A Refutação do Essencialismo
em Popper e o Mundo 3
UFMG
Belo Horizonte - 1995
Universidade
Federal de Minas Gerais
Faculdade
de Filosofia e Ciências Humanas
Departamento
de Pós-graduação em Filosofia (Mestrado)
Linha
de Pesquisa: Filosofia Social e Política
Disciplina: (Fil704) - Epistemologia
Professor:
Ricardo V. Fenati
Aluno:
Rubens Godoy Sampaio
Belo
Horizonte, Junho de 1995
NOTA: 100
Sumário
Introdução
O Realismo Platônico
A Refutação de Popper ao Essencialismo
Os Mundos de Popper
A refutação do essencialismo
é compatível com a proposição do Mundo 3?
Apêndices I e II
Bibliografia
Anexos
Introdução
Neste
semestre, o autor deste texto frequentou três cursos no Departamento de
Pós-graduação da FAFICH. Dois dentre
estes cursos referiam-se diretamente a temas epistemológicos. No entanto, suas
perspectivas foram exatamente opostas. No Curso T.E. em Idealismo Alemão -
Leitura Comentada de Textos Selecionados
da Crítica da Razão Pura (Prof. José. H. dos Santos) a perspectiva foi a de um
idealismo absoluto, segundo o qual o REAL é construído pelo homem; ou seja, a
passagem da consciência de si à consciência do objeto realiza-se através da
construção do objeto, da construção do real pela consciência. Portanto, uma
posição claramente anti-realista.
Neste
Curso de Epistemologia, a orientação platônica da disciplina apresentou um
posicionamento evidentemente realista, sobretudo em função do texto adotado, a
saber, o Teeteto.
Seguindo,
pois, a orientação do curso, que inclusive aproxima-se muito mais do projeto de
pesquisa do autor deste trabalho, este
texto percorrerá as seguintes etapas:
1. Breve apresentação da Teoria Platônica das Idéias. Nesta seção
serão apresentadas as características principais da Teoria das Idéias que
permitam destacar os pontos de semelhança e diferenças entre o Mundo Platônico
das Idéias e o Mundo 3 de K. Popper.
As
fontes bibliográficas fundamentais para a elaboração desta seção serão a História da Filosofia Antiga de
Giovanni Reale[1] e
as anotações do Curso de Filosofia
Antiga ministrado pelo Prof. Henrique Cláudio de Lima Vaz.
Esta
parte do trabalho será breve, sobretudo pelo fato de o autor deste texto já ter apresentado neste semestre e nesta
mesma disciplina um texto sobre a
ESSÊNCIA em Platão.
2. A refutação de Popper ao essencialismo. Esta seção terá
como bibliografia básica o terceiro capítulo do livro Conjecturas e Refutações: Três Pontos de Vista sobre o Conhecimento
Humano.[2]
3. Apresentação dos 3 mundos de Popper com destaque ao
MUNDO 3.
O objetivo principal desta seção será
realçar os elementos constituintes deste MUNDO 3 que se assemelham a
algumas características, também fundamentais, do MUNDO PLATÔNICO.
As
fontes desta etapa do trabalho serão alguns capítulos dos seguintes textos: Conhecimento
Objetivo (Cap. 3 - Epistemologia Sem
Sujeito Conhecedor - Cap. 4 Mente Objetiva)[3],
O
Eu e Seu Cérebro (Capítulo P2 - Os Mundos 1, 2 e 3 - Seções 10-15)[4]
e O
Cérebro e o Pensamento (Diálogos
I, III e XI).
4.
(Conclusão) Tentativa de resposta à seguinte questão colocada pelo professor
desta disciplina: A refutação do
Essencialismo em Popper é coerente com sua proposição do Mundo 3?
Figura 1
O Realismo Platônico
A
idéia platônica não é “um conceito, uma representação mental, um pensamento”[5];
não é algo que esteja referido aos planos psicológico e noológico. Para Platão
a Idéia “constitui o objeto específico do pensamento, para o qual o pensamento
está voltado de maneira pura, aquilo sem o qual o pensamento não seria pensamento”. Não se trata pois, de um
“puro ser de razão e sim um ser, e mesmo aquele
ser que é, absolutamente, o ser verdadeiro. A Idéia platônica indica a forma
interior, a natureza específica da coisa, a essência da coisa”[6]
a estrutura metafísica de natureza inteligível.
