quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

A Refutação do Essencialismo em Popper e o Mundo 3 - EPISTEMOLOGIA - RUBENS GODOY SAMPAIO

A Refutação do Essencialismo em Popper e o Mundo 3 

UFMG
Belo Horizonte - 1995



Universidade Federal de Minas Gerais
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
Departamento de Pós-graduação em Filosofia (Mestrado)
Linha de Pesquisa: Filosofia Social e Política
Disciplina: (Fil704) - Epistemologia
Professor: Ricardo V. Fenati
Aluno: Rubens Godoy Sampaio
Belo Horizonte, Junho de 1995
NOTA: 100



Sumário
Introdução
O Realismo Platônico
A Refutação de Popper ao Essencialismo
Os Mundos de Popper
A refutação do essencialismo é compatível com a proposição do Mundo 3?
Apêndices I e II
Bibliografia
Anexos


Introdução

Neste semestre, o autor deste texto frequentou três cursos no Departamento de Pós-graduação da FAFICH.  Dois dentre estes cursos referiam-se diretamente a temas epistemológicos. No entanto, suas perspectivas foram exatamente opostas. No Curso T.E. em Idealismo Alemão - Leitura Comentada de Textos  Selecionados da Crítica da Razão Pura (Prof. José. H. dos Santos) a perspectiva foi a de um idealismo absoluto, segundo o qual o REAL é construído pelo homem; ou seja, a passagem da consciência de si à consciência do objeto realiza-se através da construção do objeto, da construção do real pela consciência. Portanto, uma posição claramente anti-realista.
Neste Curso de Epistemologia, a orientação platônica da disciplina apresentou um posicionamento evidentemente realista, sobretudo em função do texto adotado, a saber, o Teeteto.
Seguindo, pois, a orientação do curso, que inclusive aproxima-se muito mais do projeto de pesquisa do autor deste trabalho,  este texto percorrerá  as seguintes etapas:
1. Breve apresentação da Teoria Platônica das Idéias. Nesta seção serão apresentadas as características principais da Teoria das Idéias que permitam destacar os pontos de semelhança e diferenças entre o Mundo Platônico das Idéias e o Mundo 3 de K. Popper.
As fontes bibliográficas fundamentais para a elaboração desta seção serão a História da Filosofia Antiga de Giovanni Reale[1] e as anotações do Curso de Filosofia Antiga ministrado pelo Prof. Henrique Cláudio de Lima Vaz.
Esta parte do trabalho será breve, sobretudo pelo fato de o autor deste texto  já ter apresentado neste semestre e nesta mesma disciplina um texto  sobre a ESSÊNCIA em Platão.
2. A refutação de Popper ao essencialismo. Esta seção terá como bibliografia básica o terceiro capítulo do livro Conjecturas e Refutações: Três Pontos de Vista sobre o Conhecimento Humano.[2]
3. Apresentação dos 3 mundos de Popper com destaque ao MUNDO 3. O objetivo principal desta seção será  realçar os elementos constituintes deste MUNDO 3 que se assemelham a algumas características, também fundamentais, do MUNDO PLATÔNICO.
As fontes desta etapa do trabalho serão alguns capítulos dos seguintes textos: Conhecimento Objetivo (Cap. 3 - Epistemologia Sem  Sujeito Conhecedor - Cap. 4 Mente Objetiva)[3], O Eu e Seu Cérebro (Capítulo P2 - Os Mundos 1, 2 e 3 - Seções 10-15)[4] e O Cérebro e o Pensamento  (Diálogos I, III e XI).
4. (Conclusão) Tentativa de resposta à seguinte questão colocada pelo professor desta disciplina: A refutação do Essencialismo em Popper é coerente com sua proposição do Mundo 3?
Figura 1

