quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Os Paradoxos Conceituais entre Saúde Mental, Direitos Humanos e Sistema Prisional: Soluções para a Produção de Conhecimento através de Políticas de Parcerias e Consórcios entre o Sistema Penitenciário e as Instituições de Ensino Superior. RUBENS GODOY SAMPAIO




RUBENS GODOY SAMPAIO
Pseudônimo: Simão Bacamarte,
o alienista



IX CONCURSO NACIONAL DE MONOGRAFIAS DO CNPCP
 “Sistema Penitenciário: Saúde Mental e Direitos Humanos”


Título:
Os Paradoxos Conceituais entre Saúde Mental,
Direitos Humanos e Sistema Prisional:
Soluções para a Produção de Conhecimento
através de Políticas de Parcerias e Consórcios entre o
Sistema Penitenciário e  as Instituições de Ensino Superior


Homenageado:
DOM EVARISTO ARNS



CNPCP / 2004
Ministério da Justiça
Brasília – DF
Simão Bacamarte,
o alienista


Os Paradoxos Conceituais entre Saúde Mental,
Direitos Humanos e Sistema Prisional:
Soluções para a Produção de Conhecimento
através de Políticas de Parcerias e Consórcios entre o
Sistema Penitenciário e as Instituições de Ensino Superior





Texto apresentado por ocasião do
IX Concurso Nacional de Monografias do CNPCP,
com a proposição do tema
  “Sistema Penitenciário:
Saúde Mental e Direitos Humanos”


Texto premiado com o 1º lugar neste concurso.
Prêmio recebido em 17 de maio de 2005



CNPCP / 2004
Ministério da Justiça
Brasília - DF


 
TÍTULO
Os Paradoxos Conceituais entre Saúde Mental,
Direitos Humanos e Sistema Prisional:
Produção de Conhecimento através de Políticas de Parcerias e Consórcios entre o
Sistema Penitenciário e as Instituições de Ensino Superior


Comemorações e Homenagens - IV
Epígrafes  - V

RESUMO      - 1
CAPÍTULO I
O paradoxo entre saúde mental e reabilitação - 1


CAPÍTULO II
As penas, o Sofrimento Infligido e  a Saúde Mental - 7


CAPÍTULO III
As Raízes Éticas dos Direitos Humanos e a Construção de um
Consenso Universal  - 14


CONCLUSÃO :
Um Consórcio entre Universidades e o CNPCP - 17

Bibliografia - VII






Comemorações e Homenagens

A ocasião da redação deste trabalho coincide com 3 grandes datas, todas elas relativas ao tema da  Saúde Mental e motivos de comemorações:

Em 2004 comemoram-se os 10 anos da redação da Resolução nº 14, de 11 de novembro de 1994” sobre as Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil publicada no Diário Oficial da União em 02 de dezembro de 1994.

Em 2004 comemoram-se os 20 anos da morte de Michel Foucault, um grande pensador francês que refletiu sobre o tema da loucura e sobre a natureza dos sistemas de aprisionamento e clausura.

Em 2004 comemoram-se os  50 anos da morte de Heitor Carrilho, um dos principais sistematizadores da Psiquiatria Forense no Brasil













...é o que disse o outro pirata a Alexandre Magno. Navegava Alexandre em uma poderosa armada pelo Mar Eritreu a conquistar a Índia, e como fosse trazido à sua presença um pirata que por ali andava roubando os pescadores, repreendeu-o muito Alexandre de andar em tão mau ofício; porém, ele, que não era medroso nem lerdo, respondeu assim.
— Basta, senhor, que eu, porque roubo em uma barca, sou ladrão, e vós, porque roubais em uma armada, sois imperador? — Assim é. O roubar pouco é culpa, o roubar muito é grandeza; o roubar com pouco poder faz os piratas, o roubar com muito, os Alexandres.
Não são só ladrões, diz o Santo (Agostinho), os que cortam bolsas ou espreitam os que se vão banhar, para lhes colher a roupa: os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com manha, já com força, roubam e despojam os povos.
— Os outros ladrões roubam um homem: estes roubam cidades e reinos; os outros furtam debaixo do seu risco: estes sem temor, nem perigo; os outros, se furtam, são enforcados: estes furtam e enforcam.
Diógenes, que tudo via com mais aguda vista que os outros homens, viu que uma grande tropa de varas e ministros de justiça levavam a enforcar uns ladrões, e começou a bradar:
— Lá vão os ladrões grandes a enforcar os pequenos. — Ditosa Grécia, que tinha tal pregador! E mais ditosas as outras nações, se nelas não padecera a justiça as mesmas afrontas!  Quantas vezes se viu Roma ir a enforcar um ladrão, por ter furtado um carneiro, e no mesmo dia ser levado em triunfo um cônsul, ou ditador, por ter roubado uma província. E quantos ladrões teriam enforcado estes mesmos ladrões triunfantes?
De um, chamado Seronato, disse com discreta contraposição Sidônio Apolinar: Nou cessat simul furta, vel punire, vel facere: Seronato está sempre ocupado em duas coisas: em castigar furtos, e em os fazer.
— Isto não era zelo de justiça, senão inveja. Queria tirar os ladrões do mundo, para roubar ele só.
ANTÔNIO VIEIRA, 
Sermão do Bom Ladrão,
pregado na Igreja da Misericórdia de Lisboa, no ano de 1655



















E agora prepare-se o leitor para o mesmo assombro em que ficou a vila ao saber um dia que os loucos da Casa Verde iam todos ser postos na rua.
—Todos?
—Todos.
—É impossível; alguns sim, mas todos...
—Todos. Assim o disse ele no ofício que mandou hoje de manhã à Câmara
De fato o alienista oficiara à Câmara expondo: — 1º, que verificara das estatísticas da vila e da Casa Verde que quatro quintos da população estavam aposentados naquele estabelecimento; 2°, que esta deslocação de população levara-o a examinar os fundamentos da sua teoria das moléstias cerebrais, teoria que excluía da razão todos os casos em que o equilíbrio das faculdades não fosse perfeito e absoluto; 3°, que, desse exame e do fato estatístico, resultara para ele a convicção de que a verdadeira doutrina não era aquela, mas a oposta, e portanto, que se devia admitir como normal e exemplar o desequilíbrio das faculdades e como hipóteses patológicas todos os casos em que aquele equilíbrio fosse ininterrupto; 4º, que à vista disso declarava à Câmara que ia dar liberdade aos reclusos da Casa Verde e agasalhar nela as pessoas que se achassem nas condições agora expostas; 5° que, tratando de descobrir a verdade científica, não se pouparia a esforços de toda a natureza, esperando da Câmara igual dedicação; 6º que restituía à Câmara e aos particulares a soma do estipêndio recebido para alojamento dos supostos loucos, descontada a parte efetivamente gasta com a alimentação, roupa, etc.; o que a Câmara mandaria verificar nos livros e arcas da Casa Verde
CAPÍTULO XI - O ASSOMBRO DE ITAGUAÍ
O ALIENISTA
Machado de Assis









Resumo: O objetivo deste trabalho é problematizar os conceitos chaves do tema ora oferecido para a reflexão, a saber, saúde mental e direitos humanos, no contexto  e na perspectiva da abordagem do sistema penitenciário denunciando sobretudo o caráter ambivalente do conceito de saúde mental e a difícil articulação deste conceito extremamente flutuante e volátil com os direitos humanos. Em decorrência da natureza ingente desta empresa o autor sugere a criação de parcerias e consórcios entre o CNPCP e Instituições de Ensino Superior com o fim de se criar uma instância de produção do conhecimento a respeito do problema SAÚDE MENTAL NO SISTEMA PENITENCIÁRIO, bem como criar uma rede de atendimento que alcance o preso e seus familiares, que possa prestar-lhe melhores serviços de suporte jurídico, sanitário e psicológico com vistas à criação de situações de menor insalubridade mental para os reclusos.