Estas
Idéias são captadas, apreendidas apenas através de um “ver intelectivo”[7].
Seguem-se
as seis características
metafísico-ontológicas das Idéias platônicas, segundo G. Reale[8].
·
a inteligibilidade (a Idéia é, por
excelência, objeto da inteligência e só com a inteligência pode ser captada);
·
a incorporeidade
(a Idéia pertence a uma dimensão totalmente diversa do mundo corpóreo sensível);
O
inteligível platônico só pode ser captado pela inteligência; jamais pelos
sentidos. Portanto, disto decorre a natureza incorpórea da Idéia platônica.
·
o ser no
sentido pleno (as Idéias são o ser
que é verdadeiramente);
Trata-se
pois de um ser absoluto. Apenas o ser verdadeiro pode ser verdadeiramente cognoscível. Este caráter de ser absoluto
das Idéias ocorre para que se possa explicar verdadeiramente o
vir-a-ser; ou seja, as próprias Idéias não podem estar sujeitas a este
vir-a-ser “mas devem ter como próprio delas aquele ser que o vir-a-ser, não tendo
como seu, deve como que pedir emprestado e receber”[9].
·
a imutabilidade
(as Idéias são imunes a todo tipo de mudança e não só ao nascer e ao perecer);
·
a perseidade
(as Idéias são em si e por si, i.e., absolutamente objetivas);
A
Idéia, causa verdadeira que explica o que muda, não pode mudar ela mesma, pois
do contrário não seria a “verdadeira causa”, não seria a razão última[10].
Para Platão não se pode explicar o sensível pelo sensível e o mutável pelo
mutável
·
a unidade
(cada Idéia é uma unidade e unifica a multiplicidade das coisas que dela
participam).
A
respeito da unidade, Platão afirma que o filósofo é aquele que “sabe ver o
conjunto e sabe captar a multiplicidade na unidade”[11].
“Se há muitos homens e cada um é essencialmente homem e se há algo que se atribui
a cada um e a todos os homens sem ser idêntico a nenhum deles, então é
necessário que haja, além de cada um
deles, algo separado deles e eterno, e que exatamente enquanto tal se possa
predicar de modo idêntico, de todos os homens numericamente diferentes.
Justamente esse ‘uno que está além dos muitos’ e que os transcende e é eterno,
é a Idéia”[12].
Segundo
Reale, as Idéias platônicas caracterizam-se por uma objetividade absoluta. E
esta objetividade fixou-se em oposição às formas de relativismo trabalhadas
neste curso: o relativismo de origem heraclitiana que proclama o fluxo perene e
a radical mobilidade de todas as coisas; e o relativismo sofístico-protagoriano
que reduzia toda realidade e ação a algo puramente subjetivo, constituindo o
sujeito como medida e o critério de verdade de todas as coisas[13].
Em
última análise, com sua Teoria das Idéias Platão quis dizer o seguinte: “o
sensível se explica somente com a dimensão do supra-sensível, o corruptível com
o ser incorruptível, o móvel com o imóvel, o relativo com o absoluto, o
múltiplo com o uno”[14].
A Refutação de Popper ao Essencialismo
No
texto Três Pontos de Vista sobre o
Conhecimento Humano[15] Popper quer defender o ponto de vista de
Galileu sobre a ciência. Por sua vez, Galileu é platônico e sua filosofia da
ciência pode ser resumida, segundo Popper em 3 doutrinas básicas.
1. O cientista deve procurar
uma teoria verdadeira que descreva o mundo (especialmente suas
regularidades ou “leis”) e explique os fatos observáveis;
2. O cientista é capaz de demonstrar
a verdade destas teorias além de qualquer dúvida razoável;
3. As melhores teorias, as
verdadeiramente científicas descrevem as “essências” das coisas - sua “natureza essencial”, realidades que existem por trás
das aparências[16].
Popper aceita a primeira doutrina, corrige a segunda[17]
e rejeita a terceira.
Galileu
acredita na possibilidade de se alcançar uma explicação definitiva para a
realidade, acredita que seja possível alcançar a essência das coisas. Tal
posição Popper a classifica como essencialista.
Segundo a doutrina essencialista, (em última análise de procedência platônica)
a tarefa dos cientistas é, através das
teorias, buscar as explicações últimas. Alcançar uma explicação última
significa ser detentor de uma explicação
definitiva, a qual não necessitará jamais de explicações ulteriores e
complementares.