O Realismo Platônico

A idéia platônica não é “um conceito, uma representação mental, um pensamento”[5]; não é algo que esteja referido aos planos psicológico e noológico. Para Platão a Idéia “constitui o objeto específico do pensamento, para o qual o pensamento está voltado de maneira pura, aquilo sem o qual o pensamento não  seria pensamento”. Não se trata pois, de um “puro ser de razão e sim um ser, e mesmo aquele ser que é, absolutamente, o ser verdadeiro. A Idéia platônica indica a  forma interior, a natureza específica da coisa, a essência da coisa”[6] a estrutura metafísica de natureza inteligível.
Estas Idéias são captadas, apreendidas apenas através de um “ver intelectivo”[7].
Seguem-se as seis características  metafísico-ontológicas das Idéias platônicas, segundo G. Reale[8].
·      a inteligibilidade (a Idéia é, por excelência, objeto da inteligência e só com a inteligência pode ser captada);
·     a incorporeidade (a Idéia pertence a uma dimensão totalmente diversa do mundo  corpóreo sensível);
O inteligível platônico só pode ser captado pela inteligência; jamais pelos sentidos. Portanto, disto decorre a natureza incorpórea da Idéia platônica.
·     o ser no sentido pleno (as Idéias  são o ser que é verdadeiramente);
Trata-se pois de um ser absoluto. Apenas o ser verdadeiro pode ser  verdadeiramente cognoscível. Este caráter de ser absoluto  das Idéias ocorre para que se possa explicar verdadeiramente o vir-a-ser; ou seja, as próprias Idéias não podem estar sujeitas a este vir-a-ser “mas devem ter como próprio delas aquele ser que o vir-a-ser, não tendo como seu, deve como que pedir emprestado e receber”[9].
·     a imutabilidade (as Idéias são imunes a todo tipo de mudança e não só ao nascer e ao perecer);
·     a perseidade (as Idéias são em si e por si, i.e., absolutamente objetivas);
A Idéia, causa verdadeira que explica o que muda, não pode mudar ela mesma, pois do contrário não seria a “verdadeira causa”, não seria a razão última[10]. Para Platão não se pode explicar o sensível pelo sensível e o mutável pelo mutável
·     a unidade (cada Idéia é uma unidade e unifica a multiplicidade das coisas que dela participam).
A respeito da unidade, Platão afirma que o filósofo é aquele que “sabe ver o conjunto e sabe captar a multiplicidade na unidade”[11]. “Se há muitos homens e cada um é essencialmente homem e se há algo que se atribui a cada um e a todos os homens sem ser idêntico a nenhum deles, então é necessário que  haja, além de cada um deles, algo separado deles e eterno, e que exatamente enquanto tal se possa predicar de modo idêntico, de todos os homens numericamente diferentes. Justamente esse ‘uno que está além dos muitos’ e que os transcende e é eterno, é a Idéia”[12].

Segundo Reale, as Idéias platônicas caracterizam-se por uma objetividade absoluta. E esta objetividade fixou-se em oposição às formas de relativismo trabalhadas neste curso: o relativismo de origem heraclitiana que proclama o fluxo perene e a radical mobilidade de todas as coisas; e o relativismo sofístico-protagoriano que reduzia toda realidade e ação a algo puramente subjetivo, constituindo o sujeito como medida e o critério de verdade de todas as coisas[13].
Em última análise, com sua Teoria das Idéias Platão quis dizer o seguinte: “o sensível se explica somente com a dimensão do supra-sensível, o corruptível com o ser incorruptível, o móvel com o imóvel, o relativo com o absoluto, o múltiplo com o uno”[14].