Capítulo I: O paradoxo entre saúde mental e reabilitação
O texto em epígrafe do Pe. Antônio Vieira, em seu clássico e atualíssimo sermão sobre o Bom Ladrão mostra com extrema clareza a relatividade de certos conceitos que, se bem contextualizados e bem iluminados pela inteligência humana conseguem  ser explicados e compreendidos de forma inigualável.Este sermão mostra como  uma certa idéia pode ser relativizada unicamente em vista do seu contexto. O texto de Machado de Assis mostra com arte e bom humor como a noção de saúde mental depende da epistemologia subjacente aos pressupostos teóricos postulados pelo cientista. De forma análoga, este capítulo pretende explicitar o caráter ambivalente da noção de SAÚDE MENTAL, seja porque esta noção depende do nível de adaptação ao ambiente em que se vive (exemplo do Sermão do Bom Ladrão), seja porque ela também depende da epistemologia subjacente à própria noção de Saúde Mental (exemplo d’O Alienista).
O maior desafio deste estudo consiste em explicitar a dificuldade de se elaborar conceitos que sejam intersubjetivamente válidos para os diversos círculos que se constituem como a fonte de cada um desses conceitos. O conceito de  saúde mental tem sua origem na medicina, na psicologia e na psiquiatria[1]. O conceito de direitos humanos tem como fonte o ‘triângulo’ acadêmico da sociologia, da filosofia e do direito, bem como os assessores das Nações Unidas. O sistema penitenciário deve sua compreensão ao espaço de reflexão sobre o direito penal, direito processual penal e também em última instância ao círculo de pesquisadores que se situam no âmbito da discussão jusfilosófica. O tema ora trabalhado oferece, na articulação de seus termos, um desafio intelectual ingente pois é necessário que se façam opções epistemológicas, opções críticas e articulações conceituais que permitam a elaboração de um discurso coerente que não misture posições diversas, e que estas posições não sejam ao mesmo tempo incompatíveis e incomensuráveis entre si.  Mais do que oferecer sugestões de como se deve tratar o preso para que ele tenha sua saúde mental preservada, ou, mais do que oferecer sugestões de reestruturação da organização penitenciária, o objetivo básico deste trabalho será discutir a noção de saúde mental que no interior de certos contextos pode ser relativizada de forma extremamente profunda, tal como no caso ora em questão: a saúde mental no seio do sistema penitenciário. E após discutir a noção de saúde mental e sua relatividade contextual, esses primeiros resultados serão aplicados à noção de direitos humanos (DDHH), através dos quais serão indicadas certas contradições que se encontram na base mais profunda da própria exigência dos DDHH. Portanto, este texto se configurará como uma espécie de alerta que lançará luzes sobre a dificuldade em se tomar como suficiente (e às vezes necessário) um conceito de saúde mental que talvez deva  ser elástico demais e polissêmico o bastante para obnubilar a compreensão seja dos DDHH, seja do sistema penitenciário a partir de uma certa idéia rígida de saúde mental.
Uma primeira consideração a respeito da proposta deste estudo repousa sobre o nível de dificuldade em se definir o que seja propriamente SAÚDE MENTAL. Caso a pesquisa colocasse como tema DOENÇA MENTAL e DIREITOS HUMANOS seria muito mais fácil de se alcançar algum resultado  visto que seria menos ingente definir o que é doença mental. Em outros termos pode-se dizer, que por mais difícil que seja definir DOENÇA MENTAL, ao menos existem o DSM-IV  e o CID.10[2] que catalogam as doenças mentais conhecidas, com suas principais características diagnósticas. Caso o tema fosse a DOENÇA MENTAL E O SISTEMA PENITENCIÁRIO, poder-se-ía discutir as formas de atendimento aos presos que estivessem acometidos pelas características diagnósticas indicativas de uma certa patologia mental e ulteriormente prolatar todas as questões relativas aos procedimentos de cura, fornecimento de atendimento psiquiátrico, internação no manicômio psiquiátrico,  tratamento ambulatorial, medidas de segurança etc.
Todavia, como já foi dito não parece tão simples, pois o problema a ser discutido é a saúde e não a doença mental. Afinal saúde e doença não são apenas coisas diferentes entre si, mas temas antípodas entre si, diametralmente opostos, não obstante sejam conceitos profundamente imbricados  entre si. Impõe-se, pois, a tarefa de trabalhar-se  com a noção de saúde mental que está intimamente associada com a capacidade que o indivíduo possui de adaptar-se ao meio ambiente e ao meio social em que vive. Qualquer tipo de inadaptação poderá indicar, inicialmente, algum tipo de transtorno que pode variar de um transtorno leve (quase imperceptível) a um transtorno agudo que possa ser medicamente diagnosticado como algum tipo doença mental presente nos catálogos supra indicados[3]. Todavia certos transtornos, dada à sua superficialidade, não possuem a devida intensidade para que se consiga efetivamente alcançar um diagnóstico seguro e  certo.  O mais importante é que a saúde mental sempre esteve associada ao grau de adaptação ao meio social em que o sujeito se encontra inserido. Isto posto, é possível esclarecer que as estratégias de adaptação para a mantença da saúde mental é diretamente relacionada com o ambiente em que se vive[4].  Portanto, discutir saúde mental no sistema penitenciário implica discutir o grau de adaptação do sujeito ao meio em que ele se encontra. Não há o que se esconder a respeito da natureza do sistema penitenciário brasileiro. É fato este sistema está distante de qualquer situação considerada ideal. E a manutenção da saúde mental num ambiente extremamente precário em termos de socialidade, higiene, promiscuidade, doenças sexualmente transmissíveis, torna-se um exercício hercúleo para aquele que precisará cumprir sua pena de reclusão em algum estabelecimento do sistema penitenciário nacional[5].  É portanto, exatamente neste ponto que se põe como fundamental o tema da saúde mental, pois o dilema que se coloca é o seguinte: se o sujeito que deverá cumprir sua pena de reclusão deve adaptar-se à sua nova situação (de promiscuidade, falta de higiene, violência física e sexual, exposição a doenças sexualmente transmissíveis, homossexualismo, uso de drogas e  um novo conjunto de regras sociais) para manter-se vivo e integrar-se ao novo ambiente em que se encontra, como avaliar a inteireza de sua saúde mental, se o conceito de saúde mental tomado como predominante é marcado pelo contexto externo ao sistema penitenciário? Afinal é óbvio que o sujeito que vive no seio do sistema penitenciário não terá como parâmetros comportamentais e sociais os mesmos parâmetros que vigem fora da prisão. Se, portanto, o conceito de saúde mental,  como capacidade adaptativa ao meio sofre uma mudança significativa, justamente por causa da mudança do meio, é válido avaliar a integridade psíquica do indivíduo que está lá dentro com conceitos elaborados aqui fora?
Daí se coloca um outro paradoxo. Se o catálogo de regras morais, sociais, econômicas que vige intra muros é muito diferente da estrutura social do mundo extra muros, como pensar a re-educação e a reabilitação do preso no interior de um ambiente cujos critérios valorativos que lhe permitem a integridade física e psíquica são distintos dos critérios necessários para a vida extra muros? Se o sujeito não mudar seus registros comportamentais e valorativos a vida intra grades será psiquicamente insuportável, e aí sim, o sujeito estará à beira de transtornos mentais inexoráveis. O paradoxo: a manutenção da saúde mental do recluso implica sua adequação a um meio extremamente comprometido segundo os critérios de normalidade erigidos pela sociedade. Para manter-se saudável, ou numa linguagem menos técnica, para não enlouquecer, o sujeito deverá adaptar-se àquele ambiente violento, promíscuo, pouco higiênico, inseguro, com baixíssimos níveis de conforto para se dormir (na posição de valete). Como articular saúde mental e reabilitação se para sobreviver  o preso deve ir na contra-mão de tudo que seria necessário para o êxito do processo reeducativo? Este questionamento atinge o núcleo da pergunta sobre a possibilidade de recuperação e reabilitação daquele que se encontra recluso. De forma metafórica e quase jocosa, para não dizer tragicômica, há uma semelhança com aquele grupo de Alcoólicos Anônimos que faze suas reuniões semanais no próprio bar, na sexta-feira às 18h. Como se recuperar? Se a integridade psíquica do indivíduo depende de sua adaptação àquele meio deteriorado e muito diferente da sociedade, como julgar possível que naquele meio será factível a realização de um processo de reabilitação? O que está em jogo é a integridade psíquica, mais profunda, mais íntima do sujeito, à qual ninguém consegue renunciar. Ou ele se adapta ou se lança no abismo da loucura e da insanidade mental, como saída de emergência de uma situação à qual sua adequação lhe é absolutamente insuportável.





