenos através de uma rede de relações, ou de leis
quantitativas.
“E assim, tanto
hoje como no tempo de Platão e Aristóteles, fazer ciência consiste em
inserir na carne flácida do dado sensível a armadura férrea de um esquema
inteligível. A questão é saber o que se
entende por inteligível”[47].
O Fenômeno
Partindo deste
paradigma de objetividade o fenômeno passa a ser
algo distinto da aparência sensível, e construído conforme as regras da ciência. O fenômeno torna-se o objeto próprio e
específico das ciências e apenas a Metafísica permitirá
afirmar a equivalência, a conformidade do objeto da ciência com a realidade[48]. E neste momento
toma força um certo desprezo pela Metafísica: “Preocupemo-nos com o fenômeno e
deixemos o real de lado.
O real não é objeto do cientista”[49]. Daí em diante a
verdade científica se definirá no plano do fenômeno como organizador das
aparências por um sistema de leis. Ocorre, pois, desta forma, a renúncia ao
conhecimento da “essência das coisas”,
pois até então a verdade era inteligível quando ela
revelava o em si de alguma coisa; e
assim a idéia platônica e a essência
aristotélica retirava o homem do mundo das aparências e das sombras.
Portanto, a
ciência acaba de “conquistar a noção de fenômeno no sentido preciso que este tomará em Kant”[50].
A Revolução
Científica foi decisiva na passagem da universalidade nomotética para a universalidade
hipotético-dedutiva. Dentre os marcos principais dos séculos desta revolução,
está o começo do abandono do aristotelismo que adquiriu pleno vigor entre os
séculos XIII e XVI. O gradual abandono do aristotelismo e a aquisição de novos
instrumentos metodológicos de inspiração platônica, marcados sobretudo pela
matemática, foram os elementos constitutivos da emergência da mentalidade que
possibilitou o abandono do sistema ptolomaico (geocentrismo) por parte de N. Copérnico (heliocentrismo)[51].
Após
Copérnico, apareceu Ticho Brahe que propôs um sistema misto, no qual a Terra gira em torno do Sol e os
outros planetas em torno da Terra. Tal proposição ‘quebrou’ as esferas
cristalinas e concêntricas sobre as quais giravam os planetas.
Galileu
|
Kepler
|
Finalmente,
o discípulo de T. Brahe, Kepler, já dispondo do
sistema heliocêntrico de Copérnico e já
prescindindo das esferas cristalinas (destruídas por seu mestre - T. Brahe)
propõe que as órbitas planetárias não são circulares, mas elípticas. Com isso
ele consegue elaborar as leis de atração das massas.
Galileu
Galilei, por sua vez, quis
provar que Copérnico e Kepler estão
certos. As provas que tem para demonstrar a correção de seus antecessores não
são decisivas e por isso encontra sérios problemas. No entanto, sua noção de
experimento científico é consistente e repousa sobre o instrumental da análise matemática. O modelo de experiência científica de Galileu será
de suma importância para o paradigma epistemológico que está se formando.
Newton e a Física Clássica
|
Enfim,
Newton propôs a compleição mais consistente da
Física. Seu êxito é incontestável. E tamanho sucesso faz com que as regras e o
método da Física Clássica venham a ser estendidos e aplicados a todos os outros campos do saber que queiram ser designados como
Ciência. Na esteira desse movimento, estão incluídas as Ciências Humanas, e
entre elas o Direito.
O
paradigma epistemológico que orienta toda a Revolução Científica é o modelo
hipotético-dedutivo que ao se estender para o âmbito da Ética e da Política,
provoca a cisão entre uma e outra, pois não há Ética sem tradição e neste
momento começa a emergir o mito do Começo Absoluto, segundo o qual, tudo é e/ou
pode ser construído pelo sujeito humano a partir deste momento.
Portanto,
assim como a geometria é uma construção, também a Ética, o Direito e a Política
o são. O exemplo mais claro disto está em Hobbes que elabora uma distinção entre as ciências
demonstrativas a priori e as ciências
não demonstrativas.
Tentativa de matematização da
Ética
|
As
ciências demonstrativas são aquelas “cujos objetos são criados pelo arbítrio do
homem. Ora, a geometria é demonstrável
porque nós mesmos criamos as figuras, ao passo que a física não é demonstrável,
‘já que as causas das coisas naturais não estão em nosso poder, mas sim da
vontade divina’. Como a geometria, também são demonstráveis a Ética e a
Política, ‘na medida em que os princípios graças aos quais se conhece o que são
o justo e o equânime, e ao inverso, o injusto
e o iníquo, ou seja, as causas da justiça, e precisamente a lei e os pactos,
foram feitos por nós’(De Homine X, 5)”[52].
O que se vê aqui são anúncios daquele paradigma metodológico de natureza
hipotético-dedutiva e que será regido pela mecânica galileiano-newtoniana. Em
resumo, o resultado da revolução científica é uma nova imagem de homem, uma nova idéia de razão e um novo conceito de natureza.
Há
uma passagem de um horizonte marcado pelo teocentrismo para um horizonte
antropocêntrico. O mundo, o homem e todo o mundo humano, sua cultura, deixam de
ser compreendidos como organismos, para se tornarem mecanismos constituídos por
engrenagens. A intervenção em um organismo é muito mais delicada do que a
intervenção num mecanismo. Neste último, sempre se pode trocar uma peça por
outra, substituir um elemento mais caro por outro mais barato e assim
sucessivamente. Sempre será possível incrementá-lo, manipulá-lo, desmontá-lo e
reconstruí-lo sem qualquer perturbação ou impedimento de ordem ético-moral.
Racionalidade técnico-científica
|
Vai
nascendo a racionalidade técnico-científica inspirada nas ciências
empírico-formais e mais especificamente na física e na matemática. E a Natureza passa a ser compreendida no “seu
oferecer-se ou estar aberta à poíesis
fabricadora ou epistêmica do homem”[53].
Ou ainda: “a Natureza é pensada e representada como realidade exterior na
medida em que é submetida às normas de uma racionalidade específica,
exprimindo-se em teorias, leis, modelos, conceitos, e que estende sua
judicatura tanto à explicação (ciência) como à utilização (técnica) dessa
realidade”[54].
A
natureza, agora compreendida como constructo humano encontra-se destituída das
idéias de completude, finalidade e organicidade que eram inerentes à concepção
nomotética do paradigma clássico. E sendo, pois, tudo obra humana, inclusive (e
talvez mais do que qualquer outra coisa) o Direito, o que deve
ser não encontra seu fundamento num
tempo passado, numa tradição, em costumes, num ethos. Mas o que deve ser está por ser construído e inventado através do
consenso e do trabalho dos legisladores. Em outros termos, pode ser que tudo
venha a ser permitido. Como dizia Ivan, o Karamazóv intelectual que enlouquece
no fim do romance de Dostoiévski: “Tout
est permis”[55].