Popper
está em total desacordo com esta doutrina essencialista. Para Popper o
essencialismo é um ERRO. Mas é bom precisar que a doutrina essencialista
contestada por Popper é a doutrina segundo a qual “a ciência busca uma explicação definitiva”- isto é, “uma
explicação que, essencialmente, pela sua
própria natureza não possa ser ampliada, que não exija explicações adicionais”[18].
Com
tal posicionamento Popper não quer estabelecer a inexistência das essências.
Pois existam ou não, o importante para Popper é demonstrar que “a crença nelas
não nos ajuda de nenhum modo; na verdade pode prejudicar-nos; por isso não há
qualquer razão para que o cientista presuma sua existência”[19].
Neste
momento Popper explicita que o seu interesse é o problema do método - “que é sempre um problema de adequação de
meios a fins”. Pois sua crítica à doutrina da explicação definitiva
(essencialista) tem sido objetada com a observação de que o próprio Popper, inconscientemente, trabalha com a
idéia de uma essência da ciência ou
do conhecimento humano, ou seja, “o
fato de que não possamos conhecer, ou buscar, coisas como as essências ou
naturezas é um fato que pertence à essência ou à natureza da ciência humana”[20].
Para Popper esta objeção à sua teoria está resolvida na Lógica da Pesquisa Científica[21].
Não seria pertinente buscar a verificação disto que pode se apresentar como uma
contradição no pensamento popperiano, pois tomar-se-ía distância da questão que
já foi colocada no início do trabalho (a refutação do essencialismo é coerente
com a proposição do Mundo 3?) e dirigir-se-ía a atenção deste texto para outro
problema diferente da questão inicial.
Tomando-se
pois, como pressuposto de que a objeção supracitada não invalida a refutação do
essencialismo e que Popper realmente
consegue resolvê-la em seu livro Lógica
da Pesquisa Científica, o que se mantém como objeto de nossa investigação
é, após ter debruçado-se sobre a apresentação do Mundo 3, a verificação da
compatibilidade entre a refutação do essencialismo e o Mundo 3.
Em
última análise a refutação de um
essencialismo estático deve-se aos problemas que tal doutrina pode
causar para o desenvolvimento da ciência e para a postulação de problemas e
questões novos e mais férteis.
Os Mundos de Popper e a Epistemologia
Nesta
teoria sobre os Três Mundos de Popper, o interesse deste estudo recai
justamente sobre o MUNDO 3.
No
entanto, antes de chegar ao Mundo 3, far-se-á uma brevíssima descrição dos
Mundos 1 e 2.
MUNDO 1 - mundo de objetos físicos ou de estados
materiais.
MUNDO 2 - mundo de estados
de consciência ou de estados mentais, ou
talvez de disposições comportamentais.
MUNDO 3 - mundo de conteúdos
objetivos de pensamento, especialmente de pensamentos científicos e poéticos e
de obras de arte; semelhante ao Mundo das Idéias de Platão e ao Espírito
Objetivo de Hegel; semelhante ao universo de proposições em si mesmas de
Bolzano; e semelhante ao universo de conteúdos objetivos de pensamento de
Frege. Os habitantes do Mundo 3 são
sistemas teóricos, problemas e sistemas de
problemas, argumentos críticos, o estado de uma discussão, ou o estado
de um argumento crítico, conteúdos de revistas, livros e bibliotecas.
Figura 2
A
passagem de um Mundo para o outro não é linear e unidirecional como na Figura
3. Os 3 Mundos agem e reagem uns sobre os outros, havendo, inclusive, uma forte
retroação do Mundo 3 sobre os Mundos 2 e 1 respectivamente. Primeiramente
Popper afirmara que esta ação do Mundo 3 sobre o Mundo 1 só seria possível pela
mediação do Mundo 2 (Figura 4). No entanto, no texto O Cérebro e o Pensamento[22]Popper
dará exemplos de interação entre os Mundos 1 e 3.
Figura 3
Figura 4
A
EPISTEMOLOGIA é a teoria do conhecimento
objetivo. E este conhecimento objetivo situa-se no interior do Mundo 3.