A Refutação de Popper ao Essencialismo

No texto Três Pontos de Vista sobre o Conhecimento Humano[15]  Popper quer defender o ponto de vista de Galileu sobre a ciência. Por sua vez, Galileu é platônico e sua filosofia da ciência pode ser resumida, segundo Popper em 3 doutrinas básicas.
1. O cientista deve procurar uma teoria verdadeira que descreva o mundo (especialmente suas regularidades  ou “leis”)  e explique os fatos observáveis;
2. O cientista é capaz de demonstrar a verdade destas teorias além de qualquer dúvida razoável;
3. As melhores teorias, as verdadeiramente científicas descrevem as “essências” das  coisas - sua “natureza  essencial”, realidades que existem por trás das aparências[16].
Popper  aceita a primeira doutrina, corrige a segunda[17] e rejeita a terceira.
Galileu acredita na possibilidade de se alcançar uma explicação definitiva para a realidade, acredita que seja possível alcançar a essência das coisas. Tal posição Popper  a classifica  como essencialista. Segundo a doutrina essencialista, (em última análise de procedência platônica) a tarefa dos cientistas é, através  das teorias, buscar as explicações últimas. Alcançar uma explicação última significa  ser detentor de uma explicação definitiva, a qual não necessitará jamais de explicações ulteriores e complementares.
Popper está em total desacordo com esta doutrina essencialista. Para Popper o essencialismo é um ERRO. Mas é bom precisar que a doutrina essencialista contestada por Popper é a doutrina segundo a qual “a ciência busca uma explicação definitiva”- isto é, “uma explicação  que, essencialmente, pela sua própria natureza não possa ser ampliada, que não exija  explicações adicionais”[18].
Com tal posicionamento Popper não quer estabelecer a inexistência das essências. Pois existam ou não, o importante para Popper é demonstrar que “a crença nelas não nos ajuda de nenhum modo; na verdade pode prejudicar-nos; por isso não há qualquer razão para que o cientista presuma sua existência”[19].
Neste momento Popper explicita que o seu interesse é o problema do método - “que é sempre um problema de adequação de meios a fins”. Pois sua crítica à doutrina da explicação definitiva (essencialista) tem sido objetada com a observação de que o próprio  Popper, inconscientemente, trabalha com a idéia de uma essência da ciência ou do conhecimento humano, ou seja, “o fato de que não possamos conhecer, ou buscar, coisas como as essências ou naturezas é um fato que pertence à essência ou à natureza da ciência humana”[20]. Para Popper esta objeção à sua teoria está resolvida na Lógica da Pesquisa Científica[21]. Não seria pertinente buscar a verificação disto que pode se apresentar como uma contradição no pensamento popperiano, pois tomar-se-ía distância da questão que já foi colocada no início do trabalho (a refutação do essencialismo é coerente com a proposição do Mundo 3?) e dirigir-se-ía a atenção deste texto para outro problema diferente da questão inicial.
Tomando-se pois, como pressuposto de que a objeção supracitada não invalida a refutação do essencialismo e que Popper  realmente consegue resolvê-la em seu livro Lógica da Pesquisa Científica, o que se mantém como objeto de nossa investigação é, após ter debruçado-se sobre a apresentação do Mundo 3, a verificação da compatibilidade entre a refutação do essencialismo e o Mundo 3.
Em última análise a refutação de um  essencialismo estático deve-se aos problemas que tal doutrina pode causar para o desenvolvimento da ciência e para a postulação de problemas e questões novos e mais férteis.

Os Mundos de Popper e a Epistemologia

Nesta teoria sobre os Três Mundos de Popper, o interesse deste estudo recai justamente sobre o MUNDO 3.
No entanto, antes de chegar ao Mundo 3, far-se-á uma brevíssima descrição dos Mundos 1 e 2.
MUNDO 1 -  mundo de objetos físicos ou de estados materiais.
MUNDO 2 - mundo de estados de consciência  ou de estados mentais, ou talvez de disposições comportamentais.
MUNDO 3 - mundo de conteúdos objetivos de pensamento, especialmente de pensamentos científicos e poéticos e de obras de arte; semelhante ao Mundo das Idéias de Platão e ao Espírito Objetivo de Hegel; semelhante ao universo de proposições em si mesmas de Bolzano; e semelhante ao universo de conteúdos objetivos de pensamento de Frege. Os habitantes do Mundo  3 são sistemas teóricos, problemas e sistemas de  problemas, argumentos críticos, o estado de uma discussão, ou o estado de um argumento crítico, conteúdos de revistas, livros e bibliotecas.

Figura 2

A passagem de um Mundo para o outro não é linear e unidirecional como na Figura 3. Os 3 Mundos agem e reagem uns sobre os outros, havendo, inclusive, uma forte retroação do Mundo 3 sobre os Mundos 2 e 1 respectivamente. Primeiramente Popper afirmara que esta ação do Mundo 3 sobre o Mundo 1 só seria possível pela mediação do Mundo 2 (Figura 4). No entanto, no texto O Cérebro e o Pensamento[22]Popper dará exemplos de interação entre os Mundos 1 e 3.