Capítulo II: As Penas,  o Sofrimento Infligido  e a Saúde Mental
Qual o sentido do aprisionamento do criminoso: proteger a sociedade das ameaças de uma pessoa perigosa,  racionalizar a vingança, reeducar e recuperar uma pessoa para o convívio pacífico com a sociedade?  Se o sentido do cerceamento da liberdade está em punir a pessoa, é necessário que isto seja feito tendo em vista o horizonte do retorno desta pessoa ao convívio social, afinal não há prisão perpétua no Brasil. Algum dia o retorno acontecerá. Portanto é necessário que a punição seja acompanhada de um processo de reeducação. Se não há reeducação ou se há um processo mais sério de deformação, qual o sentido em aprisionar alguém quando há a certeza de um retorno mais ameaçador? Qual o sentido disto? Prender o criminoso para piorá-lo e torná-lo mais ameaçador ainda? Qual o sentido de um sistema prisional como este que profissionaliza o criminoso? Este capítulo pretende discutir os paradoxos existentes entre as exigências sociais da punição, da reabilitação e a saúde mental do preso.
As questões postas na seção anterior colocam em xeque a visão mesma que se tem a respeito do cumprimento de uma pena pelo cometimento de algum tipo de agressão ao meio social em que o sujeito se encontra.
Além disto, todo o esquema mental construído para a efetiva adaptação e a manutenção de sua integridade no sistema penitenciário deverá, novamente ser deletado, por ocasião do seu retorno ao convívio social. Ora, não se está falando de um disco de computador magnético que pode ser formatado e reformatado. Trata-se efetivamente de uma pessoa, com comportamentos, hábitos, vícios que são estabelecidos ao longo do tempo. A transposição de uma porta, seja em que direção for, para dentro ou para fora  do presídio não muda automaticamente os registros comportamentais de quem quer que seja[6]. A gravidade do paradoxo que marca esta situação é de tamanha magnitude que nos deixa paralisados diante de um quadro profundamente complexo e com saídas inexeqüíveis. Afinal, a saúde mental do recluso ficará comprometida sempre que houver um certo tipo de sofrimento mental. Ora, não há quem julgue que o encarceramento possa ser motivo de gozo para alguém. Certamente o encarceramento será ocasião de algum tipo de sofrimento. Portanto  se se disser que o único objetivo da restrição de liberdade do sujeito é proteger a sociedade sem lhe infligir qualquer tipo de sofrimento apresenta-se uma incompatibilidade absoluta entre o sistema penitenciário e qualquer pretensão de respeito aos DDHH. Como pensar a restrição da liberdade sem  a imposição de certo sofrimento, que em última análise sempre estará em confronto com os DDHH. Será portanto, incompatível pensar a reclusão com os DDHH? Da mesma forma é possível perguntar se não há um paradoxo, ou uma contraditio in termis quando se tenta articular a. punição, b. saúde mental e c. direitos humanos. Em termos mais simples, como punir sem provocar sofrimento?[7]. E se é necessário punir, provocando sofrimento, como não aviltar os direitos humanos  e a dignidade da pessoa humana? Como punir, tendo em vista o horizonte do retorno à liberdade e a perspectiva da reabilitação do indivíduo? Como falar de saúde mental quando o sujeito é internado num ambiente que para qualquer um que viva fora dele, se apresenta como algo próximo dos níveis mais profundos do  inferno dantesco? Não é à toa, que Dante ao se aproximar das profundezas gélidas (e não ígneas) de seu inferno, afirma que ali só se pode ficar por ínfimos instantes, sob o risco da eterna loucura!!
No entanto, se em nossos pressupostos jusfilosóficos de compreensão do encarceramento está um princípio que indica a disposição da sociedade de não só proteger-se do criminoso, mas também de infligir-lhe um certo sofrimento como punição pelo crime praticado, se a sociedade está vingando-se do encarcerado, justifica-se que a existência do sofrimento e portanto de algum tipo de dor e de algum tipo de abalo e déficit de sua saúde mental, não só ocorram, como sejam necessários para que a sociedade tenha sua vingança realizada, e as partes prejudicadas (em alguns casos) tenham sua ira e sua raiva aplacadas, no sentido de que percebam que o criminoso tenha pagado pelo que cometeu. Afinal, no extremo das partes envolvidas sempre há o sofrimento, que em primeiro lugar é o sofrimento da vítima, quando ambas as partes envolvidas na lide são pessoas. De uma forma muito livre poderia se dizer que o direito sempre busca, em última análise, um equilíbrio de sofrimentos. Quando a dor de um pai que perdeu seu filho atropelado, assassinado brutalmente ou  por overdose, ... quando esta dor alcança o limite do insuportável é notório que a conseqüência desta dor seja impingir ao responsável por esta morte uma dor equivalente ou superior, sobretudo quando a vítima é um inocente. Num caso limite como este, onde de um lado  há uma vítima inocente e de outro um agente que responde dolosamente pelos seus atos, aquele que morreu foi vítima de um sofrimento que acabou com toda sua vida física e mental e além disto ficaram os parentes que também podem permanecer com vestígios  e resquícios de um fato extremamente doloroso que pode com um grau de incidência bastante alto, abalar sua saúde mental e sua saúde social[8]. O pai que perde seu filho e se deprime, o filho que perde seu pai e terá problemas de personalidade, ou que poderá passar fome pois não há mais quem o sustente... A questão que permanece é a seguinte: até onde a saúde mental do aprisionado pode ser comprometida como elemento constitutivo da vingança societária e até onde este comprometimento viola os DDHH?[9].
O risco da lucidez... a singela posição deste autor aposta no risco da lucidez cujos frutos estão sempre num futuro próximo. A lucidez é a prudência dos gregos, a chamada sophrosine. A lucidez não é iluminação absoluta, intuição cartesiana marcada pela clareza e pela evidência, menos ainda um tipo qualquer de hiper-visão. A lucidez do homem racional é prudência, sabedoria que prefere punir de forma insuficiente a deixar-se levar pela tentação da brutalidade inconseqüente e desmesurada. É necessário  fechar este caminho da brutalidade e da violência institucional para nunca mais abri-lo, pois o intento racional e mais inteligente é o da recuperação do agente criminoso. Se a sociedade opta simplesmente pela eliminação do criminoso, ou pela sua castração, ou pela amputação de seus membros, realiza-se a extinção da oportunidade de se inventar  o caminho da aprendizagem que poderá ensinar à humanidade como reintegrar estas pessoas. Certamente trata-se de optar pelo caminho mais longo e mais difícil, todavia é certo que se trata da opção antropológica por excelência que é aquela que aposta nas prerrogativas humanas da racionalidade e da liberdade  que ulteriormente lançará o homem por trilhas mais elevadas e magnânimas de realização e a índices mais sublimes de humanidade.
Este ensaio partiu da ocasião de  uma reflexão proposta sobre os temas da saúde mental e dos direitos humanos. E o fio de Ariadne deste trabalho lançou a reflexão para temas profundamente críticos do ponto de vista antropológico e jusfilosófico que apontam para problemas no âmbito da convivialidade humana que ainda estão longe de ser solucionados, não obstante a humanidade possa optar por estratégias que encurtem certos caminhos, mas que podem conduzir a paradoxos sociais ainda mais graves, pois tais situações não teriam como pressuposto a luz da razão e sim a pressa da solução de curto prazo. Esta defesa da lucidez e da prudência são soluções da espécie assentadas sobre uma perspectiva filogenética. O ser humano criou estratégias extremamente sofisticadas ao longo de milhares de milhares de anos. Na ponta  desta evolução,  a vantagem competitiva da humanidade foi o presente de Prometeu, ou a curiosidade feminina que nos levou a comer o fruto da árvore do conhecimento. Mais do que conhecimento temos auto-conhecimento (e aqui optamos por falar em primeira pessoa do plural). Somos conscientes de nós mesmos. Temos auto-consciência. A consciência de si é uma prerrogativa exclusiva dos antropóides hominóides que somos nós. E temos inteligência suficiente para elaborarmos estratégias que valham para a espécie e não apenas para resolver questões particulares entre indivíduos e nações.
O tema da saúde mental no sistema penitenciário é um problema que tem sua sustentação teórica sobre o mesmo suporte conceitual que suporta toda uma série de problemas relativos à convivialidade pacífica e racional entre os humanos. Portanto, a oportunidade de refletir sobre este tema faz com que outros fundamentos da reflexão jusfilosófica sejam tocados e com isto pode-se perceber a grandeza do desafio que os juristas têm pela frente: pensar o futuro da convivialidade humana sobre bases racionais que não sejam apenas de natureza pragmático-tecnocrática, mas sobre bases humanistas que apontem para um futuro iluminado pela sensatez humana que máquina alguma pode prolatar.
A brutalidade e a sede vingança, que muitas vezes podem até ser justificáveis diante do famoso argumento “e se fosse com a sua filha?”,  “e se fosse com a sua mãe?”, são cegas. A vingança é cega. A vingança se orienta por tatônement, às apalpadelas. A justiça deve ser lúcida e prudente. A figura clássica da justiça, como uma venda nos olhos, é uma figura arcaica que perdeu sua relevância num mundo complexo como o nosso. Sim a justiça deve ser imparcial, mas ela jamais deve ser cega. A justiça deveria segurar em sua mão, não uma espada, mas um lume. A justiça  deve sobretudo ser iluminada, lúcida, com a sua espada apontando o horizonte, para um futuro não muito longínquo, onde se possa ter a esperança de uma balança enferrujada, por causa da maturidade da responsabilidade humana.  Portanto, vê-se que não é fácil pensar a articulação do tema saúde mental  com a punição e com os DDHH, sobretudo porque não há um consenso sobre o que é punir e o que é reeducar sem que isto seja feito sem o comprometimento da saúde mental. O lugar desta nossa ignorância não deve ser ocupado nem pela covardia, menos ainda pela brutalidade temerária, mas pela sophrosine grega, pela prudência, ou ainda pela sabedoria.