Portanto é uma realidade autônoma. Assim o conhecimento no sentido objetivo é
conhecimento sem sujeito conhecedor, é
conhecimento sem que o sujeito conheça. Esta é a tese forte do pensamento
popperiano. Mas para esclarecer melhor este ponto, seguem-se 3 teses
principais, as quais foram defendidas no capítulo 3 de Conhecimento
Objetivo[23]:
·
1ª TESE -
(negativa) - a concentração dos esforços
da epistemologia tradicional sobre o MUNDO 2
é totalmente irrelevante, pois epistemologia é a teoria do conhecimento
científico. E o conhecimento científico habita o MUNDO 3. Há dois sentidos
diferentes de conhecimentos ou pensamentos: “1. conhecimento ou pensamento no
sentido objetivo, constituído de um estado de espírito ou de consciência ou de
uma disposição para reagir, e 2. conhecimento ou pensamento num sentido
objetivo, constituído de problemas, teorias e argumentos como tais. Neste
sentido o conhecimento é totalmente independente de qualquer alegação de conhecer que alguém faça”. Neste sentido o que existe é epistemologia
sem sujeito conhecedor.
·
2ª TESE - (positiva) - o relevante para a
epistemologia “é o estudo de problemas científicos e situações de problemas, de
conjecturas científicas”[24].
·
3ª TESE - (positiva) - o estudo de um MUNDO 3
de conhecimento objetivo amplamente
autônomo é de importância decisiva
para a epistemologia.
Além
destas teses principais seguem-se 3 outras teses de apoio que apontam diretamente para o interesse deste trabalho e
referem-se exclusivamente ao MUNDO 3.
·
1ª TESE de apoio - O Mundo 3 é um produto natural do
homem comparável a uma teia de aranha.
·
2ª TESE de apoio - O Mundo 3 é amplamente autônomo,
apesar de ser produto humano; e retroage sobre os Mundos 1 e 2.
·
3ª TESE de apoio - O Mundo 3 cresce e progride; o
conhecimento objetivo aumenta e é constantemente incrementado, complexificado,
desenvolvido. E isto ocorre de forma análoga ao crescimento biológico, isto é, analogamente à evolução de
plantas e animais[25].
Popper
aborda o seu Mundo 3 a partir de analogias da biologia e da vida animal. E a
partir daquilo que Popper chama de
abordagem evolucionária do Mundo 3, ele reformula as suas 3 teses principais:
·
Na situação de problemas atuais em Filosofia, poucas
coisas são tão importantes como a consciência da distinção entre as duas categorias de
problemas de produção, por um lado e
problemas ligados às próprias estruturas produzidas, por outro lado.
·
A categoria de problemas concernentes aos produtos
em si mesmos é mais importante do que a categoria dos problemas de produção.
·
Os problemas da segunda categoria são básicos para
compreender os problemas de produção; ou seja, pode-se apreender mais sobre a
produção estudando os seus produtos, do que a produção propriamente falando[26].
Na aplicação ao
conhecimento, as teses são formuladas do seguinte modo[27]:
·
“1. Devemos constantemente ter consciência da
distinção entre problemas ligados a nossas contribuições pessoais à produção de
conhecimento científico de um lado e problemas ligados à estrutura dos vários
produtos, tais como teorias científicas ou argumentos científicos, do outro
lado.
·
2. Devemos verificar que o estudo dos produtos é
vastamente mais importante do que o estudo da produção, mesmo para uma
compreensão da produção e de seus métodos.
·
3. Podemos aprender, acerca da heurística e da
metodologia e até a respeito da psicologia da pesquisa, estudando teorias
apresentadas pró e contra elas, mais do que por qualquer abordagem direta
behaviorista ou psicológica ou sociológica. De modo geral, podemos aprender
muito a respeito do comportamento e da psicologia do estudo dos produtos”[28].
Todo
este trabalho de aperfeiçoamento de suas teses está em função da tentativa de
demonstrar a AUTONOMIA e a OBJETIVIDADE do MUNDO 3 e refutar a abordagem do
conhecimento segundo a qual um livro não é um livro sem leitor. Todo livro,
além de ser habitante do Mundo 1, por ser um objeto físico, “contém
conhecimento objetivo, Verdadeiro
ou Falso, útil ou inútil” e isto independe da leitura de algum homem. Um livro
depois de colocado numa estante, pode nunca mais ser lido ou passar anos sem
que alguém se interesse por ele. No entanto “é sua possibilidade ou
potencialidade de ser entendido, seu caráter disposicional de ser compreendido
ou interpretado que faz de alguma coisa um livro”[29].
O
exemplo preferido de Popper para provar a objetividade e a autonomia do Mundo 3
é o exemplo do conjunto dos números naturais.