Figura 3
Figura 4



A EPISTEMOLOGIA  é a teoria do conhecimento objetivo. E este conhecimento objetivo situa-se no interior do Mundo 3. Portanto é uma realidade autônoma. Assim o conhecimento no sentido objetivo é conhecimento sem  sujeito conhecedor, é conhecimento sem que o sujeito conheça. Esta é a tese forte do pensamento popperiano. Mas para esclarecer melhor este ponto, seguem-se 3 teses principais, as quais foram defendidas no capítulo 3 de  Conhecimento Objetivo[23]:
·      1ª TESE - (negativa) -  a concentração dos esforços da epistemologia tradicional sobre o MUNDO 2  é totalmente irrelevante, pois epistemologia é a teoria do conhecimento científico. E o conhecimento científico habita o MUNDO 3. Há dois sentidos diferentes de conhecimentos ou pensamentos: “1. conhecimento ou pensamento no sentido objetivo, constituído de um estado de espírito ou de consciência ou de uma disposição para reagir, e 2. conhecimento ou pensamento num sentido objetivo, constituído de problemas, teorias e argumentos como tais. Neste sentido o conhecimento é totalmente independente de qualquer  alegação de conhecer que alguém faça”.  Neste sentido o que existe é epistemologia sem sujeito conhecedor.
·     2ª TESE - (positiva) - o relevante para a epistemologia “é o estudo de problemas científicos e situações de problemas, de conjecturas científicas”[24].
·     3ª TESE - (positiva) - o estudo de um  MUNDO 3  de conhecimento objetivo amplamente autônomo  é de importância decisiva para a epistemologia.
Além destas teses principais seguem-se 3 outras teses de apoio que apontam  diretamente para o interesse deste trabalho e referem-se exclusivamente ao MUNDO 3.
·     1ª TESE de apoio - O Mundo 3 é um produto natural do homem comparável a uma teia de aranha.
·     2ª TESE de apoio - O Mundo 3 é amplamente autônomo, apesar de ser produto humano; e retroage sobre os Mundos 1 e 2.
·     3ª TESE de apoio - O Mundo 3 cresce e progride; o conhecimento objetivo aumenta e é constantemente incrementado, complexificado, desenvolvido. E isto ocorre de forma análoga ao crescimento  biológico, isto é, analogamente à evolução de plantas e animais[25].

Popper aborda o seu Mundo 3 a partir de analogias da biologia e da vida animal. E a partir daquilo que Popper  chama de abordagem evolucionária do Mundo 3, ele reformula as suas 3 teses principais:
·     Na situação de problemas atuais em Filosofia, poucas coisas são tão importantes como a consciência da  distinção entre as duas categorias de problemas de produção, por um  lado e problemas ligados às próprias estruturas produzidas, por outro lado.
·     A categoria de problemas concernentes aos produtos em si mesmos é mais importante do que a categoria dos problemas de produção.
·     Os problemas da segunda categoria são básicos para compreender os problemas de produção; ou seja, pode-se apreender mais sobre a produção estudando os seus produtos, do que a produção propriamente falando[26].
Na aplicação ao conhecimento, as teses são formuladas do seguinte modo[27]:

·     “1. Devemos constantemente ter consciência da distinção entre problemas ligados a nossas contribuições pessoais à produção de conhecimento científico de um lado e problemas ligados à estrutura dos vários produtos, tais como teorias científicas ou argumentos científicos, do outro lado.
·     2. Devemos verificar que o estudo dos produtos é vastamente mais importante do que o estudo da produção, mesmo para uma compreensão da produção e de seus métodos.
·     3. Podemos aprender, acerca da heurística e da metodologia e até a respeito da psicologia da pesquisa, estudando teorias apresentadas pró e contra elas, mais do que por qualquer abordagem direta behaviorista ou psicológica ou sociológica. De modo geral, podemos aprender muito a respeito do comportamento e da psicologia do estudo dos produtos”[28].
Todo este trabalho de aperfeiçoamento de suas teses está em função da tentativa de demonstrar a AUTONOMIA e a OBJETIVIDADE do MUNDO 3 e refutar a abordagem do conhecimento segundo a qual um livro não é um livro sem leitor. Todo livro, além de ser habitante do Mundo 1, por ser um objeto físico, “contém conhecimento objetivo, Verdadeiro ou Falso, útil ou inútil” e isto  independe da leitura de algum homem. Um livro depois de colocado numa estante, pode nunca mais ser lido ou passar anos sem que alguém se interesse por ele. No entanto “é sua possibilidade ou potencialidade de ser entendido, seu caráter disposicional de ser compreendido ou interpretado que faz de alguma coisa um livro”[29].
O exemplo preferido de Popper para provar a objetividade e a autonomia do Mundo 3 é o exemplo do conjunto dos números naturais.  A seqüência dos números naturais foi criada pelos homens, mas a distinção  entre pares, ímpares e primos é conseqüência inevitável e independente da parte do criador do mundo dos números naturais.
E devido à autonomia do Mundo 3 e à retroação deste para com o Mundo 2 e para com o Mundo 1, ocorre o importante  fato do crescimento do conhecimento.
Tendo pois, percorrido todos os passos de Popper neste seu trabalho de refinamento e de aperfeiçoamento de suas teses, em busca da afirmação da objetividade e da autonomia do Mundo 3  pode-se, agora,  colocar  de um lado o Mundo 3 (e particularmente as teorias científicas) e de outro lado o Mundo Platônico, para que se possa estabelecer uma comparação entre estes 2 universos filosóficos.
A apresentação desta comparação entre Popper e Platão tem como objetivo unicamente apresentar a possibilidade de se elaborar um paralelo entre o  que possa haver de semelhante e de diferente entre as proposições platônica e popperiana.
Este trabalho comparativo ou sinóptico será feito a partir daquelas seis característica atribuídas às Idéias platônicas  por Giovanni Reale[30].