Universalidade hipotético-dedutiva
|
A validação intersubjetiva
|
Neste
momento, o pensamento social, ético, jurídico
e político encontra-se submetido aos “princípios epistemológicos e às
regras da nova ciência da natureza,
ciência de tipo hipotético-dedutivo e tendo a
análise matemática como instrumento conceptual privilegiado”[56].
A experiência: repetição e
previsão
|
Do
ponto de vista gnoseológico, neste novo lugar histórico, começa a se impor e a
se tornar hegemônico um tipo de conhecimento com a prerrogativa de um tipo de validação intersubjetiva
absoluta. Portanto, há um consenso inexorável, que implica um tipo de validação
intersubjetiva (entre sujeitos) inquestionável. A aceleração gravitacional sempre poderá ser
calculada, precisada, verificada, experimentada e prevista. Um cientista
poderá, através dos novos tipos de cálculos possibilitados pelo avanço
matemático desta época, prever o local aonde cairá um determinado projétil com
uma massa de 5 kg, lançado de um determinado ponto no espaço, com uma
velocidade de 5 metros por segundo, e com uma força de 100 newtons.
Daí que todo conhecimento, para possuir
a prerrogativa de conhecimento válido, terá que ser um conhecimento passível de
EXPERIMENTAÇÃO, REPETIÇÃO e PREVISÃO. A ciência que não se enquadrar dentro
destes critérios de cientificidade será considerada uma pseudo-ciência. Neste
sentido, todas as tentativas de elaboração de uma ética more geometrico, foram malogradas. É impossível submeter a Ética a
este tipo de razão. Justamente por causa deste fato, a Ética sofre o refluxo
para a marginalidade do irracional, destituída, portanto, das prerrogativas de
conhecimento válido.
Todavia,
a tentativa de submeter o Direito a este tipo de racionalidade foi mais longe e
mais bem sucedida, ainda que muito controvertida, alcançando o seu zênite
teórico no positivismo jurídico de Hans Kelsen.
Do
ponto de vista prático (jurídico-político), neste novo lugar histórico, a nova
racionalidade jurídico-política importa-se basicamente, em satisfazer as
necessidades dos indivíduos reunidos pelo pacto social e organizados em
sociedade pelo Direito e pelo ordenamento jurídico. Pode-se dizer que o
problema da satisfação das necessidades se torna o problema fundamental da
organização sócio-política[57].
Trata-se, pois, de “propor uma solução analítica satisfatória ao
problema da associação dos indivíduos, tendo como alvo assegurar a satisfação
de suas necessidades vitais”[58],
bem como protegê-los do arbítrio e da violência.
Praticamente,
todas as teorias do Direito Natural Moderno repousam sobre o modelo hipotético
de um estado de natureza cuja validez
é verificada pela explicação satisfatória do fato da existência social do
indivíduo como condição histórica da sua
sobrevivência por hipótese de um estado original do qual a sociedade seria a um
tempo negação e continuação.
O Direito como técnica
|
Aqui
não se tem um pressuposto ontológico,
mas hipotético, segundo o qual existe
uma igualdade dos indivíduos enquanto estes se constituem, como unidades numericamente isoladas e
distintas num hipotético estado de
natureza. A vinculação destes indivíduos, realizada de forma extrínseca dá
origem a um somatório de indivíduos que se constitui como estado de sociedade.
A
Política e o Direito, agora, são
entendidos como técnicas[59]
que devem ser eficazes na tarefa comum
de organização dos indivíduos, tornam-se
esferas autônomas que independem de
qualquer tipo de normatividade ética. O seu escopo mais imediato é a otimização
do poder através da persuasão ou do
comando segundo critérios de força. O
Direito e a Política deixaram de se apresentar como uma hierarquia de
fins para serem vistos como jogo de forças.
A tentativa de Hegel
|
Contudo,
perante os desafios que a razão moderna lança à unidade ontológica de Ética e
Direito, a partir do novo paradigma de universalidade hipotético-dedutiva, o
projeto hegeliano de transcrever a razão teleológica na pauta da própria
Metafísica da subjetividade constituiu-se como o esforço titânico de
reestabelecer a união entre Ética, Política e Direito. A empresa hegeliana
consistirá na tentativa de redesenhar,
na imanência da razão historiológica, “uma forma de universalidade nomotética
como universalidade do Espírito que se objetiva e tem na história a sua
teodicéia”[60].
O intento hegeliano, portanto,
caracteriza-se pela busca de recuperação de uma unidade entre Ética e Política,
deslocando o seu fundamento conceptual do âmbito da Natureza para o terreno da História[61]. A
cisão entre Ética e Política existente
no interior da universalidade hipotético-dedutiva apresenta-se a Hegel como
algo problemático[62].
A tentativa hegeliana para superar tal
ruptura consistiu no “intento declarado e levado a cabo sistematicamente de transpor nos quadros conceptuais da metafísica moderna do
sujeito, repensados profundamente segundo o paradigma dialético, a metafísica
clássica greco-cristã”[63].
Hegel
tenta “retomar a universalidade nomotética, integrando-a na perspectiva do
Estado moderno e derivando a ordem da Natureza para a teleologia da História”[64].
Definição de
Direito
|
A
partir dessas duas matrizes, a clássica e a hegeliana, a Política se constitui
como ciência normativa da práxis comunitária, e seu problema maior é
“o problema de uma razão do livre
consenso (genitivo subjetivo) ou de uma razão imanente à livre aceitação do
existir e agir em comum e que demonstre na lei justa a realização plena, a enérgeia da práxis consensual”[65].
O Direito é, justamente, esta razão do livre consenso explicitada em leis, sentenças, prescrições e normas
organizadas num determinado ordenamento jurídico. Assim, a lei aparece como o
oposto da hybris social (= excesso)
ou da perversão do Direito. Para Hegel,
neste sentido, o Direito é o “reino da liberdade
realizada”[66].
Isto porque apenas do interior da
sociedade política é que se pode reconhecer o cidadão como portador “efetivo
dos Direitos cujo respeito confere ao poder seu predicado essencial como poder
político, ou como poder justo”[67].
Hegel
foi o responsável pela tentativa mais significativa de reestabelecimento desta
cisão. Entretanto, os pressupostos jusfilosóficos que não fariam senão
aprofundar esta crise já estavam em movimento e apontando para as conseqüências
que o mundo contemporâneo, totalmente perplexo,
assiste em todos os lugares do planeta.