A seqüência dos números naturais foi criada pelos homens, mas a
distinção entre pares, ímpares e primos
é conseqüência inevitável e independente da parte do criador do mundo dos
números naturais.
E
devido à autonomia do Mundo 3 e à retroação deste para com o Mundo 2 e para com
o Mundo 1, ocorre o importante fato do
crescimento do conhecimento.
Tendo
pois, percorrido todos os passos de Popper neste seu trabalho de refinamento e
de aperfeiçoamento de suas teses, em busca da afirmação da objetividade e da
autonomia do Mundo 3 pode-se, agora, colocar
de um lado o Mundo 3 (e particularmente as teorias científicas) e de
outro lado o Mundo Platônico, para que se possa estabelecer uma comparação
entre estes 2 universos filosóficos.
A
apresentação desta comparação entre Popper e Platão tem como objetivo
unicamente apresentar a possibilidade de se elaborar um paralelo entre o que possa haver de semelhante e de diferente
entre as proposições platônica e popperiana.
Este
trabalho comparativo ou sinóptico será feito a partir daquelas seis
característica atribuídas às Idéias platônicas
por Giovanni Reale[30].
PLATÃO
M. DAS IDÉIAS
|
POPPER
MUNDO 3
|
INTELIGIBILIDADE
|
|
A Idéia é, por
excelência, objeto da inteligência e só com a inteligência pode ser captada
|
A Teoria
Científica, criada pelo cientista fornece a inteligibilidade e a compreensão
do fenômeno, do real
|
INCORPOREIDADE
|
|
A Idéia
pertence a uma dimensão totalmente diversa do mundo corpóreo sensível
|
As Teorias
Científicas são realidade parcialmente incorpóreas porque são realizações da
mente humana, são de natureza abstrata. No entanto encontram-se registradas
em livros, disquetes, computadores...Portanto, diversamente de Platão, elas
possuem uma certa participação do Mundo 1, do mundo físico, do mundo corpóreo
|
SER NO SENTIDO
PLENO
|
|
As Idéias são o ser que é verdadeiramente
|
As Teorias
Científicas não podem ser consideradas SER NO SENTIDO PLENO porque não são
eternas. Elas podem ser transformadas, aperfeiçoadas, falsificadas e até
mesmo rejeitadas e consequentemente destituídas de seu ser ou da
inteligibilidade que antes, ela oferecia à realidade..
|
IMUTABILIDADE
|
|
As Idéias são
imunes a todo tipo de mudança e não só ao nascer e ao perecer
|
O
falsificacionismo caracteriza-se justamente pela mutabilidade das
Teorias Científicas. Só é possível uma
boa teoria se ela for passível de
falsificação e portanto, capaz de ser modificada, melhorada ou mesmo
rejeitada o que é impensável para uma idéia platônica.
|
PERSEIDADE
|
|
As Idéias são
em si e por si, i.e., absolutamente objetivas
|
As Teorias
Científicas e alguns outros elementos
constitutivos do Mundo 3, tal como o conjunto dos números naturais, possuem
uma autonomia que os fazem independente do seu criador.
|
UNIDADE
|
|
Cada Idéia é
uma unidade e unifica a multiplicidade das coisas que dela participam
|
Cada Teoria
Científica constitui um modelo explicativo de determinados conjuntos de
fenômenos. Não há uma Teoria que
explique a totalidade do real. Toda Teoria fornece uma explicação parcial.
Sempre há fenômenos que não conseguem ser abarcados numa Teoria Científica.
Portanto existe a unidade nas Teorias Científicas, na medida em que elas
tentam unificar um determinado conjunto de acontecimentos. No entanto, esta
UNIDADE não é total. Porque as Teorias
que temos não conta do todo mas apenas de partes do todo[31].
|
A refutação do essencialismo é compatível com a proposição do Mundo 3?
Após
esta comparação pode-se dizer que Popper
rejeita o essencialismo estático justamente por causa das características da
imutabilidade e da plenitude de ser. A propósito da inteligibilidade, da
incorporeidade, da perseidade e da unidade, é válido afirmar que tais
características do Mundo Platônico, de alguma forma, participam do Mundo 3 de
Popper.