Capítulo III: As Raízes Éticas dos Direitos Humanos  e a
Construção de um Consenso Universal
Se por um lado é difícil definir  o que é saúde mental e qual o grau de intensidade de sofrimento que pode ser infligido sobre alguém sob a justificativa que tal aplicação de sofrimento se deve à atribuição de uma pena estabelecida pelo ordenamento jurídico vigente. Por outro lado há o problema daquilo que se convencionou como Direitos Humanos. Este capítulo irá discutir a natureza dos conceitos de Direitos Humanos e a importância do alinhamento (e não subordinação) das políticas nacionais com outras instâncias de envergadura planetária que produzem conhecimento e diretrizes sobre problemas cuja magnitude tornou-se universal.
A história dos DDHH é a história da Ética[10]. E hoje as instâncias éticas se organizam prescindindo de qualquer instância transcendente (tal como fora na época de Sócrates, Platão, Aristóteles, Agostinho e Tomás de Aquino), restringindo-se ao espaço da imanência e através do discurso que busca um consenso entre os interlocutores. Como resultado deste horizonte epistêmico, que se assenta não sobre os fundamentos transcendentes de um Deus descoberto pela razão (como fizeram os gregos)  ou pela revelação (como fazem os cristãos), mas sobre os fundamentos imanentes da discussão que busca o consenso e a livre adesão, se apresentam à humanidade os DDHH cuja fórmula pétrea é a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 10 de dezembro de 1948.
É apenas a partir desta construção intelectual que se encontra hoje um fundamento para a proposição de quaisquer direitos que possam ser defendidos com uma perspectiva universalizante que alcance a envergadura de todos os povos que vivem sobre o planeta. Portanto, é a partir de uma declaração elaborada através da discussão que se buscam critérios de ação e de organização da sociedade mundial. Partindo pois, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a ONU apresenta conceitos e indicadores que sirvam de norte para a ação das mais diversas entidades cujos mais variados  escopos sejam de alguma forma orientados por padrões éticos e sustentáveis de atuação. É óbvio que não há nada que dê a esta instância da ONU um estatuto de infalibilidade. Todavia a ação da ONU e produção de seu staff de intelectuais tem se mostrado de uma sensatez e de uma lucidez única que devem servir de farol para a humanidade que se encontra perplexa e muitas vezes como que à deriva, sem saber exatamente como proceder diante de problemas tão complexos como estes que se apresentam ao homem hodierno da primeira civilização universal deste planeta.
Neste contexto de constituição dos Direitos Humanos, há a resolução elaborada pela ONU[11], constituída por trinta e nove princípios que indicam como se deve tratar aqueles que estejam submetidos a qualquer forma de detenção ou prisão. Há dois outros documentos prolatados pela Assembléia Geral da ONU que foram adotados pelo Primeiro Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento de Delinqüentes. O primeiro documento  chama-se Princípios Básicos Relativos ao Tratamento de Reclusos[12] e o segundo documento chama-se Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros onde há  95 parágrafos acompanhados de 13 procedimentos comentados[13]. Também há, como instrumento elaborado pela mesma ONU, outros documentos referentes ao direito que todo ser humano tem à saúde (Declaração de Alma-Ata)[14] e mais especificamente uma declaração que prolata princípios para a proteção de pessoas acometidas de transtorno mental e para a melhoria da assistência à saúde mental[15].
É extremamente promissor, sensato e sábio que as autoridades brasileiras responsáveis pelo estabelecimento das políticas criminais e penitenciárias da nação estejam sintonizadas com o discurso orgânico e coerente estabelecido pela ONU e possam neste último mês de 2004 comemorar os dez anos da redação da “Resolução nº 14, de 11 de novembro de 1994” sobre as Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil. Pois a estratégia de sintonizar-se os procedimentos e orientações internacionais elaborados pela ONU, longe de indicar qualquer tipo de subordinação aponta que o país está orientando-se por uma perspectiva lúcida de preservar as maiores conquistas da humanidade em termos de liberdade, direito, cidadania e civilidade em detrimento da ignorância e da brutalidade que não se nos apresenta como vantagem competitiva para a evolução da espécie, mas como o risco e a ameaça do reino da barbárie.





Conclusão: Um consórcio entre Universidades e o CNPCP.
Considerando que o CNPCP está alinhado e afinado com esta perspectiva de alinhamento global e internacional, esta conclusão aponta sugestões de parcerias e consórcios com as Instituições de Ensino Superior que ainda são, neste país, o lugar privilegiado de produção do conhecimento.  Daí a relevância da criação de fóruns que pensem de forma criativa soluções para os grandes problemas nacionais na área do sistema penitenciário e mais particularmente para os problemas relativos à salubridade psíquica dos nossos presos. 
É muito significativo  que o esforço para pensar  o problema da saúde mental no sistema penitenciário esteja em conexão direta com as proposições humanitárias e humanizantes da ONU. Certamente este é o 1º passo a ser dado por aqueles que queiram refletir seriamente sobre este problema e que queiram atuar de forma significativa para que um dia o ideário da ONU, relativo às condições penitenciárias, possa vir a ser efetivado no Brasil. Portanto esta sintonia existente entre os princípios prolatados pela ONU e as orientações brasileiras, emitidas pelo CNPCP na sua resolução sobre as Regras Mínimas é de absoluta importância pois fornece a direção do caminho que deve ser seguido.
Em 2º lugar é necessário que o esforço para se pensar o problema da saúde mental seja  dividido com outros parceiros, ou como se diz na linguagem empresarial com outros stakeholders, ou numa linguagem mais simples, é possível realizar uma espécie de terceirização deste esforço[16]. Uma 3ª indicação mais pontual, diretamente ligada com a anterior, aponta para a elaboração de formas criativas de envolvimento de pessoas que possam entrar em contato com o sistema penitenciário. Uma situação paradigmática é aquela de alunos e alunas de psicologia que fazem seus estágios atendendo presos e seus familiares nas instalações do presídio e nas instalações da própria universidade, respectivamente. Estes alunos contam com a supervisão de professores doutores, especializados em psicologia forense.
4ª sugestão: outra maneira de fomentar esta reflexão tão profícua é através do fornecimento de bolsas de estudo para projetos de estudantes universitários que queiram se disponham a fazer os mais diversos tipos atendimento aos presos[17]. A 5ª  sugestão para fomentar a pesquisa sobre o tema da saúde mental no sistema penitenciário é o fomento de bolsas de mestrado e doutorado em parceria com agências nacionais e estaduais de pesquisa[18].
Se tal como foi mostrado neste estudo, a articulação do tripé “saúde mental - sistema penitenciário - direitos humanos” não é algo fácil de ser realizado conceptualmente, quanto mais difícil não será efetivar um sistema penitenciário  que por um lado cumpra sua função reabilitadora e por outro lado cumpra sua função penitenciária, de penitenciar e punir o criminoso, sem violar os DDHH que se assentam sobre a dignidade da pessoa humana e sem que a integridade mental do penitenciado sofra o efeito sanfona decorrente dos sucessivos processos de adaptação necessários na sua saída do convívio social e na entrada da vida intra muros e em seguida na saída da vida intra muros para o retorno à convivialidade social. Portanto a lucidez deste Conselho brilha ao realizar um concurso com este tema e ao homenagear Dom Paulo Evaristo Arns (símbolo de lucidez e coragem, em anos de trevas e terror). E pode continuar brilhando de forma fulgurante e ofuscante estabelecendo  mecanismos criativos para a divisão do problema com outras instâncias da própria sociedade.
Mais duas sugestões de caráter mais orgânico e de constituição mais complexa e que são inter-relacionadas: a primeira consiste na propositura de concursos, não só de monografias, mas concursos de projetos dos quais os participantes seriam grupos constituídos por alunos de direito e psicologia (ou medicina), acompanhados por professores e com o aval da instituição que cederia suas instalações para a realização dos projetos. O tripé “instituição de ensino superior – professores – alunos” pode oferecer projetos na área da saúde mental, oferecendo mecanismos de acompanhamento supervisionado, através do qual o aluno atende o preso ou seus familiares, leva suas dúvidas aos supervisores e ambos com o apoio institucional agem em favor dos direitos que cabem aos respectivos atendimentos.
Em seguida, o CNPCP poderia criar núcleos do CNPCP em parceria com estas instituições de ensino, desde que notoriamente renomadas, nas quais os alunos de Direito e Psicologia poderiam fazer atendimento aos familiares dos presos e em seguida, nos próprios presídios atender os reclusos[19].
Esta parceria universidade-presídios é uma oportunidade  extremamente rica para se pensar muitos aspectos da realidade brasileira, pois no presídio  há uma convergência dos problemas mais ardentes da agenda nacional: pobreza, discriminação, DST, racismo, violência, abandono, saúde mental e outros tantos desafios. Esta oportunidade será ocasião para se pensar um Brasil menos violento, menos cruel,  com menos discriminação e mais pacífico. Pois nossos presos são nossos presos, e eles não podem ficar abandonados a si mesmos, afinal, por si próprios já erraram bastante. Uma parceria sólida entre universidade-CNPCP pode tornar-se não só um fórum privilegiado de produção do conhecimento, bem como fornecer ao país uma ocasião extremamente privilegiada de se pensar saídas realistas para os problemas sérios que o país vive no início do século. Além disto, todo este esforço pode estar alinhado com toda a reflexão proposta pela ONU na Cúpula do Milênio quando foram definidos os OITO Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, cujas metas brasileiras apontam para resultados significativos a serem alcançados ainda em 2015, e que no Brasil foram transcritos no Movimento Nacional pela Cidadania e Solidariedade sob a consigna do NÓS PODEMOS: 8 jeitos de mudar o mundo![20] Sugerimos este alinhamento pois nenhum esforço individual e isolado pode ser eficaz numa situação tão complexa como a que o país atualmente vive (8º objetivo do milênio: estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento.). Daí a necessidade do comprometimento das instâncias legiferativas, daquelas que estabelecem políticas nacionais, daquelas que formam a juventude e daquelas que pensam no mundo de forma global e planetária. Com tudo isto é possível sonhar um Brasil cuja saúde mental só pode alcançar sua máxima integridade quando não tivermos mais fome e pobreza extremas, educação de qualidade, igualdade entre sexos e valorização da mulher, baixos índices de mortalidade infantil, mais saúde para as gestantes, sem AIDS e sem malária, com qualidade de vida e um meio ambiente íntegro, com muita gente trabalhando pelo desenvolvimento deste país encantado e maravilhoso.