Recorri a um advogado
porque pensei que é melhor
fazer-se arrancar a pele por um carrasco experiente.
fazer-se arrancar a pele por um carrasco experiente.
N
|
A dar meus cobre àquele
assassino
(trata-se, em geral, do marido),
prefiro que os advogados os devorem[68].
(trata-se, em geral, do marido),
prefiro que os advogados os devorem[68].
o primeiro
capítulo, foram apresentadas as características de um tipo de universalidade no
interior da qual existe uma relação radical e originária, diga-se primacial,
entre Ética e Direito.
O segundo capítulo
apresentou como a Revolução Científica criou um novo paradigma que alterou
profundamente a relação Ética/Direito,
estabelecendo uma profunda separação entre ambos.
Origem da crise:
Absolutização da práxis
|
Tal cisão fez do Direito
apenas uma técnica, orientada pelos critérios do útil, do eficaz, do produtivo.
E isto não é senão uma face do que os estudiosos têm designado como absolutização da práxis e que se
constitui como o solo e a causa
principal da crise ética vivida pela humanidade.
Veja-se, por exemplo, o
diagnóstico apresentado pelo Prof. Tércio Sampaio Ferraz Junior na sua obra de Introdução ao Direito:
"Assim, se antes, no mundo do homo faber, a força de trabalho era
ainda apenas um meio de produzir objetos de uso, na sociedade de consumo,
confere-se à força de trabalho o mesmo valor que se atribui às máquinas, aos
instrumentos de produção. Com isso, se instaura uma nova mentalidade da máquina
eficaz, que primeiro uniformiza coisas e seres humanos, para depois
desvalorizar tudo, transformando coisas e homens em bens de consumo, isto é,
bens não destinados a permanecer, mas a serem consumidos e confundidos com o
próprio sobreviver, numa escalada em velocidade, que bem se vê na rapidez com
que tudo se supera, na chamada civilização da técnica. O que está em jogo aqui
é a generalização da experiência da produção, na qual a utilidade para a
sobrevivência é estabelecida como o
critério último, para a vida e para o mundo dos homens. Ora a instrumentalização
de tudo, por exemplo, a criança que de manhã escova os dentes, usa a escova, a
pasta e a água e com isso contribui para o produto interno bruto da nação,
conduz à idéia de que tudo afinal é meio, todo produto é meio para um novo
produto, de tal modo que a sociedade como um todo se concentra em produzir
objetos de consumo. Consumo este, de novo, meio para o aumento da produção e
assim por diante. Na lógica da sociedade de consumo, tudo que não serve ao
processo vital é destituído de significado. Até o pensamento torna-se mero ato
de prever conseqüências e só nessa medida é valorizado. Entende-se assim a
valorização dos saberes técnicos, sobretudo quando se percebe que os
instrumentos eletrônicos exercem aquela função calculadora muito melhor do que
o cérebro. E no Direito esta lógica da sociedade de consumo torna-o mero
instrumento de atuação, de controle, de planejamento, tornando-se a ciência
jurídica um verdadeiro saber tecnológico"[69].
O que se encontra na origem da crise atual e
que provocou esta compreensão do Direito como um instrumento tecnológico é uma
mudança nas estruturas simbólicas do ethos
ocidental. E este processo foi iniciado em torno do século XVII, por ocasião da
Revolução Científica tal como foi apresentado logo acima. Tal mudança decorre
da “imanentização do fundamento transcendente que assegurava a suprassunção
dialética da oposição entre a práxis humana e o seu mundo”[70].
Com
a passagem de um universo cosmocêntrico/teocêntrico para um horizonte de
compreensão antropocêntrico, o homem pretende “ser o fundamento e o lugar
conceptual do movimento de transcendência no qual é suprassumida, no nível dos
valores, normas e fins universais, a oposição entre a práxis humana e seu mundo
enquanto situados na particularidade do seu acontecer empírico”[71].
A práxis “absorve na sua imanência o fundamento transcendente que assegurava a
primazia relativa da práxis sobre a realidade e da realidade sobre a práxis ou,
em termos éticos, da liberdade sobre a norma e da norma sobre a liberdade”[72].
“É, pois, a concepção da
práxis absolutizada na sua imanência que constitui, no nível simbólico, o
centro da estrutura radial da história universal moderna, assim como o Ocidente
é o seu centro no nível histórico”[73].
Dialética mensurante-mensurado
|
A
práxis humana é regida pela dialética do mensurante-mensurado[74].
Na dualidade estrutural entre o sujeito
e o objeto da práxis (agir) e entre o
sujeito e o objeto da poíesis
(fazer), emerge a primazia do sujeito como característica do primeiro momento de
um processo dialético. Neste momento, o objeto é negado em si mesmo para ser
significado segundo o metro da intencionalidade ativa do sujeito: sua
capacidade, seus instrumentos, suas regras e seus fins. Neste primeiro momento,
o sujeito impõe sobre o objeto a sua primazia. No momento ulterior, esta
primazia do sujeito será negada, pois a realidade do objeto (sua verdade) será
a medida da práxis e da poíesis.
“Em força do predicado da
verdade do seu ser e da necessidade inteligível que lhe é inerente, ela (a
realidade do objeto) nega a contingência puramente empírica da atividade do
sujeito, da qual passa a ser mensurante” [75].
Ethos
|
O
ethos, enquanto realidade
histórico-social, resulta da suprassunção desta
oposição dialética entre sujeito e objeto e entre mensurante e
mensurado.
Os
indivíduos e os grupos humanos organizados aceitam medir sua práxis
segundo uma escala de normas, fins, valores que têm seus
fundamentos e justificação num nível que
transcende o teor empírico dos objetos e a contingência do agir particular de
cada indivíduo da sociedade.
“A transcendência desse fundamento, afirmada na sanção
religiosa e sapiencial do ethos nas
sociedades tradicionais, ou traduzida na conceptualização filosófico-teológica
do ethos como Ética (o Bem ou os bens
em Platão e Aristóteles, a Natureza estóica, o Deus pessoal e cristão),
assegurou ao pensamento ético clássico uma formulação satisfatória da síntese
que deve unir a primazia respectiva da práxis
e da realidade, no exercício da dialética do mensurante e do mensurado”[76].
A
Revolução Científica e a repercussão do sucesso da mecânica de Galileu e de Newton, bem como todo o movimento de
idéias que girou em torno da física clássica, alteraram profundamente as
estruturas simbólicas do ethos ocidental, originando o processo de imanentização do fundamento transcendente que assegurava a
suprassunção ou a síntese dialética da oposição entre a práxis humana e o seu
mundo[77].