Deste
mesmo quadro sinóptico infere-se que a doutrina platônica é necessariamente
estática. E é contra esta estaticidade e tudo que esteja relacionado com ela
que Popperdirige suas críticas. Como já
foi dito, para Popper, este essencialismo estático é prejudicial ao
desenvolvimento científico. É necessário que haja a possibilidade do
crescimento do conhecimento, do desenvolvimento da ciência. E para tanto Popper
cria o Mundo 3 que compartilha de algumas das características do
Mundo Platônico, mas que, devido à sua autonomia, é capaz de desenvolver,
crescer e progredir.
Portanto, parece
ao autor deste trabalho que a resposta à questão desta seção pode ser
positiva. Sobretudo pelo fato de que a refutação de Popper decorre de um
aspecto unicamente metodológico. Ou seja, do ponto de vista do método, convém
que o essencialismo seja refutado, para que a ciência possa caminhar e
progredir. Como ele mesmo já disse não é seu interesse saber se há ou não essência. Mas fazer a ciência progredir em busca de teorias mais verossímeis e mais corroboradas e que
expliquem o maior número de fenômenos da
forma mais simples possível.
APÊNDICE I
O
trabalho sobre Popper e a questão da essência em Platão e Popper foi uma opção
decorrente da possibilidade de uma ligação com o projeto de pesquisa do autor.
Para
ser mais preciso, o tema deste trabalho não aponta para uma ligação ou uma
relação direta e explícita entre os temas aqui tratados e o projeto de
pesquisa.
O
conteúdo deste trabalho implica num enriquecimento a respeito de assuntos tais
como a questão da VERDADE e da ESSÊNCIA
que se encontram presentes na obra de Henrique Cláudio de Lima Vaz a
partir de uma perspectiva não epistemológica mas antropológica. Para
Vaz, a experiência da verdade constitui
o 1º momento da pré-compreensão da categoria relacional de Transcendência.
E ao elaborar este momento em sua
Antropologia, Vaz é totalmente platônico.
Sobre
a questão da ESSÊNCIA, Vaz coloca no ápice de sua Antropologia a categoria unificadora de PESSOA, também
designada como categoria de ESSÊNCIA. E
neste momento ele explícita o que entende por essência[32].
Portanto
o tratamento epistemológico dado a estas questões (ESSÊNCIA E VERDADE), neste
curso e na bibliografia utilizada pelo autor deste trabalho, é muito
enriquecedor para a ulterior pesquisa,
destes mesmos temas, que partirá da perspectiva
antropológica e social.
APÊNDICE II
Também
vale assinalar que apesar das várias
leituras dos textos de Popper, a leitura do livro “A Estrutura das Revoluções
Científicas” fez com que o autor se inclinasse mais para a posição de Kuhn do
que para a posição de Popper a respeito do processo do desenvolvimento das ciências.
Ainda
que o escopo de estabelecer um limite
diferenciador do que seja ou não conhecimento científico, ou do que seja
uma boa ou má teoria científica, tenha alcançado credibilidade através do
falsificacionismo, quanto à questão do desenvolvimento científico, à questão do
abandono de velhas teorias científicas e a adesão aos novos paradigmas, parece
que a teoria de Kuhn seja mais verossímil e mais realista. Pois o processo de
adesão aos novos paradigmas científicos não parecem ocorrer simplesmente porque
um outros aspectos desta ou daquela teoria foi falsificado ou não foi
corroborado, veja-se o exemplo da descoberta de Netuno[33].
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Anexos
Segundo o
professor desta disciplina, a compreensão do Teeteto como um texto de Filosofia
da Mente desautorizaria a divisão tradicional
deste diálogo em 3 partes. Apesar disto, os seguintes quadros obedecem a esta compreensão mais tradicional
do texto e apresentam apenas a parte referente ao problema do conhecimeto como
sensação (1ª parte).
A edição do Teeteto
utilizada no curso foi a de Auguste Diès. Portanto, ainda que possa parecer um
tanto pedante, o autor preferiu optar pela transcrição do texto em francês, a
correr o risco de fazer uma má tradução do texto.
[1]. REALE, G., História da Filosofia Antiga , v. II,
SP, Edições Loyola, 1994, 505 pp.
[2]. POPPER, K. R. - Conjecturas e Refutações, Cap. 3 - Três Pontos de Vista sobre o
Conhecimento Humano,Brasília, Ed. UNB, 2ª ed., 1982, 125-146.
[3]. POPPER, K. R. - Conhecimento Objetivo: Uma Abordagem
Evolucionária, Cap. 3 -
Epistemologia Sem Sujeito Conhecedor -
Cap. 4 - Sobre a Mente Objetiva, B. Horizonte, Ed. USP/ Ed.Itatiaia, 1975, 108-179.
