Tal como a Ministra
Ellen Gracie, adiantarei meu voto: sou a favor da pesquisa com os embriões
humanos. Todavia entendo que toda a discussão e a fundamentação dadas pelo
Ministro Carlos Ayres Brito está comprometida pela compreensão equivocada do
que seja vida humana, associando a vida humana à presença do sistema nervoso
central, tal como ele disse em seu voto: Faltam-lhe (ao embrião) todas
as possibilidades de ganhar as primeiras terminações nervosas que são o anúncio
biológico de um cérebro humano em gestação. Numa palavra, não há cérebro. Nem
concluído nem em formação. Pessoa humana, por conseqüência, não existe nem
mesmo como potencialidade. Pelo que não se pode sequer cogitar da distinção
aristotélica entre ato e potência, porque, se o embrião in vitro é algo valioso
por si mesmo, se permanecer assim inescapavelmente confinado é algo que jamais
será alguém. Não tem como atrair para sua causa a essencial configuração
jurídica da maternidade nem se dotar do substrato neural que, no fundo, é a
razão de ser da atribuição de uma personalidade jurídica ao nativivo.
Definir
conceitualmente a vida é uma tarefa que está na base de toda a biologia. E isto
não é nada fácil, assim como não é fácil para a ciência jurídica definir o que
é o direito ou a norma jurídica, assim como não é fácil para a psicologia
definir o que é o psiquismo, assim como não é fácil para a física definir o que
é a matéria. Esses conceitos fundantes de todas as áreas possíveis do
conhecimento sempre são muito controversos.
No entanto ainda que
para a biologia seja difícil definir de maneira clara e evidente o que seja a
vida, a biologia, de ordinário, sabe com toda certeza quando algo está vivo ou
não. Não há dúvidas de que o fruto mais imediato da concepção humana já é algo
vivo. Por mais primitiva e simples que seja esta forma de vida humana, trata-se
de algo vivo. E, qualquer estudante do Ensino Médio sabe que o embrião já
possui toda a carga genética necessária para desenvolver tudo que será preciso
para se tornar um adulto completamente desenvolvido. E não obstante a
semelhança do embrião humano com outras formas embrionárias de outros animais,
o DNA daquele embrião é o DNA de um ser humano. E mais do que nunca, sabemos
que através do reconhecimento do chamado DNA mitocondrial é possível estudar a
“linhagem” de todos os seres humanos do planeta e afirmar que todos nós, de
fato, fazemos parte de uma única espécie de antropóides hominóides. Enfim, para
saber se este ou aquele embrião é humano ou não, basta fazer um simples teste
disponível em qualquer laboratório de genética.
Além disto, a vida é
marcada por uma linha de continuidade ininterrupta, pois a vida, toda ela, só
continua porque não há intervalos, não há gaps no processo de
reprodução. Uma forma de vida tão complexa, como a vida humana, só pode
proceder de outra forma de vida equivalente. Não temos tecnologia suficiente
para gerar a vida humana, em laboratórios, a partir de elementos inorgânicos.
Ou seja um homem e uma mulher (vivos) são capazes de produzir uma outra coisa
viva, que resultará numa forma de vida semelhante àquele homem ou àquela
mulher. Para que haja a descendência humana é necessário que o fruto do
relacionamento humano seja uma forma de vida humana, que se desenvolverá e
percorrerá várias fases de desenvolvimento e passará por várias formas humanas
possíveis.
Entre uma geração e
outra geração não há uma forma de vida intermediária que possa ser
desqualificada de suas prerrogativas humanas. Não há, muito menos um “par de
parênteses” dentro dos quais haja algo não vivo. E esta linha de continuidade é
tão incontroversa, que faz com que os filhos se pareçam com os pais,
fisicamente e muitas vezes comportamentalmente. Se não houvesse esta linha de
continuidade a vida e as espécies não se perpetuariam no tempo. Não cabe falar
que o embrião não tem potencialidade para se tornar humano, porque é exatamente
esta a sua maior característica, a saber a potencialidade intrínseca para
tornar-se semelhante (um ser humano) àquilo que lhe deu origem (seus pais
humanos). Afirmar o que o Ministro afirmou, é a mesma coisa que dizer que o
branco é preto.