Trata-se de um momento histórico paradoxal, pois nele, o homem, ao deslocar
a Terra do centro do Universo, se coloca a si mesmo no centro deste novo
Universo, e faz de si mesmo o fundamento
de todo o resto, levantando a pretensão de ser o “lugar conceptual originário e
ao mesmo tempo o termo do movimento de transcendência no qual é suprassumida,
no nível dos valores, normas e fins, a oposição entre a práxis e o seu mundo enquanto oposição desenhada no plano empírico
e contingente da ação”[78].
O
homem, construtor da natureza e de si mesmo,
e criador da Política, da Ética e
sobretudo do Direito, faz com que a sua práxis
seja capaz de fundamentar-se a si mesma[79] e de ser
a fonte de sua teoria constituindo-se como “criadora do seu mundo, do
universo da cultura e do ethos que
lhe é consubstancial”[80].
Com
este novo tipo de compreensão do real tudo passa a ser possível e permitido
conforme as circunstâncias. A rescisão sem motivos, por parte do inquilino, de
um contrato de locação, num determinado momento pode ser ocasião de uma multa
sobre o tempo que resta para o vencimento do contrato, noutra época talvez não
se precise mais pagar a multa, mas algum tempo depois a existência da multa pode voltar a ocorrer.
Tudo, é claro, conforme a legislação vigente e suas possíveis modificações.
"Tudo é passível de
ser normado e para uma enorme disponibilidade de endereçados, pois o Direito
não depende mais do status, do saber,
do sentir de cada um, das diferenças de cada um, da personalidade de cada um.
Ao mesmo tempo continua sendo aceito por todos e cada um em termos de uma
terrível uniformidade"[81].
É
pois, na esteira desta nova universalidade, a saber, a hipotético-dedutiva que,
ao se destacar da Ética e da Política, com as quais mantinha um tipo de relação
ontológica, o Direito se reestrutura radicalmente a partir dos critérios da
razão instrumental, fazendo com que sua congruência ou sua coerência interna
deixe de estar fundamentada sobre a natureza, sobre o cosmos, sobre o costume,
sobre o ethos, sobre a razão, sobre a moral e passe
"reconhecidamente a
basear-se na uniformidade da própria vida social, da vida social moderna, com
sua imensa capacidade para a indiferença. Indiferença quanto ao que valia e
passa a valer, isto é, aceita-se tranqüilamente qualquer mudança. Indiferença
quanto à incompatibilidade de conteúdos, isto é, aceita-se tranqüilamente a
inconsistência e se convive com ela. Indiferença quanto às diversidades de
opinião, isto é, aceita-se uma falsa idéia de tolerância, como a maior de todas
as virtudes. Este é afinal o mundo jurídico do homem que labora, para o qual o
Direito é apenas e tão-somente um bem de consumo.[82]"
Portanto,
é na esteira da cisão supra apresentada, entre universalidade nomotética e
universalidade hipotético-dedutiva, no ardor gerado pelo êxito da nova ciência
e iluminada pelas luzes do século XVIII, que emerge uma nova concepção de práxis, que por sua vez, preside a
gênese do fenômeno da modernidade e suas expressões simbólicas. Contudo, esta
nova concepção resulta da inversão ou da alteração da “estrutura dialética da
relação mensurante-mensurado, ocorrendo pois a
absolutização do momento mensurante que compete à práxis[83].
Imanentização do fundamento
transcendente
|
“Esta, com efeito, absorve
na sua imanência o fundamento transcendente que assegurava a primazia
relativa da práxis sobre a realidade
e da realidade sobre a práxis ou, em
termos éticos, da liberdade sobre a norma e da norma sobre a liberdade. Enquanto permanece indiscutido o postulado da
imanência do fundamento no sujeito ou, eticamente, o postulado da autonomia
absoluta do sujeito, a práxis
concreta do homem ocidental, na sua titânica empresa de universalização da
história, avança impelida pela dialética do desejo e da dominação (ou da
satisfação hedonística e do poder),
expressão universal do niilismo ético e forma moderna, infinitamente mais ambiciosa,
e aplicada intrepidamente à prática histórica, do programa do homem-medida de
Protágoras. Sobre a base desse postulado, atravessado pelo paradoxo de uma
Razão prática, segundo o ensinamento de Kant, torna-se inviável a construção de
uma Ética universal: a ética kantiana do dever foi notoriamente submergida pela
ética empirista do prazer e do poder. Nossa civilização, no seu desígnio e no
seu operar universalizantes, permanece uma civilização sem Ética”[84].
Civilização Universal
sem ética
|
Em suma, a primeira civilização universal é,
paradoxalmente, a primeira civilização sem Ética. O homem hodierno assiste a um
movimento planetário, impetuoso e irresistível, que avança em direção à universalização
da práxis global.
“Esta práxis se mostrou, na
sua intencionalidade profunda, como uma práxis que se absolutiza como operar
técnico. Como tal, ela reivindica para si a dignidade de princípio e fundamento
dos fins por ela estatuídos, das normas que a regem e dos valores por ela
preconizados. Trata-se em suma de uma práxis cuja autonomia absoluta
apresenta-se como única instância julgadora da prerrogativa ética que lhe
compete como práxis humana”[85].
Com isto, o homem absorveu as razões e os
fundamentos do seu ethos na imanência
da sua liberdade, fazendo da absolutização da práxis um princípio originariamente axiogênico, tornando-a a
instância axiológica por excelência, aferidora das práticas consideradas
eticamente válidas, o que implica um pragmatismo generalizado[86].
Como resultado desta alteração nas estruturas
da dialética da constituição do ethos e,
portanto, da absolutização da práxis,
o ocidente assiste ao levantar-se de uma gigantesca vaga de não-sentido, na qual “o modelo poiético se vê dotado de função normativa não apenas
para o conhecimento da natureza mas também para o exercício da liberdade”[87].
Este quadro desenha a face de um tempo regido pelo niilismo ético.
“Aqui a violência e a morte
deixam de ser um simples fato bioantropológico e elevam-se como emblemas de uma
civilização que ousou reivindicar para o sujeito situado e finito a
responsabilidade propriamente infinita de suportar todo o universo humano do sentido, ou seja, de constituir-se em
fundamento último dessa verdade do ser
que o sentido deve fazer brilhar”[88].
A contradição
|
É
notório pois, que a civilização ocidental hodierna apresenta-se como uma civilização sem ethos. E incapaz de elaborar uma Ética que corresponda às suas
práticas culturais e políticas e aos fins universais por ela proclamados[89].