[4]. POPPER, K. R. e ECCLES, J. C.
- O Eu e Seu Cérebro, São Paulo/Brasília, Ed. Papirus, 1977, 512
pp. - O Cérebro e o Pensamento,
São Paulo/Brasília, Ed. Papirus, 1977, 171 pp.
[5]. REALE, G., História da
Filosofia Antiga , v. II, SP, Edições Loyola, 1994, p. 61
[6]. Ibidem, p. 61
[7]. Ibidem, p. 63
[8]. Ibidem, p. 64. Estas características já foram enumeradas no
trabalho anterior sobre ESSÊNCIA
[9]. Ibidem, p. 69
[10]. Ibidem, p. 71
[11]. Ibidem, p. 75
[12]. Ibidem, p. 75
[13]. Ibidem, p. 70
[14]. Ibidem, p. 79
[15]. POPPER, K. R. - Conjecturas e Refutações - Brasília,
Ed. UNB, 2ª ed., 1982
[16]. Ibidem, p. 131
[17]. “O cientista apenas testa
suas teorias, eliminando as que não resistem aos testes mais rigorosos que pode
conceber. Mas ele nunca terá a certeza de que novos testes não o levará a
modificar e rejeitar sua teoria. Neste sentido todas as teorias permanecem
hipóteses: são conjecturas (doxa) em
contraposição ao conhecimento
indubitável (ejpisthmh)”. p. 132
[18]. Ibidem, p. 133
[19]. Ibidem, p.
[20]. Ibidem, p.
[21]. POPPER, K. R., Lógica da Pesquisa Científica, SP,
Cultriz / Ed. USP, 1975, 566pp.
[22]. POPPER, K. R. e ECCLES, J. C.
- O Cérebro e o Pensamento, São Paulo/Brasília, Ed. Papirus,
1977, p. 42.
[23]. POPPER, K. R., Conhecimento
Objetivo - Uma Abordagem Evolucionária, Cap. 3 - Epistemologia sem
Sujeito Conhecedor, B. Horizonte, Ed. USP/ Ed.Itatiaia, 1975, 108-179.
[24]. Ibidem, p. 113
[25]. Talvez sirva como exemplo
bastante eloquente o desenvolvimento da INTERNET, a qual muitos se referem como
sendo o sistema nervoso do planeta.
[26]. Ibidem, p. 115
[27]. Ibidem, p. 116
[28] . Ibidem, p. 116
[29]. Ibidem, p. 117
[30] . REALE, G., História da Filosofia Antiga , v. II,
SP, Edições Loyola, 1994, p. 64.
[31] . Por exemplo: Teorias
Biológicas, Teorias Físicas, Teorias Químicas... Cada uma dessas Ciências
alcança uma certa unidade dentro de suas
respectivas áreas. Mas ainda assim há divergências e conflitos no interior delas mesmas. Parece impossível
que possa ser elaborada uma TEORIA que unifique todas as áreas do saber.
Portanto, conclui-se que a UNIDADE das Teorias Científicas são apenas unidades
parciais ou relativas, pois tais teorias
não unificam toda a “multiplicidade das coisas que dela participam”- Reale, p. 64.
[32] . LIMA VAZ, H. C. de, Antropologia Filosófica II, São Paulo, Ed. Loyola, 1992, 262 pp. “O termo
‘essência’ tem, assim, duas significações na terminologia do nosso Curso: a. essência como expressão inteligível das
estruturas e relações constitutivas do ser do homem, da sua ipseidade ou do seu eidos;
como tal opõe-se à existência ou ao
movimento concreto de realização da essência;
b. essência como expressão
inteligível da totalidade do ser do homem, respondendo à pergunta “que é o
homem?” e desempenhando, assim, a função lógica
da definição que integra ser e
devir na proposição: ‘A pessoa é essência do homem’ - p. 238.
[33]. DAUMAS, M. (org) - Histoire
des Sciences, Encyclopédie de la Plêiade, Paris, Gallimard, 1957, 1910
pp.
* Os textos marcados com asterisco foram lidos no curso de T. E. em Idealismo
Alemão. O autor deste trabalho achou por
bem inseri-los nesta bibliografia pelo fato
de tratarem de temas eminentemente epistemológicos, ainda que a
perspectiva adotada pelos textos marcados seja idealista.
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