A antropologia e a
ciência como um todo fazem o seu discurso sobre o ser humano a partir de uma
idéia de homem acabado e desenvolvido, completo, a saber, a partir do ser
humano adulto. Uma antropologia mais clássica, que vem lá de Platão e
Aristóteles, passando por toda a filosofia ocidental afirma que o ser humano é
um ser dotado de racionalidade e liberdade. Outros discursos afirmam que todas
as comunidades humanas são constituídas por seres bípedes portadores da
prerrogativa da linguagem. Estas seriam duas outras características essenciais
do ser humano (a bipedia e a linguagem). Mas para as ciências do
desenvolvimento humano há muita diferença entre um filhote humano de 3 meses de
idade, e outro filhote humano com 2 anos de idade, com 5, 10 anos que vai
crescendo, e se torna adolescente, jovem, adulto e velho, e finalmente morre. E
para as mesmas ciências é inconteste que durante os meses de gestação é
possível detectar a presença de uma sucessão de formas distintas de vida
humana: o ovo, o embrião, o feto, e depois um bebê completamente inapto para
qualquer coisa e que apesar de ter um cérebro bem grande (e que ainda vai
crescer) não consegue fazer absolutamente nada sozinho, e que, sem alguém para
lhe oferecer cuidados mínimos certamente não conseguirá ultrapassar esta fase
de seu desenvolvimento.
Meus filhos, quando
tinham 3 meses de idade não eram nem racionais, nem livres, nem bípedes e nem
falavam. Com 8 meses, eles se tornaram quadrúpedes e começaram a engatinhar.
Com 12 meses começaram a se tornar bípedes e a postura ereta liberou as mãos e
esticou as cordas vocais para que eles começassem a falar mais articuladamente.
Com 18 meses, na frente do espelho eles começaram a perceber que aquele reflexo
eram eles mesmos, e começaram a desenvolver a sua autoconsciência. É possível
que até os 24 anos eles ainda precisem de mim para pagar suas faculdades...
Enfim, para encurtar... o ser humano é um ser em desenvolvimento e que ao longo
desse itinerário de crescimento e desenvolvimento vai passando por várias fases
ou formas possíveis. O mais interessante de tudo é que meus dois filhos (um
casal) repetiram em seus poucos anos de vida, tudo aquilo que a vida como tal
demorou 2 bilhões de anos para realizar: em algum momento e por algumas horas
meus filhos foram unicelulares – e a vida durante bilhões de anos foi
unicelular; depois aquela única célula presente no útero de minha esposa
começou a se dividir – o mesmo aconteceu com a vida no planeta, que de
unicelular começa a produzir seres pluricelulares; em algum momento do desenvolvimento
de meus filhos eles apresentam estruturas que parecem guelras, depois eles
parecem pequenos girinos, depois eles apresentaram caudas... enfim cada um de
meus filhos, no ventre de sua mãe, e depois fora do ventre repetiram,
apressadamente, muito apressadamente (e ainda continuam dentro deste processo)
tudo que a vida na Terra realizou em bilhões de anos. Tecnicamente falando se
diz que a ontogênese (o desenvolvimento do indivíduo) repete a filogênese (o
desenvolvimento da espécie). Em termos metafóricos, cada um de nós repete toda
a aventura da vida no planeta. Ninguém chega aqui de pára-quedas. Antes de
começarmos o nosso espetáculo, cada um
de nós passou por uma prova de fogo que foi reviver 2 bilhões de anos em
apenas alguns meses durante a vida intra-uterina, e mais algumas centenas
de milhões de anos a partir da vida
extrauterina.
Com esta
argumentação estou querendo explicitar um conceito que pode ser de muita
utilidade para toda esta discussão: o conceito de formas de vida
humana. E a passagem de uma forma de vida humana para outra, a
passagem de uma fase para outra não se dá de forma abrupta (discreta, per
saltum), mas de forma gradual (contínua). A passagem da condição de ovo
para embrião, de embrião para feto, de feto para bebê, e assim sucessivamente
não se dá da mesma maneira como o milho se transforma em pipoca, de repente. E
mesmo porque estas “passagens” são invenções nossas. Fomos nós que dissemos que
até tantas horas de vida aquilo é um ovo, até tantas semanas aquilo é um
embrião, e depois é um feto. São “passagens” nominais, que existem porque nós
demos nomes a elas. Porque de fato não há passagem alguma. Há na verdade um
processo contínuo de desenvolvimento, sem interrupção e sem check-points. O estabelecimento destes
marcos (check-points) é um
estabelecimento artificial, didático. Ora, todos sabemos que o conceito de
infância foi uma invenção do século XIX, e a adolescência, como fase de
desenvolvimento humano foi estabelecida no século XX. Terceira idade, Quarta
idade são novas invenções da sociedade contemporânea.