E tal civilização constitui-se como a criadora ou como a matriz de um tipo de
Direito cuja prescindência da Ética é uma das suas principais características,
ao mesmo tempo em que é sua principal contradição.
Ausência de referenciais axiológicos
|
Crise na abundância
|
A
situação gerada pela crise de civilização
vivida pelo homem contemporâneo, leva ao seguinte paradoxo: alastra-se
por todo o planeta a primeira civilização efetivamente universal, mas que, paradoxalmente, não se reconhece em nenhum
sistema simbólico que seja consensual e universalmente aceito. A constelação e
o horizonte simbólico hodiernos não possuem referenciais axiológicos definidos.
Mas são, ao mesmo tempo, o espaço da hegemonia de forças exclusivamente
materiais e econômicas, que por sua própria natureza “não são portadoras de
fins e valores, a não ser o fim de uma produção sem fim, e o valor de uso
inscrito na destinação dos objetos produzidos”[90].
A mentalidade contemporânea é marcada indelevelmente pela presença da dialética
do produzir-usar que, paradoxalmente, gera uma “crise no meio da
abundância”.
Irracionalismos
|
“...uma crise que tem
talvez sua raiz mais profunda no aumento
prodigioso da capacidade humana de produzir
e no definhar, até o quase desaparecimento, da capacidade humana de contemplar. A absolutização da práxis,
essa, no seu conceito moderno, absorvendo a antiga distinção entre o fazer e o agir, é, sem dúvida, o núcleo dinâmico da cultura da modernidade”[91].
A
práxis, por um lado, apresenta-se como processo de
incessante produção e, por outro lado, é instituída como a chave de
inteligibilidade de uma história que assiste a emergência de devastadoras formas de irracionalismo seja
nas guerras mundiais, civis e étnicas, seja nas práticas econômicas profundamente avassaladoras e exploradoras do mercado
financeiro cujo fluxo de capitais, num vai e vem sem fim, visita alguns
países, estimulando por curtos espaços
de tempo seus frágeis potenciais, para, em seguida, abandoná-los, deixando atrás de
si um rastro de destruição econômica, desemprego, recessão e pobreza.
O século que termina constata que nem a práxis produtora ou econômica, nem a práxis histórica ou política, nem o
retorno à Natureza, nem a anomia generalizada são aptas para resolver o
problema dos fins da cultura. Neste quadro, o homem contemporâneo está à
deriva, “alforriado de qualquer regra,
mas sem licença de nada”.
Direito sem virtudes
|
E
esta sociedade hodierna regida e organizada pelos critérios do útil, do
funcional, do lucrativo, do eficaz e pelas forças do mercado deteriora e
diminui a excelência ou a virtude mesma
do ser-com-os-outros do homem
contemporâneo. E com isto, este existir-em-comum
vai, aos poucos, adquirindo um contorno
única e exclusivamente jurídico, formal e legal, destituído das virtudes da
amizade, da fidelidade, da lealdade, enfim da justiça. Neste contexto, a
ideologia que vai se impondo é a do individualismo consumista e hedonista
marcado profunda e indelevelmente pelo predomínio de um tipo de relação que
nasce do encontro do homem com as coisas e com os objetos e que se erige como o
critério de relação e encontro do homem
com os outros homens.
A
Ética é gerada num contexto de relação intersubjetiva, no contexto do
reconhecimento recíproco entre sujeitos. Contudo, o mundo contemporâneo vem se
caracterizando por um tipo de relação que nasce do confronto do homem com os
objetos. E este tipo de relação (homem x mundo) alcançou uma hegemonia tal, a
ponto de conquistar a primazia dos tipos de relação possíveis do homem com
aquilo que está fora ou é diferentede si. De modo que a relação do homem com
Deus tornou-se algo de foro íntimo, a respeito da qual o sujeito não deve
satisfação a ninguém, e portanto deve ser restringida ao universo de sua
intimidade. As repercussões sociais deste tipo de relação foram minimizadas e
compreendidas como originárias de algum tipo de imaturidade intelectual ou
irracionalismo. E a relação do homem com
os outros sujeitos destituiu-se do caráter virtuoso da amizade
aristotélica para ir se configurando
como uma relação que deve ser regida pelos mesmos parâmetros da relação do
homem com os objetos. Daí que a Ética
encontra-se sem o seu o solo originário. Um mundo orientado pelos critérios da
utilidade, do lucrativo, do consumível, da eficácia, esterilizou o solo sobre o
qual a Ética deve surgir, a saber, o solo do espaço intrersubjetivo, da relação
entre sujeitos, agora regida pelos critérios da utilidade, do lucrativo, da
produtividade...De forma muito prosaica, poderia se dizer que a Ética está
órfã, ou ainda que ela se encontra numa situação de ATOPIA.
Por
conseguinte, o Direito também vai se fragilizando e os profissionais do Direito
vão sentindo, inexoravelmente, o influxo destas forças civilizatórias que regem
o agir humano de todos os homens
hodiernos.
A
sociedade ocidental, pode-se dizer até mesmo o planeta, tem se organizado de
forma a prescindir do mundo da vida, do universo simbólico das mais diferentes
culturas e submetendo as diversidades regionais, lingüísticas e culturais a um
impiedoso processo de ‘pasteurização’.
Isto decorre, indubitavelmente, da profunda fenda aberta entre Ética,
Política e Direito, decorrente daquela passagem da universalidade nomotética
para a universalidade hipotético-dedutiva.
Um
exemplo paradigmático, a nível planetário, desta situação pode ser a citação
que se segue sobre a compreensão atual
da forma das relações internacionais, segundo um texto da escola brasileira de
formação de diplomatas, o Instituto Rio Branco:
“A democracia política e a revisão dos modelos
econômicos fundamentados no
protecionismo desenvolvimentista
constituem pontos de partida para a nova trajetória dos países do
subcontinente. A integração a uma economia internacional que, simultaneamente,
se globaliza e se regionaliza em blocos implica a reorganização das funções do
poder público e o estabelecimento de objetivos diplomáticos capazes de promover
o crescimento industrial, a eficiência econômica e a competitividade. Os
acentuados desníveis sociais e a presença de massas imensas de excluídos representam desafios
suplementares, que condicionam as formas e as opções das políticas de reforma
econômica”[92].