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Agora, mesmo, a gente só escutava era o acorçôo do canto, das duas, aquela chirimia, que evocava: que era um constado de enormes diversidades desta vida, que podiam doer na gente, sem jurisprudência de motivo nem lugar, nenhum, mas pelo antes, pelo depois.
            Sorôco.
           Tomara aquilo se acabasse. O trem chegando, a máquina manobrando sozinha para vir pegar o carro. O trem apitou, e passou, se foi, o de sempre.
            Sorôco não esperou tudo se sumir. Nem olhou. Só ficou de chapéu na mão, mais de barba quadrada, surdo — o que nele mais espantava. O triste do homem, lá, decretado, embargando-se de poder falar algumas suas palavras. Ao sofrer o assim das coisas, ele, no oco sem beiras, debaixo do peso, sem queixa, exemploso. E lhe falaram: — "O mundo está dessa forma..." Todos, no arregalado respeito, tinham as vistas neblinadas. De repente, todos gostavam demais de Sorôco.
Ele se sacudiu, de um jeito arrebentado, desacontecido, e virou, pra ir-s'embora. Estava voltando para casa, como se estivesse indo longe, fora de conta.
            Mas, parou. Em tanto que se esquisitou, parecia que ia perder o de si, parar de ser. Assim num excesso de espírito, fora de sentido. E foi o que não se podia prevenir: quem ia fazer siso naquilo? Num rompido — ele começou a cantar, alteado, forte, mas sozinho para si — e era a cantiga, mesma, de desatinoo, que as duas tanto tinham cantado. Cantava continuando.
            A gente se esfriou, se afundou — um instantâneo. A gente... E foi sem combinação, nem ninguém entendia o que se fizesse: todos, de uma vez, de dó do Sorôco, principiaram também a acompanhar aquele canto sem razão. E com as vozes tão altas! Todos caminhando, com ele, Sorôco, e canta que cantando, atrás dele, os mais de detrás quase que corriam, ninguém deixasse de cantar. Foi o de não sair mais da memória. Foi um caso sem comparação.
            A gente estava levando agora o Sorôco para a casa dele, de verdade. A gente, com ele, ia até aonde que ia aquela cantiga.