PLATÃO
M. DAS IDÉIAS
POPPER
MUNDO 3
INTELIGIBILIDADE
A Idéia é, por excelência, objeto da inteligência e só com a inteligência pode ser captada
A Teoria Científica, criada pelo cientista fornece a inteligibilidade e a compreensão do fenômeno, do real
INCORPOREIDADE
A Idéia pertence a uma dimensão totalmente diversa do mundo  corpóreo sensível
As Teorias Científicas são realidade parcialmente incorpóreas porque são realizações da mente humana, são de natureza abstrata. No entanto encontram-se registradas em livros, disquetes, computadores...Portanto, diversamente de Platão, elas possuem uma certa participação do Mundo 1, do mundo físico, do mundo corpóreo


SER NO SENTIDO PLENO
As Idéias  são o ser que é verdadeiramente
As Teorias Científicas não podem ser consideradas SER NO SENTIDO PLENO porque não são eternas. Elas podem ser transformadas, aperfeiçoadas, falsificadas e até mesmo rejeitadas e consequentemente destituídas de seu ser ou da inteligibilidade que antes, ela oferecia à realidade..



IMUTABILIDADE
As Idéias são imunes a todo tipo de mudança e não só ao nascer e ao perecer
O falsificacionismo caracteriza-se justamente pela mutabilidade das Teorias  Científicas. Só é possível uma boa teoria se ela for  passível de falsificação e portanto, capaz de ser modificada, melhorada ou mesmo rejeitada o que é impensável para uma idéia platônica.
PERSEIDADE
As Idéias são em si e por si, i.e., absolutamente objetivas
As Teorias Científicas  e alguns outros elementos constitutivos do Mundo 3, tal como o conjunto dos números naturais, possuem uma autonomia que os fazem independente do seu criador.
UNIDADE
Cada Idéia é uma unidade e unifica a multiplicidade das coisas que dela participam
Cada Teoria Científica constitui um modelo explicativo de determinados conjuntos de fenômenos. Não há uma Teoria  que explique a totalidade do real. Toda Teoria fornece uma explicação parcial. Sempre há fenômenos que não conseguem ser abarcados numa Teoria Científica. Portanto existe a unidade nas Teorias Científicas, na medida em que elas tentam unificar um determinado conjunto de acontecimentos. No entanto, esta UNIDADE não é total. Porque as Teorias  que temos não conta do todo mas apenas de partes do todo[31].

A refutação do essencialismo é compatível com a proposição do Mundo 3?

Após esta comparação pode-se dizer que  Popper rejeita o essencialismo estático justamente por causa das características da imutabilidade e da plenitude de ser. A propósito da inteligibilidade, da incorporeidade, da perseidade e da unidade, é válido afirmar que tais características do Mundo Platônico, de alguma forma, participam do Mundo 3 de Popper.
Deste mesmo quadro sinóptico infere-se que a doutrina platônica é necessariamente estática. E é contra esta estaticidade e tudo que esteja relacionado com ela que  Popperdirige suas críticas. Como já foi dito, para Popper, este essencialismo estático é prejudicial ao desenvolvimento científico. É necessário que haja a possibilidade do crescimento do conhecimento, do desenvolvimento da ciência. E para tanto Popper cria o  Mundo 3 que  compartilha de algumas das características do Mundo Platônico, mas que, devido à sua autonomia, é capaz de desenvolver, crescer e progredir.
Portanto,  parece  ao autor deste trabalho que a resposta à questão desta seção pode ser positiva. Sobretudo pelo fato de que a refutação de Popper decorre de um aspecto unicamente metodológico. Ou seja, do ponto de vista do método, convém que o essencialismo seja refutado, para que a ciência possa caminhar e progredir. Como ele mesmo já disse não é seu interesse saber se há ou não  essência. Mas fazer a ciência progredir  em busca de teorias  mais verossímeis e mais corroboradas e que expliquem o maior número de fenômenos da  forma mais simples possível.