Ou
seja, problemas candentes tais como o da
injustiça social, o desnível entre o Norte e o Sul do planeta, o alto nível de
desemprego constatado em grande parte da Terra, o narcotráfico, os regimes
políticos com vestígios ditatoriais e profundamente corroídos pela corrupção, a
fome, a miséria, o analfabetismo, o
fanatismo religioso, o terrorismo internacional, as guerras, o racismo, a
xenofobia dos países europeus, o problema demográfico, o risco de esgotamento
dos recursos naturais e os conseqüentes problemas ecológicos decorrentes desta
questão (os buracos da camada de ozônio, p. ex.) ... são problemas de natureza jurídica
e política, mas eminentemente ÉTICOS, mas que, para os legisladores e os
governantes das nações, têm se apresentado como problemas tangenciais e não
diametrais naquilo que se refere à elevação da vida dos sujeitos e dos cidadãos
às condições excelentes almejadas e ansiadas por todos que são membros de
Estado de Direito.
Tais
problemas não serão abordados em busca de uma solução enquanto tal soluçào não
for oportuna; e por oportuna entenda-se útil e lucrativa para alguma nação ou
instituição poderosa que retirará algum proveito daquela solução.
Nesta
sociedade dominada pela técnica e pela ciência, ocorre o “predomínio do funcional e do operacional,
que em termos antropológicos vem a ser a
primazia da relação de objetividade na forma da compreensão explicativa
da Natureza, na efetivação do ser-em-relação do homem moderno”[93], ou
seja, os critérios da utilidade, da eficácia, da produtividade (próprios da
relação de objetividade - relação do homem com o mundo das coisas - , da
relação do homem com a natureza técnico-científica) tornam-se os vetores das
relações entre os sujeitos. Trata-se pois, da redução do espaço intersubjetivo
àquilo que seria próprio e exclusivo do
espaço da relação de objetividade. Em tal
sociedade dirigida pelo mercado, na maioria das vezes, o sujeito é
reconhecido, em última instância pela
sua capacidade de consumo e pelo limite
de seu International Card.
Além
disso, a chamada globalização da economia criou e universalizou uma forma de
reconhecimento extremamente precária, a saber, o reconhecimento decorrente da
capacidade de aquisição e consumo, ou seja, o que faz com que alguém seja
“reconhecido” em qualquer lugar do mundo é o International Card que o capacita, em qualquer localidade do
planeta, a ter à sua disposição, serviços de saúde, hospedagem, lazer, seguro,
locomoção, alimentação, turismo, facilidades financeiras etc.
A
emergência de todo este quadro criou um tipo de reconhecimento intersubjetivo
extremamente precário, pois, regido pelos critérios oriundos daquela racionalidade
empírico-formal, ou hipotético-dedutiva, que valorizam apenas o quantificável,
o mensurável, o útil, o lucrativo, o eficiente e o eficaz, o rápido e o veloz.
Neste
sentido, uma sociedade sem Ética, é um templo sem altar, ou como no dizer de
Lima Vaz, uma spelunca latronum .
"uma civilização que
celebra a Razão, mas abandona a Metafísica e a Ética é semelhante, para lembrar uma
comparação de Hegel, a um templo sem altar; que outro destino lhe resta senão o
de tornar-se uma spelunca latronum (Mt
21,13)?"[94]
NOMOTÉTICA
|
HIPOTÉTICO-DEDUTIVA
|
Correspondência
entre a ordem cósmica e a ordem da cidade
sob
a soberania de uma mesma lei universal
que inspira as primeiras tentativas de definição de uma esfera do
Direito
e
da justiça à qual o homem deve elevar-se
para
libertar-se do mundo da violência e do caos148
|
Pensamento
ético, social e político submetido aos princípios epistemológicos e às regras
metodológicas da nova ciência da natureza, ciência de tipo
hipotético-dedutivo, e tendo a análise matemática como seu instrumento
privilegiado - paradigma da mecânica galileiano-newtoniana163/165
|
Cosmonomia
|
Autonomia
|
Relação
INTRÍNSECA entre Ética, Direito e
Política
|
Relação
EXTRÍNSECA entre Ética, Direito e
Política
Política como esfera independente da normatividade ética
e
freqüentemente oposta a ela147
|
Referência constitutiva da ação
política a uma tradição252
|
Mito do começo absoluto - sem
tradição
|
Política como arte e sabedoria
|
Política
como técnica racionalmente otimizada do exercício do poder 254
e 257
|
Política como PRÁXIS
é julgada pelos critérios da auto-realização do homem
ou do seu ser-em-razão-de-si-mesmo
|
Política como TECHNÉ,
ou como arte de persuadir e comandar
segundo os critérios da verossimilhança e da força157
|
MELHOR
CONSTITUIÇÃO
é a que defende as condições melhores para a prática da justiça258 |
MELHOR
CONSTITUIÇÃO
é a que garante mais eficazmente o exercício do poder258 |
Hierarquia de fins
|
Jogo de Forças
|
Ciência política tem
como objetivo definir a forma de racionalidade que vincula o livre agir do
cidadão à necessidade, intrínseca à própria liberdade, e portanto,
eminentemente ética, de conformar-se com a universalidade da justiça259
|
Ciência Política trabalha com hipóteses que permitem deduzir
um plano mais rigoroso para o
exercício eficaz do poder,
vem
a ser, para o domínio mais completo do espaço
onde as liberdades individuais podem mover-se258
|
Critérios do bem melhor e mais
perfeito
|
Critérios do útil e do eficiente265
|
NOMOTÉTICA
regida
pela razão do melhor: trata-se de legitimar o poder pela justiça na
perspectiva de uma teleologia do Bem e fazer assim, da vontade política, uma
vontade instauradora de leis justas
|
VONTADE
DE PODER
que
se impõe como constitutiva do político sem outra finalidade a não ser ela
mesma e sem outras razões legitimadoras senão as que podem ser deduzidas da
hipótese inicial da sua força soberana
|
Racionalidade Política
ordenadora de uma prática em vista de um FIM que é a justiça na cidade259
|
Racionalidade
Técnica
que obedece à racionalidade da causa eficiente e dos seus instrumentos, e que
esgota seu FIM na eficácia do seu exercício258
|
NOMOTÉTICA
|
HIPOTÉTICO-DEDUTIVA
|
Tempo qualitativo
|
Tempo quantitativo
|
Passado
e Presente como componentes estruturais de um TEMPO QUALITATIVO, que se