Sorôco, sua Mãe, sua Filha, in Primeiras Estórias
JOÃO GUIMARÃES ROSA





[1] . Afrânio Peixoto é considerado o fundador da Psiquiatria Forense no Brasil. Todavia o maior sistematizador do conhecimento nesta área, foi sem dúvida alguma HEITOR CARRILHO (1890-1954) que dirigiu o manicômio judiciário do Rio de Janeiro do ano de sua fundação em 1921 até o ano de sua morte. Em 2004 comemoram-se  os 50 anos da morte deste homem que dedicou quase  quatro décadas de sua vida à Psiquiatria Forense. Outro estudioso de renome internacional é Michel Foucault (1926-1984). Em 2004, comemoram-se os 20 anos de sua morte
[2].CID.10: É a classificação dos transtornos mentais da Organização Mundial de Saúde (ONU). http://www.psiqweb.med.br/cid/cid10.html. Estes catálogos indicam os subtipos do transtorno, outras características e transtornos associados, prevalência,  curso,  diagnóstico diferencial, critérios diagnósticos para encoprese, codificação etc. Exemplo:  F44.3 Estados de transe e de possessão: Transtornos caracterizados por uma perda transitória da consciência de sua própria identidade, associada a uma conservação perfeita da consciência do meio ambiente. Devem aqui ser incluídos somente os estados de transe involuntários e não desejados, excluídos aqueles de situações admitidas no contexto cultural ou religioso do sujeito. Exclui: esquizofrenia (F20.-) intoxicação por uma substância psicoativa (F10-F19 com quarto caractere comum .0) síndrome pós-traumática (F07.2) transtorno(s): · orgânico da personalidade (F07.0) · psicóticos agudos e transitórios (F23.-).
[3] . “Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros:  24. O médico deverá ver e examinar cada preso o mais depressa possível após a sua admissão no estabelecimento prisional e depois, quando necessário, com o objetivo de detectar doenças físicas ou mentais e de tomar todas as medidas necessárias para o respectivo tratamento; de separar presos suspeitos de doenças infecciosas ou contagiosas; de anotar deformidades físicas ou mentais que possam constituir obstáculos à reabilitação dos presos, e de determinar a capacidade de trabalho de cada preso. 25. 25.1.O médico deverá tratar da saúde física e mental dos presos e deverá diariamente observar todos os presos doentes e os que se queixam de dores ou mal-estar, e qualquer preso para o qual a sua atenção for chamada.  25.2.O médico deverá informar o diretor quando considerar que a saúde física ou mental de um preso tenha sido ou venha a ser seriamente afetada pelo prolongamento da situação de detenção ou por qualquer condição específica dessa situação de detenção. MELLO, Cleyson de Moraes & ESTEVES FRAGA, Thelma de Araújo (organizadores) – Direitos Humanos, Coletânea de Legislação. Rio de Janeiro, Livraria Freitas Bastos Editora S. A, 2003, p.1101.
[4] .  Ambientes extremamente ameaçadores, complexos, estressantes e violentos tal como é a metrópole de São Paulo, de Washington, a cidade do México ou de Tókyio exigem um tipo de adaptação e adestramento completamente diferente daquele necessário para se viver numa bucólica cidade do interior de Minas Gerais, ou aos pés dos Alpes suíços. O paulistano e o carioca que saiam das suas respectivas capitais para viverem no interior de uma cidade de Minas Gerais podem ter problemas psíquicos pois não conseguem se adaptar àquele ritmo tranqüilo e sereno, vagaroso e arcádico de uma cidade do circuito histórico das Minas Gerais. É possível se dizer o mesmo do sujeito que saia de uma região interiorana de qualquer estado brasileiro para viver na célere metrópole paulista. Certamente, ele dirá que encontrou uma cidade de doidos! Ou ele mesmo poderá entrar em pânico e ser acometido por um sentimento de terror que poderá provocar uma síndrome de pânico. Diz-se que o stress de um paulistano que saia de sua casa às 7h da manhã para retornar às 21h30 (depois de dezenas de quilômetros de trânsito por uma daquelas marginais) corresponde ao stress que um homem maduro, que vivesse no ano 1910, demoraria catorze anos para atingir. Hoje o paulistano vive, em um dia, o stress de catorze anos, que um homem viveria em 1910. Esta vida é saudável? A saúde mental do paulistano já não está seriamente comprometida ao viver num dia, uma década e meia de stress? Não há uma resposta conclusiva para esta pergunta. A resposta é relativa. O paulistano bem adaptado à sua vida meteórica e alucinante, de trânsito, de violência, de poluição sonora, visual e atmosférica leva a sua vida com sucesso. Todavia aquele que sentir-se psiquicamente prejudicado por este tipo de vida  e possuir dificuldades de adaptação poderá apresentar sinais de prejuízo da sua saúde mental. Estes exemplos prosaicos querem apenas elucidar um aspecto determinante para a configuração de um diagnóstico que possa comprometer a saúde mental de alguém: o ambiente. A saúde mental é diretamente proporcional ao grau de adaptação que o sujeito possui no meio em que vive. E quanto maior for o seu grau de adaptação a este meio, maiores serão as chances do indivíduo de sobreviver naquele meio inóspito ou bucólico. Aquele que saiu da metrópole e foi para o interior, se não se adaptar à nova vida tranqüila poderá cair numa séria e profunda depressão e em casos crônicos suicidar-se. O homem do interior engolido pela celeridade da capital pode simplesmente ser atropelado, dentre outras tantas possibilidades tão sérias quanto estas que atinjam diretamente a integridade do seu psiquismo: fobias e síndromes que de alguma forma vão isolá-lo do perigo do ambiente para que ele se proteja do ambiente agressivo da grande cidade. Uma agorafobia numa cidade grande, não obstante deva ser tratada como uma fobia que atrapalha a vida social do indivíduo não é outra coisa senão uma saída de emergência para protegê-lo daquela vida agitada da cidade, com a qual o sujeito não conseguiu adaptar-se. Sua agorafobia, o deixa em casa, protegido da violência, do trânsito, da celeridade de uma vida marcada por um tempo que valoriza segundos e minutos de forma extremamente cruel. Há grandes teorias da personalidade que elaboram tipologias que consideram vários tipos de atitudes que variam da  introversão à extroversão. Aquilo que esteja para aquém da introversão e para além da extroversão poderá ser considerado patológico. Todavia o ponteiro indicador destes graus de atitudes introvertidas e extrovertidas é um ponteiro flutuante. Excesso de introversão num certo ambiente pode ser considerado prejudicial e com isto se tem alguém com sua saúde mental comprometida. Excesso de extroversão pode atrapalhar o grupo, prejudicá-lo e colocá-lo em risco. Mais uma vez esta inadaptação pode ser tratada como uma patologia.
[5] . Sistema Prisional e Segurança Pública segundo a Procuradoria da República: “Inúmeras pesquisas e vistorias feitas por órgãos de defesa de direitos humanos nos estabelecimentos prisionais do Brasil revelam um quadro aviltante da condição humana a que são submetidos os encarcerados. Permanência na prisão além do tempo da condenação, ou no regime mais severo quando há a possibilidade de progressão. Violência oficial crônica exercida contra o preso, inclusive tortura, desde o momento em que é detido. Submissão a degradantes condições de vida nos presídios, cadeias e delegacias por ausência de condições mínimas de acomodações. Superlotação, sendo obrigados a dormir no chão, às vezes no banheiro próximo ao buraco de esgoto, ou amarrados às grades das celas, em estabelecimentos deteriorados. Ausência de assistência à saúde, permitindo que doenças como tuberculose e AIDS sejam epidêmicas. Não cumprimento da regra mínima que recomenda o limite de 500 presos por estabelecimento. Falta de ambientes diferenciados que propiciem a separação de acordo com o crime cometido, a pena aplicada, a periculosidade, o sexo e a idade dos apenados. A proteção da dignidade do recluso é preocupação cada vez mais intensa das instituições de proteção e defesa dos direitos humanos. É uma tônica dos estados democráticos modernos implementar a realização dos direitos e garantias dessas pessoas.
A legislação brasileira e internacional a que o Brasil aderiu dispõem com suficiência sobre o assunto. No entanto, a realidade não tem mudado significativamente. Pode aferir-se a gravidade da questão, no Brasil, pela localização das normas no corpo da Constituição de 1988, e pelo elevado número de regras destinadas a inibir excessos decorrentes de ações e omissões dos agentes públicos. No primeiro artigo constitucional, dentre os princípios fundamentais, a dignidade da pessoa humana é tratada como um dos fundamentos da República (art. 1o, III). Em seguida, dentre os princípios que regem as relações internacionais do País está a prevalência dos direitos humanos (art. 40, II).Os direitos e garantias fundamentais da pessoa humana (art. 5º) contêm determinações dirigidas ao Estado no sentido de garantir-lhes proteção. A Lei de Execução Penal (7.210/84) enumera direitos e garantias do preso, e os benefícios que lhe são inerentes, especialmente no artigo 41. No âmbito internacional, o Brasil firmou compromissos para reconhecer a necessidade de salvaguardar os direitos das pessoas submetidas a qualquer forma de detenção ou prisão e de consolidar as disposições do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP). (...)
 “Voltado para a análise da situação prisional, visa garantir o cumprimento da Lei de Execução Penal e da legislação internacional, bem como assegurar que os investimentos federais feitos nos diversos sistemas prisionais estaduais possuam contrapartida de programas que assegurem o mínimo de dignidade no tratamento prisional previsto na lei e em tratados internacionais, a começar pelo direito ao trabalho e o direito a cumprimento de pena no regime legal. Veja-se como exemplo o Estado de São Paulo o qual, detendo 42% da população prisional do país, não possui nenhuma Casa do Albergado, impossibilitando o cumprimento de pena em regime aberto. É objetivo do grupo buscar, pela via extrajudicial e judicial, a garantia do direito do recluso, seja ele condenado ou não. Para isso, estão sendo conduzidas ações em quatro vertentes. Uma: investigar a questão do ponto do vista dos recursos destinados para o sistema prisional e a sua gestão - se há suficiência, desvio ou superfaturamento; motivar o TCU, se o caso, a promover auditoria no Fundo Gestor do Plano Nacional de Segurança Pública. Duas: implementar atuações e medidas para se fazerem respeitar os direitos garantidos na legislação interna tais como a Constituição Federal e dos Estados, Lei de Execução Penal e Recomendações do CONASP (Conselho Nacional de Segurança Pública) e do CNPCP (Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária); bem como do regramento internacional oriundos da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização dos Estados Americanos (OEA) para tratamento e proteção dos presos relativos à segurança, higiene, saúde, garantia dos direitos fundamentais, contra a tortura, todas as formas de discriminação e intolerância, direito humano à alimentação, regras relativas ao trabalho do preso, identificação de políticas criminais adequadas ou inadequação das políticas criminais, verificação do cumprimento das penas e seus incidentes, aplicação das regras de saúde, consolidação dos Conselhos da Comunidade, assistência aos detentos. Três: capacitar-se e multiplicar o conhecimento do tema por parte de outros membros do Ministério Público e da sociedade organizada na questão prisional. Quatro: implantar banco de dados para auxiliar no acompanhamento, controle, fiscalização e intervenção nas políticas públicas relativas ao sistema prisional”.  http://www.pgr.mpf.gov.br/pgr/pfdc/pfdc.html.
[6] . É notório que muitas vezes o perfil de certos profissionais que possuem um contato diuturno, muito próximo com os detentos, começa a sofre de uma espécie de “infecção psíquica”, no sentido de que certos profissionais adquirem esquemas mentais muito parecidos com os dos detentos, seja pela necessidade de comunicação, seja pela exposição diuturna ao mundo do crime. Uma boa figura para ilustrar esta situação é a estrutura dos vasos comunicantes que sempre busca um equilíbrio entre os vasos que se comunicam. Ver FERNANDES, Rita de Cássia Pereira et. al. Trabalho e cárcere: um estudo com agentes penitenciários da Região Metropolitana de Salvador, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, v.18, n.3, mai./jun., p.807-816. ISSN 0102-311X., 2002:  “Estudo transversal para identificar possíveis associações entre condições de trabalho e saúde de agentes penitenciários de Salvador, Bahia, Brasil, utilizou uma amostra aleatória estratificada proporcional de 311 indivíduos, que responderam, sem identificação, questionário auto-aplicável. Obteve-se os seguintes resultados na regressão logística: (a) ambiente de trabalho psicologicamente inadequado, condições infra-estruturais insuficientes, falta de tempo para lazer, ausência de esporte, mais de nove anos no Sistema Penitenciário (SP), dobra de turno, jornada > 48 horas semanais e organização do trabalho inadequada, foram associados positivamente com distúrbios psíquicos menores (DPM); (b) falta de treinamento, sexo feminino, jornada > 48 horas semanais, ambiente de trabalho psicologicamente inadequado, falta de tempo para lazer e ausência de esporte, foram associados positivamente com estresse persistente; (c) idade ≤45 anos, ≥nove anos no SP, dobra de turno, ausência de esporte, ambiente de trabalho psicologicamente inadequado, condições infra-estruturais e organizacionais inadequadas e presença de DPM, foram associados positivamente com queixas de saúde”. (...) “Policiais e Agentes Penitenciários (AP) foram referidos por Tartaglini & Safran (1997), como profissionais submetidos a um alto risco para a doença relatada como estresse debilitante. Estes autores encontraram prevalências de ansiedade, distúrbios de comportamento e abuso de álcool mais altos entre os AP do que na população em geral. Relataram entre esses trabalhadores, uma prevalência de distúrbios emocionais de 18,6%, abuso de álcool de 4,5% e distúrbios da ansiedade de 7,9%.  Em estudo realizado na França, com todas as categorias de trabalhadores de prisão, Goldberg et al. (1996) observaram prevalências de 24% de sintomatologia depressiva, 24,6% de distúrbios da ansiedade e 41,8% de distúrbios do sono.  Um estudo realizado em Nova Iorque, por Steenland et al. (1997) no período de 1991 a 1993, encontrou que os AP representavam um grupo de risco importante para infecção pelo bacilo da tuberculose. Aproximadamente, 33% dos novos casos de tuberculose entre os agentes, foram considerados ocupacionais por esses autores.  A maior parte dos estudos revisados investigava as condições de saúde dos presos. Muito pouco foi estudado sobre a saúde dos AP. O presente estudo teve o objetivo de investigar, exploratoriamente, possíveis relações entre condições de trabalho e saúde em AP das oito Unidades do SP da Região Metropolitana de Salvador (RMS). Os resultados obtidos poderão fundamentar algumas mudanças nas condições de trabalho, com possível influência sobre a saúde desses trabalhadores, e/ou gerar hipóteses a serem testadas em novas pesquisas” FERNANDES, Rita de Cássia Pereira, SILVANY NETO, Annibal Muniz, SENA, Gildélia de Miranda et al. Trabalho e cárcere: um estudo com agentes penitenciários da Região Metropolitana de Salvador, Brasil. Cad. Saúde Pública. [online]. mayo/jun. 2002, vol.18, no.3 [citado 26 Dezembro 2004], p.807-816. Disponível na World Wide Web: . ISSN 0102-311X..
[7] .  “Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros:  31. Serão absolutamente proibidos como punições por faltas disciplinares os castigos corporais, a detenção em cela escura e todas as penas cruéis, desumanas ou degradantes. 32. a. As penas de isolamento e de redução de alimentação não deverão nunca ser aplicadas, a menos que o médico tenha examinado o preso e certificado por escrito que ele está apto para as suportar.  b.O mesmo se aplicará a qualquer outra punição que possa ser prejudicial à saúde física ou mental de um preso. Em nenhum caso deverá tal punição contrariar ou divergir do princípio estabelecido na regra 31.  c.O médico visitará diariamente os presos sujeitos a tais punições e aconselhará o diretor caso considere necessário terminar ou alterar a punição por razões de saúde física ou mental”. MELLO, Cleyson de Moraes & ESTEVES FRAGA, Thelma de Araújo (organizadores) idem, p.1102.
[8] . São vários os casais que se separam após a morte violenta de um filho.
[9] . Há outras questões de caráter mais fundamental que se dividem epistemologicamente em duas vertentes teóricas quase opostas: uma vertente de natureza mais pragmática e outra vertente de natureza mais humanista. Os pragmáticos defendem posições que arrepiam os fautores dos DDHH (vertente pragmática). Se se deseja defender a sociedade é simples. Basta punir seus criminosos com mão de ferro: pena de morte, penas cruéis, penas perpétuas. A consigna dos pragmáticos é a lei do talião: olho por olho, dente por dente. Matou, morre. Matou o filho de alguém, mate-lhe o próprio filho. Roubou, cortem-se-lhe as mãos. Caluniou, mentiu, difamou: que a sua língua seja cortada. Não obstante a crueza desta posição, ela é extremamente sedutora para pessoas mais simples, para pessoas que tiveram vítimas, em sua família, de crimes de homicídios, estupros etc. Profissionais do rádio e da televisão que dirigem seus programas para a classe C, tornam-se estrelas, defensores dos pobres, paráclitos e arautos da justiça, inimigos dos DDHH e vereadores muito bem votados nas eleições municipais das grandes metrópoles defendendo idéias deste quilate. Mas do ponto de vista jusfilosófico não parece relevante discutir com vereadores radialistas e animadores de programas televisivos dirigidos às classes mais precarizadas desta sociedade. O problema se aguça de forma peculiar e intensa quando se apresentam ao mundo e à sociedade saídas marcadas pela eugenia  de caráter biotecnológico com a qual a humanidade sonha desde Pigmalião e Carlos Collodi, passando pelo Frankstein de Mary Shelley e pelo eugenismo de Hitler, Mengele, até Craig Venter com seus PhDs em biologia e em engenharia moleculares.  Afinal, considerando que a ontogênese repete a filogênese e considerando o caráter (parcialmente) ontogenético da violência sabe-se que a criminalidade poderia ser minimizada com a esterilização de homens e mulheres cuja periculosidade é uma ameaça para a sociedade e tal postura, com certeza minimizaria  a intensidade da violência na sociedade atual.  De alguma forma isto já acontece, afinal a expectativa média de vida de um biltre  que tenha iniciado sua atividade criminosa com 14 anos, não é mais do que 26 ou 27 anos. Portanto, porque deixar este sujeito se reproduzir e transmitir sua carga genética e sua história pouco edificante para a posteridade?
Em outros termos, é certo que se poderia acelerar o processo de evolução da própria espécie através de medidas que favoreceriam o mecanismo da seleção natural. Não obstante, tamanho pragmatismo já tenha sido ensaiado na história ocidental recente com a política ariana do nacional socialismo germânico, há a chama prometeica da razão e o sabor do fruto adâmico que ainda derrete em nossa boca e que nos tira do conforto paradisíaco da inconsciência para nos lançar na atormentada e dolorosa consciência cuja constituição depende de duas prerrogativas exclusivamente antropológicas, a saber a racionalidade e a liberdade responsável.
De outro lado há os defensores ardorosos dos DDHH (vertente humanista) que muitas vezes o são simplesmente por motivos de natureza religiosa, ou por um otimismo ingênuo na espécie humana. Ou ainda por uma certa influência ilustrada de matriz rousseauniana, segundo a qual  todos somos bons por natureza, conforme a teoria do bom selvagem de Jean Jacques Rousseau. A única instância responsável pela degeneração humana é a própria vida social, que portanto deve ser responsabilizada por toda a barbárie existente nos nossos dias.
Numa posição intermediária e bastante lúcida (vertente teórico-humanista) é possível aderir a um certo hobesianismo que coloca na hipótese originária do contrato social a possibilidade de um acerto societário segundo o qual a violência humana inata  (homo homini lupus – o homem é o lobo do homem) seria contida com uma reserva de autodeterminação através do qual o homem renunciaria a parte de sua soberania para o Estado, que por sua vez passaria a deter o monopólio da violência através do seu exercício racionalizado.
No seio de uma posição intermediária como esta, o intelectual se vê aguilhoado pelo dilema prometeico e adâmico da angústia causada pelo conhecimento. Afinal, se por um lado não se pode deixar de punir pelo fato de que toda pena é causa de sofrimento e portanto causa de comprometimento da saúde mental daquele que é punido, sobretudo porque este sujeito é uma ameaça à sociedade..., por outro lado, a necessária punição não deve atingir níveis de requinte e crueldade que se tornem insuportáveis para o punido e que não servirá de nada para sua reintegração social, tornando em muitos casos o retorno do indivíduo à sociedade um risco e uma ameaça ainda maiores do que eram na ocasião de sua reclusão inaugural. Não obstante a tendência geometrizante de todos os ramos da ciência penal, não há como encontrar um calculo ratiotinator que more geométrico  poderá solucionar tamanho dilema oferecendo um indicador que explicite com clareza meridiana até onde a punição aplicada atinge de forma mais ou menos intensa a integridade da saúde mental do indivíduo sobre o qual pesa a devida (ou indevida) punição.
A posição intermediária e a que se apresenta como a mais sensata aprisiona seus defensores num dilema de matriz prometeica. Pois a luz que Prometeu roubou do divino Olimpo, lhes faz ver que os paralogismos da razão conduzem estas questões a aporias quase que insolúveis do ponto de vista lógico e do p.v. social. É muito interessante como na mitologia grega, através da história de Prometeu e na tradição hebraica, com a história de Adão e Eva, o tema do sofrimento humano está diretamente ligado ao problema do conhecimento. Por ter roubado dos deuses olímpicos o fogo que deu ao homem a chama da consciência e do conhecimento, Prometeu foi severamente punido e os homens castigados com as mazelas trazidas ao mundo na caixa de Pandora. Também por terem sido  desobedientes a Deus, Adão e Eva, que comeram o fruto da árvore do conhecimento do Bem e do Mal, foram punidos com  a expulsão do Paraíso. É interessante a associação do conhecimento ao sofrimento causado pela capacidade de conhecer. Portanto, aqueles que de alguma forma aderem criticamente ao exercício dos DDHH (sem renunciar à exigência social da vingança racionalizada e mediada pelo Estado) sabem que a lucidez faz com que se veja mais do que se queria, e faz com que suas posições possam ser alvo de ataques seja dos radialistas de plantão, seja dos defensores radicais das condições humanas e excelentes do exercício punitivo.