APÊNDICE I

O trabalho sobre Popper e a questão da essência em Platão e Popper foi uma opção decorrente da possibilidade de uma ligação com o projeto de pesquisa do autor.
Para ser mais preciso, o tema deste trabalho não aponta para uma ligação ou uma relação direta e explícita entre os temas aqui tratados e o projeto de pesquisa.
O conteúdo deste  trabalho implica num  enriquecimento a respeito de assuntos tais como a questão da VERDADE e da ESSÊNCIA  que se encontram presentes na obra de Henrique Cláudio de Lima Vaz a partir de uma perspectiva não epistemológica mas antropológica. Para Vaz,  a experiência da verdade constitui o 1º momento da pré-compreensão da categoria relacional de Transcendência. E  ao elaborar este momento em sua Antropologia, Vaz é totalmente platônico.
Sobre a questão da ESSÊNCIA, Vaz coloca no ápice de sua Antropologia  a categoria unificadora de PESSOA, também designada como categoria de ESSÊNCIA.  E neste momento ele explícita o que entende por essência[32].
Portanto o tratamento epistemológico dado a estas questões (ESSÊNCIA E VERDADE), neste curso e na bibliografia utilizada pelo autor deste trabalho, é muito enriquecedor para  a ulterior pesquisa, destes mesmos temas, que partirá da perspectiva  antropológica e social.




APÊNDICE II

Também vale assinalar que  apesar das várias leituras dos textos de Popper, a leitura do livro “A Estrutura das Revoluções Científicas” fez com que o autor se inclinasse mais para a posição de Kuhn do que para a posição de Popper a respeito do processo  do desenvolvimento das ciências.
Ainda que o escopo de estabelecer um limite  diferenciador do que seja ou não conhecimento científico, ou do que seja uma boa ou má teoria científica, tenha alcançado credibilidade através do falsificacionismo, quanto à questão do desenvolvimento científico, à questão do abandono de velhas teorias científicas e a adesão aos novos paradigmas, parece que a teoria de Kuhn seja mais verossímil e mais realista. Pois o processo de adesão aos novos paradigmas científicos não parecem ocorrer simplesmente porque um outros aspectos desta ou daquela teoria foi falsificado ou não foi corroborado, veja-se o exemplo da descoberta de Netuno[33].



Bibliografia*


ALVES, R. Filosofia da Ciência - Introdução ao jogo e suas regras, SP, Ed. Brasiliense, 1993, 17ª ed., 210 pp.
DIÈS, A., Notice, in PLATON, Œuvre Complète, Sofiste, Tome VIII - 3e partie, Paris, Les Belles Lettres, 1950.
DIÈS, A., Notice, in PLATON, Œuvre Complète, Théétète, Tome VIII - 2e partie, Paris, Les Belles Lettres, 1950, pp.119-155.
FREIRE-MAIA, N. - A Ciência por Dentro,  Petrópolis, Ed. Vozes, 1991, 262 pp.
HUSSERL, E. - L’Origine de la Géometrie, Paris, PUF, 1962, pp. 173-215 - Trad. et Introd. par Jacques Derrida, 220 pp.
KANT, I. - Crítica da Razão Pura, Lisboa, Ed. Calouste Gulbenkian, 3ª edição, 1994, trad. Manuela  Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão, 706 pp.
KUHN, T. S. - A Estrutura das Revoluções Científicas, Col. Debates - Ciência , São Paulo, Ed. Perspectiva, 1994, 257pp.
LENOBLE, R. -L’Origine de la Pensée Scientifique Moderne,  in Histoire de la Science - Encyclopédie de la Plêiade, Paris, 1957, Gallimard, pp. 369-534*
NEWTON, I. - Princípios  Matemáticos de FilosofiaCol. Os Pensadores - XIX,  Abril, SP, 1ª ed., 1974*
PHILONENKO, A.- L’Œuvre de Kant - La Philosophie Critique - Tome I -  La Philosophie Pré-critique et la Critique de la Raison Pure, Paris, J. Vrin, 1969, 356 pp. *
PLATON, Œuvre Complète, Sofiste, Tome VIII - 3e partie, Paris, Les Belles Lettres, 1950, pp. 301-391
PLATON, Œuvre Complète, Théétète, Tome VIII - 2e partie, Paris, Les Belles Lettres, 1950, pp.156-263
POPPER, K.R. - Conhecimento Objetivo - Uma Abordagem Evolucionária, B. Horizonte, Ed. USP/ Ed.Itatiaia, 1975, 108-179
POPPER, K.R. - Conjecturas e Refutações - Brasília, Ed. UNB, 2ª ed., 1982, 125-146
POPPER, K. R. e ECCLES, J. C.  - O Eu e Seu Cérebro, São Paulo/Brasília, Ed. Papirus, 1977, 512 pp.
POPPER, K. R. e ECCLES, J. C.  - O Cérebro e o Pensamento, São Paulo/Brasília, Ed. Papirus, 1977, 171 pp.
VUILLEMIN, J. - L’Héritage Kantien et la Revolution Copernicienne - Fichte - Cohen - Heidegger, (Deuxième Partie - Le Principe des Grandeurs Intensives - Herman Cohen - pp.132 - 208, Paris, PUF, 1954, 310 pp. *