articulam dialeticamente para constituir o TEMPO HISTÓRICO, o tempo do ethos
ou da tradição20
|
Predomínio
do fazer técnico onde o TEMPO é
cálculo e previsão; o tempo se
distende todo na planificação e
domínio do FUTURO255
|
Ethos
que organiza qualitativamente o TEMPO PASSADO numa perspectiva axiológica em
cujo prolongamento - pela reiteração, pelo confronto ou pela transgressão -
deverão situar-se as opções ético-políticas do TEMPO PRESENTE253
|
Esvaecer-se
do horizonte da tradição em face do avançar do TEMPO QUANTITATIVO ao qual a
história-ciência parece submeter-se e que abre largo espaço para o niilismo
ético e político253
|
A
primazia do tempo quantitativo transfere do passado para o futuro a instância normativa do tempo ou o seu
centro de gravidade:
o que significa conferir ao tempo por vir os predicados axiológicos que asseguravam a exemplaridade do passado na formação do ethos tradicional20 |
|
História-tradição
|
História-ciência
|
Anterioridade
da comunidade na qual
o indivíduo encontra-se inserido |
Hipótese
do pacto social que reúne,
numa sociedade organizada, os indivíduos dispersos |
NATUREZA
é a physis na imutabilidade da sua ordem e fundamento de um nómos objetivo ao qual deve referir-se a práxis humana163 |
NATUREZA
como campo de fenômenos que se oferece à atividade conceptualizante e legisladora da razão e à atividade transformadora da técnica |
TRAGÉDIA
ANTIGA:
DESTINO que age sobre as liberdades do alto de um céu misterioso CAPRICHO DOS DEUSES258 |
POLÍTICA
MODERNA
FAZER na ordem da causalidade eficiente RAZÕES DO PODER258 |
Paradigmas dos modelos da escritura
da historia rerum gestarum
construídos sobre a pressuposição da ordem eterna do cosmos e da
exemplaridade das instituições, vidas e ações nas quais se contemplava o
reflexo dessa ordem na transitoriedade do tempo SEAF, 73
|
Novo tipo de narrativa histórica com
o aparecimento de clássicos da historiografia científica fazendo da história
o englobante de todo o nosso ser
|
A
questão fundamental da ANTIGA FILOSOFIA PRÁTICA no âmbito da vida social, era
a determinação dos requisitos essenciais que asseguram ao homem, como
cidadão, exercer na sociedade política os atos próprios da vida virtuosa ou
da vida ordenada para o bem da cidade163
|
A
tarefa primordial do PENSAMENTO MODERNO é propor uma solução analítica
satisfatória ao problema da associação dos indivíduos, tendo como alvo
assegurar a satisfação de suas necessidades vitais163
|
ARISTÓTELES,
Ética a Nicômaco, Brasília, Ed. UnB,
1992.
BARONI,
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_________________, Política e
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_________________, Religião e Sociedade nos Últimos
Vinte Anos (1965-1985) - Revista Síntese
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_________________, Democracia e Dignidade Humana
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PLATÃO, República, Lisboa, Fundação Calouste
Gulbenkian, 1993.
SUMÁRIO - I
ABREVIATURAS - II
TÍTULO - 1
OBJETIVO - 1
RESUMO - 2
0. INTRODUÇÃO - 2
1. CAPÍTULO PRIMEIRO:
O nascimento da Ética e a
universalidade nomotética - 4
universalidade nomotética - 4
2. CAPÍTULO SEGUNDO: A
Revolução Científica, a ruptura e a
universalidade hipotético-dedutiva -14
universalidade hipotético-dedutiva -14
3. CAPÍTULO PRIMEIRO:
O problema da crise ética e o exercício da advocacia - 20
CONCLUSÃO - 35
ANEXO - 43
BIBLIOGRAFIA - 46
ÍNDICE ANALÍTICO - 48
[1] . fuvsi",
ew"
s.f. (fuvw)
|| natureza ou maneira de ser de uma coisa || forma do corpo, natureza da alma ||
disposição natural, condição natural || força produtora || substância das
coisas || ser animado. DGP. - Neste texto
serão encontradas algumas palavras em grego. As únicas que terão sua
significação retirada do dicionário e aqui apresentada serão aquelas presentes
nesta seção dos preliminares semânticos. As outras que estiverem em itálico
estarão transcritas no grego que utiliza o alfabeto latino, com a sua redação
no alfabeto grego colocada entre parênteses.
[2] . h\qo",
eo", ou
ou"
s.n. || morada, estância, residência || falando de
animais; estrebaria,
curral || uso costumes || maneiras de ser, caráter. DGP.
[3] . pra'xi",
ew", s.f.
(pravssw) I.
|| acção,
acto || actividade, exercício || execução, realização || empresa, empresa
pública (política, de guerra) || comércio, negócio || reivindicação, manejo,
intriga. II.
|| maneira
de obra, conduta || maneira de ser, situação, sorte, fortuna, destino ||
resultado, conseqüência. DGP.
[4] . EF
II p. 11.
[5] . lovgo",
ou, s.m.
(levgw) || palavra || dito ||
revelação divina || razão inteligência || senso comum || a razão de uma coisa
|| explicação || N.T. O Verbo de Deus. DGP.
[6] . EF II p. 11.
[7] . EF II p. 13.
[9] . e{xi",
ew"
s.f. (e[xw)
|| boa constituição do corpo || estado de alma, hábito
|| capacidade, faculdade || experiência. DGP.
[11] . EF
II p. 15.
[12] . EF
II p. 16.
[13] . EF
II p.146. “Nomotética se diz propriamente da arte de legislar. Nomothétes
é o legislador. Aqui aplicamos analogicamente o termo a uma ordem objetiva que
se põe como lei e é, como tal, apreendida pela razão”.
[14] . EF II p.148.
[15] . EF II p.148.
[16] . EF II p.259.
[17] . EF II p.265.
[18] . EF II p.149.
[19] . EF II p.158.
[20] . EF II p.146.
[21] . JAEGER, H. Les fondements du droit, in Encyclopédie Philosophique Universelle,
L'Univers Philosophique, p.180. "Le
droit naturel, c'est ce que la nature a appris à tous les êtres animés ; en
effet, ce droit n'est pas propre au genre humain, mais il est commun à tous les
être animés Qui naissent sur terre, et dans la mer, et aussi aux oiseaux".
[22] . EF
II p.155.
[23] .
JAEGER, W. Paidéia - A formação do homem grego (LIMHN
PEFUKE PASI
PAIDEIA BROTOIS), SP, Martins
Fontes, 1995, p. 144.
[24] . ibidem,
p. 144.
[25] . SNF, n.42,
pp.5-12; SNF, n.39, pp.5-10.
[26] . EF III p.132.
[27] . SNF, n.42,
p.10.
[28] . EF II p.148.
[29] . EF II p.255.
[30] . EF II p.252.
[31] . EF II p.157
[32] . EF II p.259.