Mas o que interessa
mesmo é perceber que se trata de um processo contínuo de desenvolvimento muito
acelerado nos primeiros anos de vida (gestação, nascimento e infância) e mais
lento nas etapas seguintes. E, por isto, é sim, muito pertinente se
cogitar da distinção aristotélica entre ato e potência, por que não?
Portanto, não tem
cabimento falar que o embrião não está vivo, que o embrião não tem sistema
nervoso, que o embrião não tem isto ou aquilo, para desqualificá-lo de suas
prerrogativas antropológicas e, por conseguinte, permitir que façamos com ele o
que quisermos. Já fizemos isto com negros, destituindo-os da alma humana, para
que assim se justificasse a escravidão. Já fizemos isto com judeus,
destituindo-os de sua cidadania e de sua humanidade para jogá-los em câmaras de
gás. Já fizemos vivissecção com presos! E hoje ainda fazemos vivissecção com
animais, não obstante todo o movimento de repúdio a esta prática tão presente
em laboratórios e universidades. Enfim, o embrião é apenas UMA DAS
PRIMEIRAS FORMAS DE VIDA HUMANA pela qual todos nós passamos
necessariamente, e por isto é impertinente que ele seja destituído de sua
participação na condição humana.
Quando o Ministro
diz “Faltam-lhe (ao embrião) todas as possibilidades de ganhar as
primeiras terminações nervosas que são o anúncio biológico de um cérebro humano
em gestação”, ora é exatamente o contrário. Uma sementinha de mamão não tem
nenhuma possibilidade de ganhar terminações nervosas. Mas aquele embrião humano
é a única coisa no mundo que tem possibilidade de desenvolver terminações
nervosas para desenvolver um sistema nervoso extremamente complexo.
“Numa palavra,
não há cérebro. Nem concluído nem em formação. Pessoa humana, por conseqüência,
não existe nem mesmo como potencialidade”.
Aqui há uma falha
primária de lógica porque a primeira premissa (MAIOR) é falsa. Porque o cérebro
é uma parte do sistema nervoso que está sim em formação. A formação do sistema
nervoso central começa do começo, da sua condição mais simples. O que não é
possível é um cérebro surgir sem antes passar pela condição de ovo, embrião e
feto... E, portanto, a pessoa humana adulta e desenvolvida só surgirá em
decorrência destes primeiros desenvolvimentos embrionários.
O Ministro afirmou
que “Não tem como atrair para sua causa a essencial configuração jurídica da
maternidade nem se dotar do substrato neural que, no fundo, é a razão de ser da
atribuição de uma personalidade jurídica ao nativivo”. Um bebê
recém-nascido, em função de sua absoluta inaptidão para viver por
si só, também não tem como “atrair para sua causa a essencial configuração
jurídica da maternidade”, caso venha a ser abandonado nas ruas de uma
cidade qualquer. Qualquer bebê recém nascido é absolutamente incapaz de viver
sem algum cuidador, e nem por isso ele é destituído de sua humanidade... Os
filhotes dos répteis nascem e não precisam de seus pais (vejam-se os casos das
tartarugas, dos lagartos, dos camaleões). Seres complexos como nós, não
nascemos completos e acabados, nascemos incompletos, porque precisamos de muito
mais tempo para desenvolver e o nosso desenvolvimento começa na vida
intra-uterina e se estende, se prorroga, na vida extra-uterina. E a necessidade
de cuidado continuado permanece nos primeiros meses de vida para a maioria dos
mamíferos de grande porte. E no caso humano, permanece durante muitos anos.
E aqui caberia outra
pergunta: quando é que estamos completos? Quando é que estamos acabados? Quando
é que deixamos de estar em desenvolvimento? Talvez, apenas quando estivermos
mortos. Desta forma é muito pertinente afirmar que uma característica
fundamental e essencial do ser humano é justamente esta: estar em
desenvolvimento. O ser humano é um ser em desenvolvimento desde o seu mais
tenro início até o momento final de sua vida. Alguém poderia responder que seu
desenvolvimento atingiu sua completude quando tal sujeito pode viver de forma
independente: quando conseguiu seu primeiro emprego?
“Pelo que não se
pode sequer cogitar da distinção aristotélica entre ato e potência, porque, se
o embrião in vitro é algo valioso por si mesmo, se permanecer assim
inescapavelmente confinado é algo que jamais será alguém”. Mais uma
afirmação generalizante cujo alcance está prejudicado. Ora qualquer criança que
permanecer confinada jamais será alguém, jamais será uma pessoa plena e
realizada.