[10] . Esta história começa com a crise vivida  pelos gregos logo após o apogeu de Atenas, que é imediatamente seguido pelo início de um declínio que conduzirá os gregos ao maior esforço intelectual jamais visto na história do ocidente. Sócrates assistiu aos erros dos cidadãos gregos ocorridos por ocasião das decisões tomadas por Temístocles e por Péricles, os maiores generais e estrategistas da Grécia Antiga. Platão e Aristóteles já estão mergulhados na crise política e começam a pensar a ciência da Ética com o intuito de estabelecer parâmetros que sirvam para o cidadão grego que começou a perder sua autonomia diante da invasão da Macedônia, por Alexandre, o Magno. Após este momento histórico, a Grécia jamais viverá novamente aquele dia em que seu cidadão era o homem livre que escolhia democraticamente os seus dirigentes. Portanto, a partir de então a inteligência ocidental começa a pensar formas éticas que indiquem de forma segura qual o Bem absoluto que deve reger a vida humana. Para Platão trata-se da Idéia do Bem. Para Aristóteles há o Bem enquanto realidade transcendente que polariza e move todas as coisas atraindo-as para si. Em seguida, surge uma das idéias mais influentes da civilização ocidental que terá a marca religiosa do cristianismo, que por sua vez, novamente afirmará o Bem como uma instância transcendente (tal como Platão e Aristóteles), mas que se constitui como um Bem de natureza pessoal. O cristianismo apresenta ao mundo helênico e ao mundo romano a idéia de um Deus pessoal que é o próprio Bem, e cuja vontade se erige como a vontade por excelência, à qual todo ser humano deve conformar-se para que se alcance a salvação pessoal e universal. Com o advento da modernidade, a idéia de um Bem absoluto, de natureza transcendente é corroída através dos séculos e faz com que hoje, seja impossível uma adesão universal a uma noção de bem que se apresente como transcendente e como modelo paradigmático sobre o qual se deve conformar a vontade dos sujeitos.
[11] . Resolução 43/173 da Assembléia Geral, de 9 de dezembro de 1988: “Conjunto de princípios para a proteção de todas as pessoas sujeitas a qualquer forma de detenção ou prisão”. MELLO, Cleyson de Moraes & ESTEVES FRAGA, Thelma de Araújo (organizadores), idem, p.1086-1095.
[12] . MELLO, Cleyson de Moraes & ESTEVES FRAGA, Thelma de Araújo (organizadores) , idem, p.1095-1096. Procuradoria Geral da República de Portugal, Compilação das Normas e Princípios das Nações Unidas em matéria de prevenção do Crime e de Justiça Penal, Lisboa, 1995, p171/17.
[13] . Há exatamente dez anos, o CNPCP  redigia “Resolução nº 14, de 11 de novembro de 1994” sobre as Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil.
[14] . Redigida por ocasião da Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, reunida em Alma-Ata aos 12 de setembro de 1978.
[15] .Princípios para a  Proteção de Pessoas Acometidas de Transtorno Mental e a Melhoria da Assistência à Saúde Mental, Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas, 17 de dezembro de 1991. (Vinte e cinco princípios). MELLO, Cleyson de Moraes & ESTEVES FRAGA, Thelma de Araújo (organizadores) – Direitos Humanos, Coletânea de Legislação. Rio de Janeiro, Livraria Freitas Bastos Editora S. A, 2003, p.958-961.