[33] . EF II p.259.
[34] . EF II p.146.
[35] . GOYARD-FABRE, S., H. La philosophie du droit, in Encyclopédie Philosophique Universelle,
L'Univers Philosophique, p.174. "Le droit véhicule, donc par nature, une exigence d'ordre. Elle en est l'âme, à la foi son
principe et sa fin. Cependant, reconnaître au droit une telle
finalité ne suffit pas à elucider le concept. S'il est vrais en effet que
l'ordre est la fin du droit, de quel ordre s'agit-il? Le droit est-il le reflet ou la réplique de l'ordre
cosmique - auquel cas il participerait, comme le disait Aristote, de la
necessité naturelle en quoi il trouverait ontologiquement sa vérité?"
[36] . MATA MACHADO, E.de G., Elementos
de Teoria Geral do Direito - Introdução ao Direito, Belo Horizonte, Editora
UFMG, 1995, p.77.
[37] . GOYARD-FABRE, S., H. La philosophie du droit, in Encyclopédie Philosophique Universelle,
L'Univers Philosophique, p.174. "Ou
bien résulte-t-il (le droit), comme l'exposait saint Thomas, du système
descendant des lois : lex aeterna, lex
naturalis, lex humana, dans lequel, de proche en proche, l'une est source
de l'autre qu'elle inspire et guide? Alors, l'ordre juridique ne serait ordre que par sa subordination à la loi du Créateur".
[38]. LENOBLE, R. -L’Origine de la Pensée Scientifique Moderne, in Histoire de la Science -
Encyclopédie de la Plêiade, Paris, 1957, Gallimard, pp. 376 e 424
[39].
ibidem, p. 376
[40].
ibidem, p. 443
[41].
ibidem, p. 483
[42].
ibidem, p. 485
[43]. Ofuscado pela luz de
tamanha descoberta, Descartes pensava ser um “favorecido do céu”, e para
agradecer tal “iluminação mística” foi em peregrinação a Notre Dame de Lorette
para dar ação de graças por esta revelação.
[44].
ibidem, p. 491
[45]. Um exemplo interessante de
convenção é a respeito do tempo. Um segundo corresponde a 9 192
631 770 períodos de radiação produzidos
pela transição entre dois níveis “hiper-finos” do estado fundamental do átomo
de Césio 133. Temps - Encyclopédie Universallis.
[46].
LENOBLE, R. -L’Origine de la Pensée Scientifique Moderne, in Histoire de la Science - Encyclopédie de
la Plêiade, Paris, 1957, Gallimard, p. 494
[47].
ibidem p. 495
[48].
ibidem p.499
[49].
ibidem p. 499
[50].
ibidem p. 500
[51] .
COPÉRNICO, Nicolau, As Revoluções dos Orbes Celestes, 2ª Edição Lisboa, F. Calouste
Gulbenkian, 1996, pp.37-43 (capítulos VII e VIII).
[53] . AF
II p.25.
[54] . AF
II p.25.
[55] . É
porque acreditavam na tese de que tudo é permitido que Ivan matou o pai e
Raskolnikóf matou as duas senhoras idosas. Contudo para Dostoiévski, o autor de
“Os
Irmãos Karamazóv” e “Crime e Castigo”, nem tudo é
permitido. Por isso Ivan é punido com a loucura e Raskolnikóf com a prisão num
campo de trabalhos forçados.
[56] . EF II p.163.
[57] . EF II p.162.
[58] . EF
II p.163.
[59] . No seu discurso de posse do novo ministério, em 19 de julho
de 1999, o Presidente Fernando Henrique Cardoso, ao elogiar vários de seus
ex-ministros que saíam do cargo e apresentar e congratular os que tomavam posse
no cargo, dizia que fulano ou beltrano é um excelente TÉCNICO.
[60] . EF II p.178.
[61] . EF II p.171.
[62] .
Cf. Anexo: Gráfico 2iQuadro comparativo
das universalidades nomotética e hipotético-dedutiva.
[63] . AF II p.197.
[64] . EF II p.147.
[65] . EF
II p.136.
[67] . EF
II p.140.
[68] .
CALAMANDREI, P., Eles, os juízes, vistos
por um advogado, SP, Martins Fontes,1998, p. 138.
[69] . FERRAZ JR., Tércio Sampaio, Introdução ao Estudo do Direito -
Técnica, Decisão, Dominação, SP, Atlas, 1994, p. 27. Vale lembrar que no mesmo
discurso do Presidente Fernando Henrique Cardoso, ao despedir-se do ex-ministro
da Justiça, o sr. Renan Calheiros, e falar de seu empenho na defesa do cidadão,
por duas vezes, o presidente utilizou o termo CONSUMIDOR para substituir o
termo CIDADÃO. Imagine-se a significação do termo CIDADÃO reduzida à condição
de CONSUMIDOR!!. Só é cidadão quem consome, quem possui um International Card, contas correntes em vários bancos, três
passaportes cheios e um programa de milhagens com bônus suficientes para fazer
Paris-Nova York pelo menos duas vezes ao ano de graça? Não se está aqui
criticando o discurso do Presidente. Este comentário quer apenas ratificar e
exemplificar como a tendência à coisificação do real está amplamente disseminada, e que poucos
conseguem escapar desta forma de compreender a realidade.
[70] . SNF, n.49,
p.12.
[72] . SNF, n.49,
p.13.
[73] . SNF, n.49,
p.13.
[74] . EF II p.36-40.
[75] . EF III p.132. Cf. Gráfico 1: Dialética da constituição
do ethos: dialética do mensurante-mensurado.
[76] . EF III p.133.
[77] . EF III p.133.
[78] . EF
III p.134.
[79] .
Uma metáfora perfeita desta situação é a cena das Aventuras do Barão de
Münchausen na qual ele mesmo se levanta, a si próprio, puxando os seus próprios
cabelos.
[80] . EF
III p.134.
[81] .
FERRAZ JR., idem, p. 28.
[82] . ibidem, p. 28.
[83] . EF
III p.134.
[84] . EF III p.135.
[85] . EF III p.144.
[86] . EF III p.147.
[87] . EF III p.172.
[88] . EF III p.174.
[89] . EF III p.126.
[90] . EF III p.117.
[91] . EF III p.117.
[92]. MAGNOLI, D., Questões contemporâneas
Internacionais, FUNAG/ Instituto Rio Branco, Brasília, 1995, p. 166
[93]. AF II p.55.
[94] . EF II p.8.
[95] . EF
III p.132.
[96] . Os
números no interior das células do quadro indicam as páginas do livro EF II.
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