Ora, como se vê, eu
estou defendendo o embrião com unhas e dentes, mas por outro lado, já assinalei
nas primeiras linhas deste texto que sou a favor das pesquisas. O que para mim
está em jogo é a falha na argumentação de um voto que foi muito
elogiado, mas que na verdade está fundamentado precariamente e cheio
de falácias.
Meu objetivo é mostrar
que o que deve ser discutido não é a natureza e as condições do embrião. Pois
esta discussão está ultrapassada pelos avanços da própria biologia, é chover no
molhado, e prescindir desta constatação faz com que a argumentação do ministro
seja equivocada. Afinal se o embrião não tivesse as características mais
essenciais do ser humano, nós não estaríamos querendo fazer pesquisas com eles.
Ou seja, nós só queremos utilizar embriões humanos para pesquisa porque são
embriões humanos. Se não fossem humanos não teríamos que ficar discutindo,
talvez já estivesse tudo resolvido e poderíamos utilizar embriões de outros
mamíferos mais complexos.
A questão, portanto,
é a seguinte: em quais formas de vida humana é permitido intervir com
finalidades científicas? A pergunta é mais forte. A resposta é mais
grave, seja ela positiva ou negativa. Partindo desta nova questão, a decisão do
STF é mais séria e terá mais repercussões do que a equivocada posição sobre a
humanidade ou não do embrião humano.
E porque a pergunta
é mais grave, as questões que se colocam alcançam um outro tom mais profundo e
comprometedor, que devem ser analisadas com muito mais cuidado.
Para deixar mais
clara a idéia de FORMAS DE VIDA HUMANA vale notar que um recém-nascido não fala
e não anda. Um bebê, um filhote humano, uma criança dependem de forma quase que
absoluta de seus pais durante seus primeiros meses e anos de vida. A criança
não pode trabalhar, mas pode herdar. O Estatuto da Criança e do Adolescente
indica que as prerrogativas das pessoas com 12 anos de idade são diferentes
daquelas com menos de 12 anos. Os adolescentes com 14 anos podem trabalhar na
condição de aprendiz. Com 16 podem votar. Com 18 anos o jovem tem que servir o
exército, já pode dirigir e assinar contratos. Com 21, pode ser prefeito. Com
35 anos, Presidente da República. Com 60, pode se aposentar e furar fila. Com
70 não precisa mais votar. Quase todas as formas de vida humana estão
agasalhadas pelo direito. O certo é que a vida humana, na sua mais absoluta
integralidade, na sua mais absoluta temporalidade estivesse alcançada pelo
direito.
Hoje são feitas
pesquisas com crianças, com jovens e com adultos. Todavia são pesquisas cujo
grau de intervenção não é letal. Muitas destas pesquisas exigem algum tipo de
termo de consentimento. Também é inegável que as pessoas com morte cerebral
ainda continuam vivas: respiram, o coração bate... e portanto, temos aqui mais
uma forma de vida humana diante da qual já é relativamente pacífico um certo
posicionamento que permite, sob certas condições a realização de pesquisas, a
retirada de órgãos.
E até mesmo o
cadáver é alcançado por certa proteção jurídica. Do cadáver, que já não é uma
forma de vida humana, pois ele já está definitivamente destituído de batimentos
cardíacos, de atividade respiratória e atividade cerebral, não podem ser
retirados seus órgãos sem autorização prévia do sujeito, enquanto estava vivo,
ou sem autorização da família. O cadáver não pode ser jogado no lixo, não pode
ser violado em seu túmulo.
Enfim, quero afirmar
que não dá para escapar do fato de que o embrião é uma forma de vida humana. E,
portanto, o problema deve ser colocado sob outra ótica. Não cabe ao STF decidir
se há vida humana ou não no embrião.Ao STF são atribuídas competências jurídicas. Quem pode dizer se algo minúsculo é vivo ou não é vivo é a simples observação feita por um biólogo, ou por alguém oriundo das áreas biológicas ou médicas. E para outros seres de tamanho maior, qualquer pessoa consegue falar se aquela árvore está viva, se aquele cachorro está vivo, ou se aquele ser humano está vivo com pelo menos 95% de chances de acertar. O STF não pode afirmar que um ser humano que está desempregado NÃO ESTÁ VIVO. Seria um absurdo. Da mesma forma que é um absurdo dizer que esta ou aquela forma de vida humana não está viva. Da mesma forma que não cabe a um médico a competência profissional de proferir uma sentença ou fazer a análise jurídica de um contrato, não ao STF dar pareceres sobre a situação de um ser vivo. Que grande confusão que foi feita aqui.