[16] . É interessante ver como certas agências das Nações Unidas trabalham. A UNESCO por exemplo convida especialistas para participar de um fórum que não tem custo de inscrição. O convidado paga apenas suas passagens e sua hospedagem. O custo do evento é por conta da UNESCO. Com certa facilidade  a UNESCO reúne duzentos trezentos especialistas em meio ambiente, educação, filosofia coloca-os para discutir (de graça)  e com isto elabora um documento que serve de norte para o estabelecimento de políticas públicas na área de conhecimento em questão. Os participantes se sentem lisonjeados e prestigiados por terem sido convidados. Geralmente são pessoas oriundas dos meios acadêmicos para quem a participação neste tipo de eventos conta pontos o seu currículo.
[17] . Bolsas para alunos de direito que prestem atendimento jurídico aos presos e seus familiares; bolsas para alunos de pedagogia que queiram  realizar trabalhos de alfabetização de adultos seja para os presos seja para os seus familiares; ou ainda para alunos de psicologia ou medicina que queiram elaborar projetos de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis (DST)  ou que se dirijam diretamente para o atendimento de presos com transtornos mentais, ao ainda para aqueles que estejam prestes a ingressar no cárcere. Este tipo de fomento encontraria retorno imediato da parte dos alunos seja porque muitos se sentiriam estimulados com a possibilidade de um mecanismo que facilite o adimplemento de suas mensalidades, seja porque outros encontrariam um tema que serviria de motivo para seus trabalhos de conclusão de curso, ou ainda porque isto viabilizaria a criação de um mercado de trabalho bem específico. Vale notar que o estigma da violência e do perigo não é suficiente para impedir que a juventude universitária entre nos presídios para trabalhar com os que ali habitam. O  estigma do sistema penitenciário não consegue imobilizar os jovens corajosos e ousados que estudam em nossas universidades. Por incrível que pareça há jovens fascinados pelo mundo do presídio. Temos exemplos de alunas com 1,60m, delicadas e meigas que querem por tudo nesse mundo serem delegadas; outra que  teve seu dia mais feliz quando conheceu pessoalmente o famoso Chico Picadinho. Outras que passaram um ano, dois anos freqüentando diariamente o presídio  para alfabetizar os presidiários e colher material para seus trabalhos de conclusão de curso.
[18] . Com o CNPq, com a CAPES – Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior ou com as FAPEs (FAPEMIG, FAPERJ, FAPESP) – Fundações de Amparo a Pesquisa estaduais para a realização de projetos temáticos.

[19] . Veja-se por exemplo a região do Vale do Paraíba em São Paulo, onde se encontra um grande complexo penitenciário e ao mesmo tempo uma  certa concentração de universidades que ensinam ciências jurídicas. Nesta mesma região há um  centro universitário que recebeu o selo de qualidade da OAB pelo índice de alunos aprovados no exame da Ordem. Neste mesmo centro há um curso de psicologia. Em outras universidades da região há cursos de enfermagem e medicina. Há todas as condições necessárias para um consórcio cuja proficuidade não pode ser exaurida nestas páginas.

Neste trabalho não exploramos  e nem desenvolvemos nenhuma destas sugestões de forma exaustiva, pois nos pareceu mais relevante denunciar a complexidade conceptual do tema em questão. Optamos por indicar que este tema exige, por um lado, um esforço que ultrapassa a redação de qualquer trabalho monográfico e por outro lado, este trabalho pode ser incrementado sobretudo  através de ações que magnetizem entre si o sistema penitenciário e a universidade. O CNPCP pode encontrar na universidade mão-de-obra e cabeças criativas e inteligentes para aprofundar a complexidade deste tema da saúde mental e outros tantos temas que possam ser estudados no seio do sistema prisional. A Universidade pode encontrar no CNPCP um parceiro que viabilize e facilite a realização de muitos projetos de pesquisa nos mais variados níveis acadêmicos possíveis: da extensão e da graduação ao pós-doutorado.
[20] . Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) estão sendo transcritos para as mais diversas realidades mundiais.  Através do PACTO GLOBAL se alcançou a versão CORPORATIVA dos ODM. As grandes corporações signatárias do PACTO GLOBAL se responsabilizam (das formas mais amplas e eficazes possíveis) por colaborar na efetivação destes ODM. Os oito objetivos são os seguintes: 1. erradicar a extrema pobreza e a fome; 2. atingir o ensino básico universal; 3. promover a igualdade de gênero e a autonomia das mulheres; 4. reduzir a mortalidade infantil; 5. melhorar a saúde materna; 6. combater o HIV/Aids, a malária e outras doenças; 7. garantir a sustentabilidade ambiental; 8. estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento. Ver o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.

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