Bibliografia Consultada
BRUNET, P. - La science dans l’Antiquité et le Moyen Age, in Histoire de la Science - Encyclopédie de la Plêiade, Paris, 1957, Gallimard, p. 272. *
CARAÇA, B. de Jesus - Conceitos fundamentais de matemática, Lisboa, 1941, 179-227 pp. *
DAUMAS, M. (org) - Histoire des Sciences, Encyclopédie de la Plêiade, Paris, Gallimard, 1957, 1910 pp. *
DAUMAS, M. - Esquisse d’une Histoire de la Vie Scientifique, in Histoire de la Science - Encyclopédie de la Plêiade, Paris, 1957, Gallimard, pp. 1-192*
DAUMAS, M. - Préface, in Histoire de la Science - Encyclopédie de la Plêiade, Paris, 1957, Gallimard, pp. VII- XLVIII. *
DIÈS, A.,  Autour de Platon, II, Paris, Beauchesne, 1927, 616 pp.
FOULQUIÉ, P., O Existencialismo, SP, Ed. Difusão Européia do Livro, 1955, 142 pp.
GILSON E., L’Être et l’Essence, Paris, Vrin, 1948, 328 pp.
LIMA VAZ,  H.C.,Ontologia e História,  SP, Editora  Duas Cidades, 1968, 340 pp.
PLATÃO, República, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1993, 514 pp.
POPPER, K.R., A Miséria do Historicismo, SP, Ed. Cultrix, 125 pp.
REALE  G., História da Filosofia , v. I, SP, Ed. Paulinas, 1991, 700 pp.
REALE, G., História da Filosofia Antiga ,  v.  II, SP, Edições Loyola, 1994, 505 pp.
SARTRE, J.-P, L’Existencialisme est un humanisme, Colection Pensées, Paris, Nagel, 1966, 141 pp.
A PRIORI - par J.-M. Muglioni et M. Crampe-Casnabet, Encyclopédie Philosophique Universel, Paris, PUF, Dictionnaire I*
APOLLONIUS OF PERGA - The New Encyclopædia Britanica, I, 1974, Micropædia, Ed. Willian Benton, 15th edition, p.448*
EÎDOS, Encyclopédie Philosophique Universelle, II - Les Notions Philosophiques - Dictionnaires - Tome 1, Paris, Presses Universitaires de France, p. 764.
ESSE, ESSENCE, ESSENTIALISME,  Encyclopédie Philosophique Universelle, II - Les Notions Philosophiques - Dictionnaires - Tome 1, Paris, Presses Universitaires de France, pp. 854 - 857.
EXPÉRIENCE, par H. Saget, Encyclopédie Philosophique Universel, Paris, PUF, Dictionnaire I, pp. 924-925*


Anexos

Segundo o professor desta disciplina, a compreensão do Teeteto como um texto de Filosofia da Mente desautorizaria a divisão tradicional  deste diálogo em 3 partes. Apesar disto, os seguintes quadros  obedecem a esta compreensão mais tradicional do texto e apresentam apenas a parte referente ao problema do conhecimeto como sensação (1ª parte).
A edição do Teeteto utilizada no curso foi a de Auguste Diès. Portanto, ainda que possa parecer um tanto pedante, o autor preferiu optar pela transcrição do texto em francês, a correr o risco de fazer uma má tradução do texto.