O STF pode decidir sobre quais formas de
vida humana são passíveis de certos tipos de intervenção, decorrentes da
pesquisa científica.Esta decisão está dentro do rol de suas competências jurídicas. E é uma decisão muito mais séria.
Por outro lado,
considerando pois, que desde o início da concepção há vida humana, em última
análise, o que está em jogo é quem vai pagar pela autorização ou
pela proibição da pesquisa. Se a investigação científica for
autorizada... os embriões são prejudicados. Se a pesquisa for proibida milhões
de pessoas com os mais variados tipos de doença ou deficiência verão sua
esperança se esvair... e outros milhões de pessoas que não estão doentes mas
poderão ficar, também estarão privados de melhores chances de cura.
De um lado ou de
outro, negar o uso e o recurso da tecnologia seria tão obsoleto como optar por
não usar óculos, porque não nascemos com eles, ou tão arcaico quanto não tomar
vacinas.
Enfim, a meu ver as
duas posições acima (destruir embriões ou negar a tecnologia para os que nela
têm a esperança da cura) são cruéis. Mas nem de longe elas se aproximam de
outras práticas crudelíssimas, presentes na história da medicina, dentre as
quais a vivissecção humana, certamente era a mais terrível de todas.
Outra questão que
está em jogo é a investigação nas Universidades públicas, ou nas Instituições
públicas de pesquisa. Afinal os grandes laboratórios de engenharia genética, os
grandes laboratórios farmacêuticos, as grandes empresas na área da saúde não se
submetem às leis nacionais e não vão deixar de fazer pesquisa em seus
laboratórios por causa da legislação brasileira. Basta levar seus cientistas
para outros países onde a pesquisa não está regulamentada ou onde é permitida,
e às vezes, é até mesmo fomentada.
Com isto a única
pesquisa prejudicada é aquela realizada nas instituições públicas, pois não
poderão receber verbas públicas para tanto. E isto trará um grande prejuízo
para a comunidade científica brasileira, que além das dificuldades ordinárias
decorrentes de um orçamento sempre apertado, terá que lidar com a proibição da
pesquisa. Não se matarão embriões, mas se matarão cientistas!
Repito que a questão
central do debate é qual tipo de intervenção deve ser permitida ou proibida de
ser realizada sobre esta ou sobre aquela FORMA DE VIDA HUMANA.
Efetivamente, é isto que está sendo debatido no STF. No entanto a discussão
está fora do foco e isto não pode acontecer na suprema corte nacional. Afinal,
a destituição do embrião de suas prerrogativas humanas por uma corte jurídica
tem como finalidade tornar a decisão mais fácil, afinal se o embrião não é
humano é mais fácil autorizar esta ou aquela prática sobre o mesmo embrião.
Tendo pois, clareza
de que o embrião humano deve ser compreendido como o estado humano necessário
de uma das formas iniciais de vida humana, o problema é que as conseqüências de
uma decisão como esta são bastante sérias e podem gerar precedentes muito
sérios para um futuro não distante.
A forma mais segura
de preservar o princípio da dignidade da pessoa humana é cobrir toda a extensão
da vida humana com o atributo de sua dignidade: do seu início mais primordial
ao seu fim último. Afinal, por enquanto, podemos dizer que um cadáver que vai
apodrecer está mais bem protegido juridicamente do que os embriões que podem se
tornar pessoas adultas.
Se a decisão do STF
for orientada por uma idéia que destitua o embrião de suas prerrogativas
humanas, como conseqüência lógica seria possível, num futuro próximo, destituir
outros seres humanos, em situações limites, das mesmas prerrogativas e permitir
que com eles se faça o que quiser. Afinal seria atribuição do STF dizer o que é
humano ou não. Ou seja, se hoje estamos destituindo uma forma de vida humana, a
mais tenra e a mais desprotegida, de suas prerrogativas essenciais, amanhã
poderemos fazê-lo com outras pessoas em circunstâncias diferentes: com os muito
velhos, com os desempregados, com os muito doentes, com os gays, com qualquer
outra minoria...
Por outro lado, se
concordarmos que estamos intervindo cientificamente em seres dotados de
prerrogativas humanas, sejam eles embriões ou pessoas com 90 anos, também
saberemos que nossas decisões sobre a possibilidade da realização de qualquer
tipo de intervenção serão decisões muito mais graves e por isto mesmo, muito
mais controladas e reguladas juridicamente. E, portanto, serão decisões mais
seguras.
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