[1]. REALE, G., História da Filosofia Antiga ,  v.  II, SP, Edições Loyola, 1994, 505 pp.
[2]. POPPER, K. R. - Conjecturas e Refutações, Cap. 3 - Três Pontos de Vista sobre o Conhecimento Humano,Brasília, Ed. UNB, 2ª ed., 1982, 125-146.
[3]. POPPER, K. R. - Conhecimento Objetivo: Uma Abordagem Evolucionária, Cap. 3 - Epistemologia Sem  Sujeito Conhecedor - Cap. 4 - Sobre a Mente Objetiva, B. Horizonte, Ed. USP/ Ed.Itatiaia, 1975, 108-179.
[4]. POPPER, K. R. e ECCLES, J. C.  - O Eu e Seu Cérebro, São Paulo/Brasília, Ed. Papirus, 1977, 512 pp.  - O Cérebro e o Pensamento, São Paulo/Brasília, Ed. Papirus, 1977, 171 pp.

[5].  REALE, G., História da Filosofia Antiga ,  v.  II, SP, Edições Loyola, 1994, p. 61
[6].  Ibidem, p. 61
[7].  Ibidem, p. 63
[8].  Ibidem, p. 64.  Estas características já foram enumeradas no trabalho anterior sobre ESSÊNCIA
[9].  Ibidem, p. 69
[10].  Ibidem, p. 71
[11].  Ibidem, p. 75
[12].  Ibidem, p. 75
[13].  Ibidem, p. 70
[14].  Ibidem, p. 79
[15]. POPPER, K. R. - Conjecturas e Refutações - Brasília, Ed. UNB, 2ª ed., 1982
[16]. Ibidem, p. 131
[17].  “O cientista apenas testa suas teorias, eliminando as que não resistem aos testes mais rigorosos que pode conceber. Mas ele nunca terá a certeza de que novos testes não o levará a modificar e rejeitar sua teoria. Neste sentido todas as teorias permanecem hipóteses: são conjecturas (doxa) em contraposição ao   conhecimento indubitável (ejpisthmh)”. p. 132
[18]. Ibidem, p. 133
[19]. Ibidem, p.
[20]. Ibidem, p.
[21]. POPPER, K. R., Lógica da Pesquisa Científica, SP, Cultriz / Ed. USP, 1975, 566pp.
[22]. POPPER, K. R. e ECCLES, J. C.  - O Cérebro e o Pensamento, São Paulo/Brasília, Ed. Papirus, 1977,  p. 42.
[23].  POPPER, K. R., Conhecimento Objetivo - Uma Abordagem Evolucionária, Cap. 3 - Epistemologia sem Sujeito Conhecedor, B. Horizonte, Ed. USP/ Ed.Itatiaia, 1975, 108-179.
[24]. Ibidem, p. 113
[25].  Talvez sirva como exemplo bastante eloquente o desenvolvimento da INTERNET, a qual muitos se referem como sendo o sistema nervoso do planeta.
[26]. Ibidem, p. 115
[27]. Ibidem, p. 116
[28] . Ibidem,  p. 116
[29].  Ibidem, p. 117
[30] . REALE, G., História da Filosofia Antiga ,  v.  II, SP, Edições Loyola, 1994, p. 64.
[31] .  Por exemplo: Teorias Biológicas, Teorias Físicas, Teorias Químicas... Cada uma dessas Ciências alcança uma certa unidade dentro de  suas respectivas áreas. Mas ainda assim há divergências e conflitos  no interior delas mesmas. Parece impossível que possa ser elaborada uma TEORIA que unifique todas as áreas do saber. Portanto, conclui-se que a UNIDADE das Teorias Científicas são apenas unidades parciais ou relativas, pois tais teorias  não unificam toda a “multiplicidade  das coisas que dela participam”-  Reale, p. 64.
[32] . LIMA VAZ, H. C. de, Antropologia Filosófica II, São  Paulo, Ed. Loyola, 1992, 262 pp. “O termo ‘essência’ tem, assim, duas significações na terminologia do nosso Curso: a. essência como expressão inteligível das estruturas e relações constitutivas do ser do homem, da sua ipseidade  ou do seu eidos; como tal opõe-se à existência ou ao movimento concreto  de realização  da essência; b. essência como expressão inteligível da totalidade do ser do homem, respondendo à pergunta “que é o homem?” e desempenhando, assim, a função lógica  da definição que integra ser e devir na proposição: ‘A pessoa é essência do homem’ - p. 238.
[33].  DAUMAS, M. (org) - Histoire des Sciences, Encyclopédie de la Plêiade, Paris, Gallimard, 1957, 1910 pp.

* Os textos marcados com asterisco foram  lidos no curso de T. E. em Idealismo Alemão.  O autor deste trabalho achou por bem inseri-los nesta bibliografia pelo fato  de tratarem de temas eminentemente epistemológicos, ainda que a perspectiva adotada pelos textos marcados seja idealista.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4792354A1